Agora

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Quanto tempo você vai ficar viajando?

Encaro a mensagem na tela do meu celular. Viajando. Vai demorar para eu me acostumar com isso, mas é melhor que dizer a verdade. Alguma coisa no sentido de "ah, sumi porque meu pai arrumou uma confusão com o que eu ainda acho que é um grupo de traficantes e eles me mandaram para essa casa aqui para garantir que ele não conte nada para ninguém". Preciso admitir que a história da tal viagem é uma forma bem prática de evitar essas perguntas.

Mas a pergunta de Bruna me faz parar para pensar em outra coisa: quanto tempo vão me manter aqui? Ninguém falou nada sobre isso até agora e eu estava tão preocupada em só ficar fora das vistas de todo mundo que nem pensei nisso também. Não posso ficar trancada nesse quarto pelo resto da vida. Deve ter algum jeito, posso tentar denunciá-los... Não sei. E tenho certeza de que estão vigiando tudo o que eu faço, fazer qualquer coisa nesse sentido agora é loucura. Só sei que ficar sentada sozinha não vai resolver nada e agora eu preciso saber o que pretendem fazer comigo. Se vão me soltar ou se vão querer me manter aqui para sempre... E nesse caso eu vou ter que pensar em alguma coisa.

Paro na frente da porta do quarto e respiro fundo antes de abri-la e olhar para fora. Ninguém no corredor. Se bem que isso não é bom, preciso falar com alguém se quiser ter alguma resposta. Ou melhor, preciso falar com Alexandre. Um arrepio me atravessa só de pensar nisso. Não quero falar com ele. Quero distância.

Vou na direção da escadaria e paro, olhando ao redor de novo. Ninguém. Estranho. Tenho certeza que vi umas tantas pessoas por aqui quando cheguei e ouvi movimento no corredor o dia todo. Podia estar meio fora do ar – com direito – mas não ia ter imaginado as pessoas que vi, especialmente porque uns tantos pareciam familiares. Não faz sentido tudo estar vazio assim...

Escuto o barulho de algo se quebrando e dou um passo atrás.

Faz sentido tudo estar vazio se as pessoas estiverem se escondendo de alguma coisa. Ou de alguém.

Olho para a porta do quarto e de volta para a escadaria. Não vai adiantar nada eu continuar me escondendo. Preciso dar um jeito nisso. Respiro fundo de novo e começo a descer a escada.

Estou quase no térreo quando escuto a voz de Paula. Não sei porque isso me surpreende, depois de todos os dias que ela e Alexandre passaram trancados no seu escritório. O que quer que ele esteja aprontando, ela sabe. Tenho certeza que sabe. E se bobear ainda o ajuda.

Como é que eu passei dois anos trabalhando para ela, a chamando de amiga?

Respiro fundo de novo. Estou com raiva demais para ter medo do que pode acontecer, e não sei se isso é bom ou ruim. Não importa. Termino de descer a escada e sigo a voz de Paula. Agora consigo ouvir a voz rouca de Alexandre também. Perfeito. Paro alguns passos depois da escadaria e olho para o saguão de entrada e a porta fechada. Posso escapar. É só correr, abrir a porta, e vou estar lá fora. Aí só vou precisar correr até o portão...

Se a porta estiver destrancada, se ninguém me alcançar até o portão, se eu conseguir fazer alguma coisa antes de irem atrás da minha família para cumprir a ameaça... Isso sem mencionar que não tenho nenhuma prova contra Alexandre. Respiro fundo e fecho os olhos por um instante. Melhor conversar primeiro, e depois decido o que fazer.

As vozes estavam vindo de uma das salas à direita da escadaria, mas os dois estão em silêncio agora. Não importa, tenho quase certeza de que sei qual sala é. Paro de frente para a porta, pensando no que dizer. Não sei mais porque resolvi vir atrás dele, mas não posso continuar me escondendo. A mensagem de Bruna. Isso. Quanto tempo eles vão me manter ali.

Estico a mão para a maçaneta e a porta se abre sozinha. Alexandre e Paula estão parados no meio da sala, ao lado de uma cadeira quebrada. Tarde demais para mudar de ideia. Respiro fundo e entro na sala, olhando para qualquer lugar menos diretamente para eles. Não consigo encarar Paula. Ela está usando o mesmo saião verde com uma camiseta branca do dia que fui me demitir. Dois anos, sem fazer a menor ideia de que ela estava ajudando um criminoso e ia me vender assim. Me viro para Alexandre, que parece não estar preocupado com o que pode acontecer. Ele sustenta meu olhar sem a menor dificuldade, e quase tenho a impressão de que aquilo é um desafio.

Refém da Noite - DegustaçãoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora