Capítulo Nove

4.5K 509 116
                                    

Quando dou por mim, estou ouvindo pássaros cantando, o quarto está claro e eu estou toda dolorida por causa da posição estranha em que dormi. Minha intenção era ficar acordada, esperar para ver o que ia acontecer, se iam chamar Paula, se alguém ia voltar... Na verdade, achei que não ia conseguir dormir. De novo, estava errada.

Estico os braços, sentindo os músculos das minhas costas doloridos. Faz tempo demais desde a última vez que dormi de mal jeito assim. Acho que a última vez foi no meu primeiro ano em BH, quando fui parar numa festa improvisada. Quando notamos as horas já era tarde demais para alguém ter ônibus para ir embora, então preferimos dormir por lá mesmo. Eu tive que me enrolar em um sofá pequeno, mas pelo menos não dormi no chão. Mas estou mais dolorida do que daquela vez. E aliás, como foi que dormi sentada?

Balanço a cabeça e me levanto. A cadeira ainda está encostada na porta e eu começo a ir na direção dela. Preciso ir no banheiro. Já estou com a mão nela quando percebo o que estou fazendo. Eu realmente vou sair do quarto? Sabendo que ninguém nessa casa é humano?

Volto e me sento na cama. Acho que não estou com tanta vontade assim de ir no banheiro. Mas meu estômago está roncando alto o bastante para qualquer um no corredor escutar – não comi nada ontem. Olho para a vasilha em cima da mesa, no mesmo lugar onde Lavínia a deixou. Devia ter comido antes de ir atrás de Alexandre, ontem.

Respiro fundo e fecho os olhos, ignorando mais um ronco da minha barriga. Então estou presa em uma casa com bruxos, fey e metamorfos – mesmo que eu não faça a menor ideia da diferença disso para lobisomens. Certo. Normal. Super normal. Acontece todo dia. Solto o ar com força. Quero muito achar que estou ficando louca ou que estão fazendo algum tipo de pegadinha comigo, mas... Não consigo. Não sei se é porque estou mais calma, ou se tive tempo para "absorver" isso, só sei que não consigo mais duvidar. Por mais que seja difícil de acreditar, faz sentido. Mais sentido que qualquer coisa até agora, aliás. Eles não serem humanos explica tudo: o isolamento, a estranheza, a necessidade de manter o segredo a qualquer custo... Isso explica como pessoas que parecem ser tão normais podem aceitar eu ser uma prisioneira aqui. É a necessidade de manter isso em segredo. E isso só me lembra que as chances de eu conseguir escapar são praticamente nulas.

Procuro meu celular, querendo alguma coisa para me distrair. Acho ele jogado debaixo de um travesseiro e não faço a menor ideia de como foi parar ali. Provavelmente estava com ele por perto quando apaguei. A bateria já está nos 8%, então me viro para procurar o carregador na minha mochila. Não desfiz as malas até agora – tenho a impressão de que fazer isso é o mesmo que dizer que estou aceitando ser uma refém – então está fácil achar as coisas. Pelo menos, por enquanto. Ligo o carregador na tomada ao lado da cama antes de ver as notificações do celular. Nem me surpreendo quando vejo mensagens de todas as minhas amigas daqui. Falei que ia viajar para a Nova Zelândia e depois não dei mais sinal de vida, então isso é normal. Camila também mandou mensagem, e isso não é uma surpresa. E Rick também. Droga. Esqueci completamente dele.

Rick: Você foi viajar? Assim, do nada?

Reviro os olhos. A mensagem é de ontem à tardinha. A essa hora ele já sabe de todos os detalhes sobre a minha "viagem" para a Nova Zelândia, aposto. Não vou responder. Sorrio. Não vou mesmo. Não tenho mais nada com ele, não devo nenhuma satisfação, não preciso falar nada. E nem preciso me preocupar com ele enquanto estou aqui.

Salto as mensagens de Gisele, Samara e Cris. Vejo a mensagem de Bruna marcada como lida, mas sem resposta, e respiro fundo. Não preciso responder ainda. Não que adiante muito enrolar, mas não posso falar "vou ficar viajando para sempre". Quer dizer, até posso. Meus planos eram esses, não é? Ignoro sua mensagem e abro a de Camila.

Refém da Noite - DegustaçãoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora