Capítulo Onze - Parte 1

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Encaro o teto do quarto, tentando ignorar o sol que está entrando pelas cortinas abertas. Hábito é uma coisa impressionante: não tenho que trabalhar, mas estou acordada às sete da manhã. E não acho que ter fechado as cortinas fosse fazer alguma diferença. Estou acostumada demais a acordar nesse horário.

Se prestar atenção, consigo ouvir movimento no casarão. Já tem gente de pé, mesmo que Paula aparentemente seja a única que trabalhe fora. E é interessante que ninguém tenha me explicado como vivem assim, se ninguém trabalha. Se bem que acho que a culpa disso foi minha, porque mudei de assunto.

Me viro de lado, encarando a porta, e puxo a coberta para cima da cabeça. Não vou levantar agora de jeito nenhum. Posso continuar aproveitando a cama. E pensar.

Noite passada comecei a imaginar um plano para escapar. Foi uma coisa muito de momento, mas acho que tem potencial. Estou cercada por seres mágicos. Uma bruxa colocou uma proteção ao redor da casa toda que me impede de sair. Mesmo que conseguisse sair, os metamorfos me rastreariam bem depressa, tanto por terra quanto por ar. É impossível. Então preciso fazer eles confiarem em mim, até poder sair do casarão e andar pela propriedade. Aí, quando ninguém estiver esperando por isso, posso sumir. Quando perceberem, já vou estar longe.

Vou precisar de dinheiro. Minha família toda vai precisar desaparecer, e não é só uma questão de nos mudarmos de bairro. Vamos ter que ir para longe.

Isso vai ser bem demorado. Não posso ter pressa, porque se der errado não vou ter uma segunda chance. Ou vão me matar, ou nunca mais vou ter uma oportunidade. Mas, mesmo que eu demore anos para juntar o dinheiro que preciso para fazer isso, é melhor que que passar a vida toda presa aqui.

E, enquanto isso, preciso aprender o máximo possível sobre o Outro Mundo e todos que estão aqui. Sorrio. Agora que tenho um plano, a ideia de estar cercada por seres mágicos não é mais tão assustadora. Quer dizer, é. Mas eu não posso deixar isso me parar, então vou ignorar esse detalhe.

Jogo a coberta para o lado, me levanto e ligo o notebook antes de me sentar. Tenho todos os sites que Camila e Felipe me passaram, os de portfólio e os de freelance. Já olhei alguns, mas foi coisa rápida, enquanto ainda estava no sebo. É hora de realmente estudar um por um e ver o que posso fazer, que tipo de trabalho posso oferecer e a faixa de preço.

Pensando bem... Acho que estar aqui quer dizer que vou ter mais material ainda para minhas ilustrações. Se eu já costumava fazer todos os meus desenhos com um tom um pouco fantástico, agora, então... Sorrio. Isso pode ser bem interessante.

Minha barriga ronca, me lembrando de providenciar o café da manhã antes de me empolgar na frente do computador. Se não fizer isso sabe-se lá que horas vou lembrar de comer.

Troco de roupa depressa e paro na frente da porta. Metamorfos e sidhe. Nada além do normal. Nada mesmo, se eu levar em consideração que provavelmente já conheci outros tantos seres mágicos e nunca nem imaginei que não fossem humanos. Respiro fundo. Espero que Rodrigo esteja certo e uma hora dessas eu me acostume com isso.

Quando entro na cozinha, só tem uma mulher sentada em uma das mesas compridas, com comida o suficiente para umas duas pessoas na sua frente. Daiane, uma das metamorfas que passou pouco tempo conosco ontem, mas que ajudou na "aula" sobre o Outro Mundo. Olho para a área atrás do balcão, mas não tem nem sinal de Amara ali.

— A essa hora, ela está dormindo — Daiane fala.

Me viro para ela, que gesticula para eu esperar enquanto engole.

— Amara não desce antes das dez da manhã. Quem chega na cozinha primeiro faz o café. Caio fez o de hoje, então está bem forte. — Ela aponta para um armário de madeira do outro lado do balcão. — Se quiser chá, estão em uma das gavetas do primeiro armário. Tem leite, suco e frutas na geladeira. Pães, roscas e biscoitos no armário. E se não me engano tem um bolo de laranja em algum lugar.

Refém da Noite - DegustaçãoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora