Perna de Magia

By PriscilaBarone

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Toni Maro é um jovem com uma doença incurável, problema que lhe ocasionou a perda de uma das pernas. Com o us... More

Prólogo
01 - Encontros e esperança
02 - Magias e dimensões
03 - Curiosidade, quartos vazios e rancor
04 - Segredos e ironia
05 - Desespero e calmaria
06 - Confissões e resoluções
07 - Lutas e partida
08 - (Des)Encontros
09 - Rotina, mentes e descobertas
10 - Passado, história e objetivo
11 - A véspera
12 - Conflito, fogo e calor
13 - Lembrança
14 - Elementais, artefatos e conjurações
15 - Batalha e sangue
16 - Pacto, loucura e júbilo
18 - Passado, morte e vida (parte 1)
18 - Passado, morte e vida (parte 2)
19 - Acontecimentos inesperados
20 - Consciência, poder, despertar
21 - Enfrentamentos e ilusões
22 - Aparências e embates (Parte 01)
22 - Aparências e embates (Parte 02)
23 - Medindo forças
24 - Pesquisas e decisões
25 - Jóia brilhante
Epílogo
Comunicado
Aviso Rápido!
Capítulo Extra - Ren - Sobre Elementais e Fatasmas - Parte 01
Capítulo Extra - Ren - Sobre Elementais e Fatasmas - Parte 02
Capítulo Extra - Irene - Sobre Mentes e Magia - Parte 01
Capítulo Extra - Irene - Sobre Mentes e Magia - Parte 02
Prêmio Wattys 2016

17 - Luta, gelo e água

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By PriscilaBarone

Toni navegava numa cacofonia de vozes, cheiros, toques. Depois de um certo tempo nessa confusão sem sentido de imagens e sons, percebeu que tudo só podia ser um sonho. Mas, por mais que forçasse, lutasse e se contorcesse, não lograva êxito em despertar. Deixava-se levar, imerso naquela miscelânea sem fim, que misturava cenas do passado, acontecimentos atuais e até coisas que ele nunca tinha visto.

Recusava-se a acreditar que estava tendo alguma premonição. Sabia de alguma forma tresloucada que não se lembraria de muita coisa quando acordasse.

A mãe, Adri, Ren, Brassoforte, o Avesso, Irene, Afonso, Araí, Gerson, Ícarus... todos estavam engajados numa ridícula conversa ao redor de uma mesa redonda. Uns discutiam acaloradamente, fazendo gotículas de saliva voarem e se perderem no ar. Outros conversavam de maneira amigável, servindo-se de comida e dando tapinhas uns nas costas dos outros. Havia alguns que ele nunca vira, ou não recordava de ter visto. Um homem alto de cabelos grisalhos e rosto cínico. Um rapaz negro, profundos olhos azuis e cabelos raspados. O homem discutia com Irene, exibindo um sorriso sarcástico, observado de perto pelo mais jovem. Olhando atentamente, Toni percebeu que o ombro do garoto estava aberto num ferimento enorme, que sangrava muito. Mas daquela maneira absurda que só acontece em sonhos, ele sequer notava tal machucado. Ninguém notava. Irene parecia deveras zangada, e Toni sobressaltou-se por vê-la assim. Geralmente conversava cheia de pose e estilo, era estranha toda aquela alteração. Falava com o homenzarrão, bem mais alto que ela, como se não concordasse com nada do que dizia. Não ouvia claramente a conversa, as palavras se perdiam ao percorrer a distância até seus tímpanos. Ele voltou-se para Ren, que discutia com outro flamine. Não era Ícarus. Este era muito menor e tinha forma feminina. Era ainda mais baixa do que Ren, e ambas conversavam animadamente, como grandes amigas. Ícarus encontrava-se atrás delas, acompanhando sua interação com um ar muito interessado, um sorriso amplo rasgando o rosto em chamas. Ninguém se dava conta de sua presença, e ele também não conseguia compreender sobre o que discutiam.

Aquela cena se repetia de novo e de novo no olho de sua mente. Era angustiante. Quanto mais ele tivesse consciência de que se tratava de um devaneio e quisesse se libertar, mais perdido ficava.

Lembranças de sua adolescência também pipocavam e, algumas dessas, ele não queria reviver. O rosto ferido de Adri dançava diante de si, e ele erguia os braços em desespero, querendo esquecer, esquecer. Queria ter sido um irmão melhor, um apoio, um farol em quem a família pudesse confiar. Do seu ponto de vista, havia feito tudo errado.

Mas a voz de Ícarus flutuava em sua mente. "Você pegou a culpa e resolveu colocá-la em você. Quanto egocentrismo, não? Mas o hilário é que isso não muda nada do que aconteceu. Vocês sempre escolhem a maneira mais difícil de viver, a que causa mais sofrimento.."

Pensou em como deveria parecer ridículo aos olhos do elemental, querendo aumentar tanto a sua própria importância. Mas numa coisa ele tinha razão: sua família não o culpava por nada. Sabia disso, lá no fundo, mas não desejava que as coisas fossem assim tão simples. Era um fardo, um incômodo. Como as pessoas não se aborreciam de ter de carregá-lo sempre?

Talvez o miserável estivesse certo, e devesse deixar aquelas imagens que tanto o atordoavam no seu lugar de direito. No passado. Não fora capaz de fazer muito antes, mas agora ele era um homem crescido. Que, apesar da doença, ainda podia cuidar de seus próprios assuntos. Bastava seguir a vida de cabeça erguida, sem esquecer o sacrifício daquelas próximas a ele, mas sem martirizar-se. Sim, talvez Toni fosse capaz daquilo. Mas não estava disposto a perder a dignidade. Se aquela sua primeira (e última) jornada em busca de uma cura não desse certo, ele ainda pretendia pôr fim à própria existência, antes que fosse tarde demais. Não abriria mão disso. Ponderou por muito tempo, enquanto as imagens continuavam a se repetir.

Finalmente, estava de volta à cena na mesa redonda. Para variar, todos discutiam empolgados, naquela cacofonia que não podia ser entendida. Contudo, desta vez, algo havia mudado. Toni prestou mais atenção, ainda incerto do que estava diferente. Deixou o olhar passear por todos os integrantes daquele círculo, até que parou em Ícarus. Sentiu o estômago se remexer num solavanco. O elemental olhava diretamente para ele, de sua posição atrás de Ren e da outra flamine. O olhar era tão intenso, naquele rosto estranho de fogo, que Toni quis fugir. Ícarus possuía uma aura intimidadora, e nem precisava fazer muito esforço. O coração do jovem falhou uma batida quando a voz maciça do flamine ecoou límpida.

— Está na hora de voltar. Sua irmã pode estar precisando de você.

Toni, involuntariamente, escorregou os olhos para a irmã do sonho, que continuava a conversa com a outra elemental, sem se dar conta de nada.

— Não essa irmã. A verdadeira.

Todos os pêlos de Toni se eriçaram quando Ícarus flutuou por sobre a cabeça das duas, aproximando-se. Tentou dar um passo para trás, mas não havia espaço de verdade naquele ambiente de ilusão.

— Espera. Você não vai agarrar a minha cabeça com essas mãozonas gigantescas de novo, vai?

— Pode apostar que vou.

Antes de fazer qualquer movimento ou tentativa de se afastar, Toni mais uma vez foi cegado por um clarão.

******************

Despertou num espasmo, as mãos voando loucamente por todos os lados, como se tentando arrancar algo que estivesse preso no rosto, a respiração entrecortada. Não sabia onde estava. Percebeu difusamente uma manta caindo, que antes cobria o seu corpo. Na confusão com as mãos, bateu numa pequena mesa de cabeceira, e derrubou um objeto esférico. Abrindo bem os olhos e tentando controlar a respiração, ele olhou ao redor. Levou um ou dois minutos para notar que era a sua cabine, dentro de seu navio. Ficou aguardando a imagem mudar num passe de mágica, levando-o para outro lugar. Esperou por um bom tempo, e como o que visualizava não se alterou, podia arriscar sair da cama. Não queria ainda bater o martelo e afirmar que estava desperto, mas valia a pena explorar um pouco mais.

Sentou-se no colchão macio, e observou o objeto que derrubara. Um globo flamejante. Era de uma beleza ímpar, e distraiu-se olhando para o interior, que se movia como fogo numa lareira. Admirando a esfera, levantou-se da cama. Notou uma forte oscilação do corpo para o lado esquerdo, e a queda só cessou quando ele atingiu o chão.

— MERDA!

Esquecera completamente de conjurar a perna de magia. Aquilo não acontecia há pelo menos cinco anos. Ficara tão concentrado observando aquela bola idiota que até cometera uma gafe como aquela. Mas, pelo menos, Ícarus cumprira sua parte no pacto e lhe entregara o artefato elemental. Finalmente algo parecia estar dando resultado. Toni largou a esfera em cima da mesinha, trouxe a perna de magia para trabalhar um pouquinho e levantou-se. Estava vestido com um pijama velho. Certamente Ren colocara a roupa nele. Sentia-se envergonhado pelo trabalho que dava à irmã, mas em breve tudo acabaria, para o bem ou para o mal.

Agarrou uma calça e blusa quaisquer. Pensando melhor, decidiu pegar também um casaco, aquele seu velho casaco preto cheio de bolsos, que protegia bem contra o frio. Afinal, era impressão sua ou a temperatura havia baixado de repente? Não importava. Ele descobriria assim que deixasse a cabine. Quando estava para abrir a porta, resolveu dar uma última olhada naquele globo de fogo. Ponderou se devia enfiá-lo em algum dos bolsos. Achou por bem levá-lo consigo, sem muita ideia do por que. Ajeitou o artefato em um compartimento perto do peito, distraidamente.

Atravessou o diminuto corredor da nau, passando pelo quarto de Ren. Ela não se encontrava lá. Também não a localizou na sala da caldeira, nem em nenhum lugar na parte de baixo do navio. Se não estivesse no convés, Toni sairia para procurá-la. Não fazia a menor ideia de onde estavam aportados, se ainda permaneciam na Floresta Flamejante ou não.

Assim que abriu a porta que levava à parte externa de Newcomen, foi envolvido por um vento enregelante, não natural. O frio passava através das roupas, grudava nos ossos e fazia com que perdesse o entusiasmo. Toni pensou vagamente que deveria ter se agasalhado mais. Flocos de neve flutuavam ao seu redor, e, quando tocavam a pele, praticamente a queimavam. Abraçou o peito com os braços, tentando reter o calor do corpo. Em pouco tempo, sua respiração formava grossas camadas de vapor no ar. Definitivamente o que estava acontecendo não era normal. Não nevava naquela época do ano, em plena primavera. Olhando para o céu, Toni notou a magia que controlava aquele mau tempo, fluindo de maneira uniforme por todo o espaço, vindo de um único ponto, abaixo do navio.

Chegando à proa, finalmente divisou Ren próxima à amurada, em companhia de uma elemental. As duas olhavam para baixo, para alguma coisa no chão. O rapaz assustou-se quando percebeu que a flamine ao lado da irmã era a mesma que ele tinha visto em sua prisão de devaneios. Não havia a menor dúvida, e Toni também sabia que ambas haviam selado um acordo. Não imaginava como podia ter certeza daquilo, mas tinha.

A flamine perdera metade de seu brilho, a força do fogo carregada pelo frio monstruoso. Puppet flutuava ao redor delas, um tanto quanto cambaleante.

— Ren, o que está acontecendo?!

Precisava gritar para se fazer ouvir, pois o vento cortante produzia um som ensurdecedor. As duas viraram as cabeças na direção da voz, e Ren abriu um sorriso ao ver o irmão. Até mesmo a elemental parecia aliviada. Mas não havia tempo para se cumprimentarem.

— Não sabe como fico feliz em vê-lo acordado, Toni... Acho que temos problemas.

— Isso eu estou vendo! Quem está fazendo isso?

— Ora, irmão, não é óbvio?

Toni hesitou diante da indagação de Ren, mas então uma pessoa lhe surgiu na mente. Ren não poderia estar falando de Irene, poderia? Por que diabos a mulher estaria gerando uma onda de frio tão violenta? Com que propósito? Para congelá-los a bordo do navio? Tinha ficado louca?

E então, como se fosse mais uma bizarra cena dentro de um dos seus sonhos, Irene foi surgindo vagarosamente além da amurada. Primeiro o alto da cabeça, os cabelos soltos e revoltos, depois a testa, os olhos - terríveis olhos - o rosto. Mantinha os braços estendidos, as palmas das mãos voltadas para cima, como se quisesse dar-lhes um congelante abraço de reencontro. Toni quis saber como ela conseguia erguer-se daquele jeito no ar. Quando subiu mais um pouco, todos puderam ver que da cintura para baixo, seu corpo era um redemoinho de água, que girava velozmente como um tufão, a ponto de permitir que ela fosse carregada.

Os olhos estavam estranhos, mudados. Outrora amendoados, agora possuíam um intimidante tom vermelho. Com certeza ela nunca lhes dispensara um olhar como aquele. Algo entre a fria satisfação e desprezo total. A boca mostrava uma espécie de esgar, muito parecido com um sorriso.

Ficaram naquele silêncio, estupefatos por alguns segundos, Irene olhando de um para o outro, com uma felicidade mórbida. Até que ela trouxe a mão direita para junto dos lábios, beijando a ponta dos dedos indicador e médio. Uma posição de mão. Eles tiveram pouco tempo para desviar de farpas afiadíssimas de gelo, que voaram como flechas ao seu encontro. Flâmula, desajeitada, fora acertada na região do ventre por uma das farpas e um forte vapor se formava no ponto de encontro do gelo com o fogo. Sem se alarmar, no entanto, concentrou-se para derreter aquele ferrão. Toni e Ren escaparam por poucos milímetros, mas os pedaços de gelo não se fincaram na madeira no navio. As pontas se quebraram e ricochetearam.

— Ela ficou louca! Fica murmurando que vai nos pegar, nos fatiar! Temos que lutar de volta, Toni!

— Não estou ouvindo ela dizer nada, Ren!

— Está falando com magia!

— Eu também ouvi, Perna de Magia. Temos que nos defender.

Então a flamine iria ajudá-los. Bem, quanto mais aliados melhor. Ele não sabia do que Irene seria capaz.

A Dragoa das Águas, intensificando o frio do ambiente, voltou a repetir os movimentos junto aos lábios. Ela pretendia retardá-los com a baixa temperatura, para que os músculos não respondessem bem. Toni estava ciente disso, e também de que não queria que a luta ocorresse bem no meio de seu navio.

— Vamos para baixo! Se alguém arrebentar Newcomen, aí sim vai ter morte!

Eles se separaram, cada um correndo para um lado do navio. Puppet se jogou em direção à dona, e esta a abraçou firmemente. Isso deu alguma vantagem a eles, pois, por um momento, Irene não soube qual deles atacar. Ao chegarem ao chão, afastaram-se da embarcação e da mulher, correndo em sentido contrário à Floresta Flamejante, percorrendo uma parte do caminho de terra batida que saía de lá.

Depois da hesitação inicial, a Dragoa das Águas virou-se no sentido da corrida deles, e o tornado que a suspendia começou a diminuir de intensidade, levando-a até o chão, com muita naturalidade. Eles podiam correr, mas não fugir. Só estavam adiando o inevitável. À altura do solo, suas pernas se materializaram entre o líquido que rodopiava, e ela caminhou atrás deles.

Ren, a uma distância segura, e, sem saber muito bem o que estava fazendo, estacou, soltou Puppet e posicionou o artefato elemental de fogo à frente do peito. Flâmula, no entanto, entendeu o sinal perfeitamente, e seu corpo ficou difuso e sem forma, o fogo envolvendo a parceira. As chamas estavam sendo absorvidas por Ren, e em breve formariam um novo ser, como a fênix mencionada por Flâmula.

O poder queimava cada célula de Ren, a conexão fácil, como devia ser. Ela percebia agora que a flamine tinha razão, e o fogo era o seu elemento. A ligação era estimulante, ela sentia que era o certo.

Mas o instante veio e passou num segundo. Antes que pudesse se dar conta, uma farpa mortal de gelo atravessara a esfera de fogo, partindo-a em duas. A ponta da farpa tocara o peito de Ren, abrindo-lhe um pequeno talho por onde o sangue escorria. A tragédia só não fora completa porque o artefato amortecera a maior parte do impacto. Enquanto as duas metades do globo caíam no chão, Flâmula emitia uma espécie de urro, separando-se do corpo da parceira e desvanecendo no ar. Logo, apenas o vento aquecido circulava ao redor.

Irene, com aquele sorriso diabólico, que subia até seu olhar, calmamente andava em sua direção.

— Bobinha. Não se deve tentar uma associação assim, no meio da batalha. Processo lento, vulnerável. Mas vocês não sabiam disso, né?

— Você a matou?! — Ren lançou a pergunta em desespero, a ira já subindo-lhe à cabeça. Sua visão ficara desfocada com o choque.

A mulher mais velha limitou-se a encará-la e soltou um bufo de desdém.

— Não seja idiota. Nem mesmo eu posso matar um elemental. Uma hora ela volta.

Subitamente, uma forma mágica entrou no campo de visão de Irene, registrada um pouco tarde demais. Não teve tempo de proteger o rosto quando a perna de Toni acertou o lado de sua cabeça, fazendo-a voar alguns metros. Ela não chegou a se espatifar no chão, pois criou uma camada de gelo sobre ele, se contorceu e deslizou até ficar em pé novamente. Uma ressonância incômoda percorria o seu tímpano, não totalmente curado do dano que sofrera por Ren. Mas longe de parecer abalada, Irene ficou ainda mais animada.

— Perna de Magia, eu já disse que você é muito sexy quando luta e se esforça? Será que quando virar uma estátua de gelo ainda fará jus a esse rostinho bonito?

— O que você está fazendo, Irene?! Ficou louca? Você podia ter matado a Ren!

— Uma pena, mas não posso fazer isso.

— Por que está fazendo isso? Responda!

Irene deteve-se por um segundo. O que de fato ela estava fazendo? Quando tentava pensar, tudo virava uma névoa e apenas uma coisa aparecia vívida em sua mente. A luta. A necessidade de abatê-los. Quem sabe torturá-los um pouquinho, se tivesse chance. Não conseguia focar claramente. E logo se cansou.

— Vamos apenas brincar um pouco, está bem?

Enquanto distraíra-se pensando, os dois tinham se aproveitado para cercá-la, discretamente. Quando deu por si, uma rajada vibratória percorria a distância entre ela e Ren, enquanto Toni desprendera uma parte de sua magia, que vinha em sua direção em forma de bola de fogo. Sem perder mais tempo, ela ergueu uma barreira de gelo, que conteve a energia de Toni e, estendendo a mão à frente do corpo, abaixou ainda mais a temperatura ambiente, fazendo com que as moléculas de som emitidas por Ren diminuíssem a velocidade a ponto de soar como um sussurro quando a atingissem.

Num segundo, ela decidiu seu alvo. Com a rapidez de uma enxurrada, correu para cima de Ren, tramando congelá-la e tirá-la da jogada. Era a mais vulnerável devido ao seu temperamento, pois se deixava levar pela raiva e não se concentrava no que era importante. Com a eliminação de sua parceira elemental, Irene acreditava que ela devia estar desestabilizada.

Qual não foi sua surpresa por não calcular tão bem. Ira dos Sons estava realmente furiosa, era fácil ler isso em seus olhos. Mas estava mais focada do que o costume, e estalava os dedos várias vezes, visando criar sons secos, direcionando-os para que atingissem várias partes de seu corpo. Na corrida para alcançá-la, não foi possível evitar os impactos que acertaram seus braços, pernas, clavícula e peito. Tudo ocorreu numa fração de segundo, e Irene ficou impressionada que Ren conseguisse acompanhá-la. A desvantagem de se congelar completamente alguém é que não podia fazer isso à distância. Os hematomas que se formaram quase que imediatamente nos locais atingidos lhe lembraram daquilo.

De toda a forma, o ataque não foi o suficiente para pará-la, então continuou o avanço, agarrando a jovem pelos braços. De imediato, ela berrou ao sentir o frio que atravessava seus músculos como milhares de facas. Felizmente gritou sem impregnar magia ao som, ou provavelmente Irene estaria sem orelhas agora. Ponderou que seria muito benéfico - para ela, é claro - congelar as cordas vocais da oponente antes que ela resolvesse fazer aquilo efetivamente. Por isso, correu a mão pelo braço de Ren e agarrou o pescoço dela, uma aura azul congelante desprendendo-se de sua palma e iluminando a pele bronzeada da outra.

Toni mais uma vez partiu em sua direção, disposto a lhe acertar uma voadora na nuca. Mas Irene era uma mulher calejada, e, soltando a mão que segurava o antebraço de Ren, transformou-a num chicote de água, acertando o atacante no flanco, mandando-o de volta. O rapaz estatelou-se no chão, com um rasgo na roupa e um talho no corpo.

— Estou começando a ficar COM MUITA RAIVA de elementais de água!

Ao mesmo tempo em que Toni gritava isso, Ren aproveitou a liberdade momentânea de ambos os braços e bateu violentamente uma palma na outra. O som impregnado de magia atirou Irene para trás, fazendo com que perdesse o equilíbrio e caísse de mau jeito no chão de terra batida.

Ato contínuo, Toni estava sentado sobre sua barriga, as mãos revestidas da mesma energia azul fosca que formava sua perna esquerda. Bradava o punho direito num soco, pronto para descê-lo no rosto dela. Ciente de que estava prestes a esmagar a face de Irene, lembrou-se de que não era uma mulher comum.

O primeiro golpe sacudiu os dentes de Irene, mas todos permaneceram no lugar. O segundo, na outra bochecha, causou uma dor aguda na têmpora. O terceiro deve ter feito um rasgo bem fundo na boca, pois o gosto de sangue inundou a língua. O quarto não teve os danos calculados, porque Irene já estava tomada por uma fúria mortífera. Quando Toni levantou o braço para o quinto soco, o que atingiu foi apenas água, pois a mulher assumiu totalmente sua forma de ondina. Ele tentou afastar-se, mas Irene envolveu-o de corpo inteiro. Sem pestanejar, fechou a boca até transformá-la numa fina linha, mas a água já se infiltrara pelo nariz. Quando o líquido bateu no pulmão, ele tossiu, e foi obrigado a engolir ainda mais água. A sensação de afogar-se era terrível, queimava-lhe o peito e a garganta. Debatia-se inutilmente, em franco desespero. Mas a atitude fora impensada e Irene esquecera-se de que Ira dos Sons sabia como resolver aquilo. Sentiram uma forte vibração no ar. A ressonância fazia o líquido do corpo de Irene tornar-se instável, e o esqueleto de Toni sacudir. Os dois observaram Ren, que, parcialmente recuperada do congelamento, emitia aquele som pela boca.

A Dragoa das Águas afastou-se de Toni num átimo, voltando à sua forma humana. A pele alva de seu corpo nu revelava vários hematomas, muitos não recentes. Haveria ela lutado antes?

Sem muita paciência aos olhares que recebia, Irene conjurou inúmeras, talvez centenas de setas de gelo, mirando-as nos dois antagonistas. Percebendo que seria mais fácil buscar abrigo, Toni acelerou para alcançar Ren, pegou-a pela mão e ambos saíram em disparada. As primeiras lanças acertaram o chão logo atrás deles, errando os pés por centímetros. Logo à frente, havia uma árvore morta caída em uma depressão no terreno, que foi onde eles se entocaram. Voltou a nevar enquanto eles se escondiam, que, junto ao intenso vento, fazia a árvore inteira balançar. Irene abaixou a temperatura, e Toni, que estava encharcado, começou a bater os dentes freneticamente. Os membros doíam com o frio, a respiração feria o peito. Encarando Ren, notou que não estava muito diferente dele. Abraçaram-se, para tentar reter o calor um do outro. O rapaz perguntava-se se um ondina podia controlar o seu elemento de forma tão extrema quanto Irene.

— Aquela desgraçada... Sabia desde o começo que não podíamos confiar nela! — Ren gritava mais alto que o terrível lamento do vendaval.

— Mas, Ren. Ela está estranha... Diferente. Você não notou?

— Notou o quê?

— Não sei, o olhar, eu acho. Está muito diferente do habitual. Você está sempre mais perto dela do que eu, não percebeu isso?

Ren piscou duas vezes.

— Não.

— Pois devia. Ela está com uns machucados antigos também, que não foram feitos por nós. Será que aconteceu alguma coisa? Quer dizer, ela se afastou de você enquanto eu dormia?

— Bem, sim, ela ficou uns dois dias fora.

— Deve ter acontecido alguma coisa com...

Cortando a conversa dos irmãos, Irene enfiou o braço congelado no espaço entre os dois e agarrou Toni pelos cabelos. Sem nenhuma delicadeza o arrastou para fora, cobriu-o de potentes socos e o atirou a alguns metros de distância. Quando se voltou para fazer o mesmo com Ren, recebeu uma rajada sônica no corpo todo, sendo obrigada a dar vários passos para trás. O tímpano que já fora ferido anteriormente pelo mesmo golpe, recomeçou a sangrar. Irene não aparentava estar nada contente. Ira dos Sons aproveitou o momento para se arrastar para fora do esconderijo, e ficou aguardando a reação da mulher mais velha.

Apesar do desagrado estampado no rosto, era como se aquela sensação não fosse estranha, e a mesma situação já tivesse ocorrido antes. A Dragoa das Águas não podia ter certeza, pois não conseguia pensar direito.

Toni esperava o mundo parar de girar diante de seus olhos. Os pontos onde havia sido atingido doíam com o frio, como se ele tivesse segurado gelo por um grande período de tempo. Achava que quando a pele descongelasse, sentiria a dor de forma redobrada. Quando focalizou a visão, enxergou Ren e Irene paradas uma à frente da outra, medindo-se.

— Fale com ela, Ren! Fale sem sons, como vocês costumam fazer!

Mesmo em meio ao furor, Ren achou graça. Elas não falavam sem sons, mas era a imagem que o irmão tinha. Hesitou um pouco ao tentar usar aquelas vibrações mágicas, e ficou sem graça por não saber exatamente o que falar. Mas fosse o que fosse dizer, era melhor se apressar antes que a outra decidisse voltar à carga.

— Irene... sua idiota, está me escutando?

A mulher apenas redobrou a atenção, um brilho mortífero passando por trás dos olhos. Toni tinha razão, ela estava mesmo diferente. Não podia se lembrar de um momento sequer onde Irene tivesse lhe dispensado um olhar daqueles, tão frio, sem emoção. Ela sempre fora toda sorrisos, ainda que maliciosos, e seus olhos expressavam uma alegria intensa, mesmo que brilhassem de ironia. Aquela à sua frente simplesmente não era ela. Ou não era ela em seu estado normal.

— Irene, que diabos aconteceu? Encontrou aquele tal de Elias? Ele machucou você? Diga o que houve!

Aquela ressonância entrava pelo ouvido são de Irene, e a deixava perturbada. A garota a lembrava de algo, estava bem ali na borda, mas por mais que tentasse, não podia alcançar. Tinha pensamentos fixos, praticamente conflitantes. Um que mandava lutar, e outro que demandava conversar, revelar. Mas revelar o quê? A gana de lutar era muito mais forte. A mente estava travada num girar constante, que não lhe permitia refletir sobre nada.

— Você está com uma marca grotesca na barriga, Irene! Não fomos nós que fizemos isso! Fala o que aconteceu!

"Porque foi onde Elias me chutou, sua besta." Um pensamento diferente surgiu, mas na mesma hora uma dor aguda começou a cutucar a testa. Ela percebeu que precisava fazer a menina se calar. Novamente se transformou em água pura e voou para cima de Ren, disposta a arrancar a língua dela. Não devia matar, mas nada fora dito sobre decepar partes do corpo.

Ren só viu o corpo da oponente se liquefazendo, e no instante seguinte, ela já estava a um palmo de distância, readquirindo forma sólida e com o braço esticado, como se quisesse agarrar-lhe o rosto.

Como que por encanto, Toni se interpôs entre as duas, e, com o braço recoberto por magia, segurou a mão errante de Irene. Imediatamente ela atirou o outro braço na direção do pescoço dele, mas ele já esperava aquilo. Os dedos de ambos se entrelaçaram com força, ela fazendo peso de um lado, ele segurando do outro. Os cotovelos dos dois começaram a se dobrar, e as faces foram se aproximando, os olhos firmemente se encarando.

— Que tal um beijo, Irene? Depois, eu mordo a sua língua. Não vale virar água enquanto eu estiver arrancando-a.

Ela quis rir do comentário, mas só havia espaço para a luta no que pensava. Era extenuante, cansativo, e ela queria se livrar logo do fardo. Aumentando a pressão nas mãos de Toni, ela reduziu a temperatura dos braços, um sorriso torto nos lábios.

O rapaz pôde sentir o frio através da armadura de magia, mas não se preocupou. Tentou forçá-la para trás, para longe de Ren, mas a mulher era uma rocha. Uma centelha de alarme o atingiu quando os dedos começaram a ficar dormentes. Seria possível isso? Irene estaria realmente congelando o seu braço envolto por magia? Estaria congelando a magia?

— Ren, nós não temos muito tempo! Fala com ela! Faz ela lembrar! Tem que funcionar, se ela ficar quieta por um minuto!

— Irene, escuta! Você tem que parar, tá ouvindo, Irene? IRENE!

Toni sentiu a pressão diminuir minimamente. Sim, ela parou para prestar atenção. Não era muito devoto a deuses, mas rezou para todos os que conhecia para que aquilo funcionasse.

Os olhos de Irene começaram a perder o foco. Ela estava pensando, se esforçando para pensar. A voz de Ren lhe confundia. Lembrava alguém. Uma pessoa distante, de um passado longínquo. A Dragoa se concentrou no som, na memória auditiva. Deixou-se levar.

— Irene! IRENE!

Irene... Irene...

___________________________________________________________________________

Ai, senhorzinhooooo!! Será que a Ren vai conseguir chamar Irene de volta à razão? Senão é capaz deles serem congelados vivos! O_O

E vocês, queridos leitores, o que estão achando? Não se esqueçam de deixar as suas opiniões, é sempre muito legal saber o que vcs estão pensando ;)
E deixem um voto também! Assim vocês ajudam a história a estar sempre numa boa posição no ranking!

Beijos apertados e abraços na testa! =P

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