(Finalmente voltando, me desculpem por esse hiato não programado. Espero que ainda amem a história)
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Lucien fechou a porta de seu antigo quarto e apoiou a cabeça na madeira com um suspiro pesado.
— Az? — sussurrou Lucien, se virando para o quarto escuro.
O illyriano surgiu das sombras próximas da lareira. Lucien franziu o cenho antes de envolver o quarto em uma barreira de ar que impediria que algum dos companheiros os surpreendesse no quarto ou os ouvisse conversando.
— Por que tão longe? — Lucien agitou a mão no ar para acender as luzes feéricas. As sombras continuavam circundando Azriel, que levantou a mão em um pedido silencioso para que não se aproximasse. — O quê?
— Eu te contei que precisei ir a Illyria antes de vir para cá, mas não te contei porque eu fui.
— E por isso você está se escondendo nas sombras? — Lucien perguntou com cautela, se sentando no braço do sofá embolorado.
Na noite em que chegou, Lucien encontrou o próprio quarto na mansão destruído pelas garras de Tamlin e tomado por mato, abandonado como a maior parte da mansão. Ele tornou o cômodo habitável fazendo toda a poeira e a vegetação desaparecerem, recolocou a porta e as janelas de madeira maciça nas dobradiças antes de sair e ir até a casa de Bron anunciar que tinha chegado, retornando para a mansão com um colchão emprestado.
Bron reafirmara o convite para que Lucien ficasse em sua casa enquanto estivesse na Corte Primaveril, mas o feérico queria garantir o mínimo de privacidade para quando Azriel chegasse. Como nunca pretendera ficar mais do que alguns dias, não se deu ao trabalho de salvar a mobília antiga ou conseguir móveis novos; só queria poder dormir em paz com o mínimo de conforto.
— Sim — Azriel jogou o peso de um pé para o outro, escolhendo as palavras com cuidado — Acho que primeiro devo te dizer que o Eris é o novo Grão-Senhor da Outonal. Sua mãe está bem e segura — o mestre-espião acrescentou assim que viu a preocupação no rosto de Lucien — mas apenas um de seus irmãos ficou ao lado de Eris depois que ele arrancou a cabeça do Beron. Um deles foi morto, e o outro está tentando conseguir apoio para lutar pelo trono. Alguns conflitos estavam acontecendo quando eu saí de lá.
Lucien cruzou os braços e mergulhou em um silêncio pesado, encarando os cantos do quarto. Pensou nos irmãos que participaram da morte de Jesminda e que o perseguiram enquanto fugia em direção a Corte Primaveril, pensou no controle doentio que Beron manteve, por séculos, sobre os filhos e a esposa, finalmente desaparecendo. Os irmãos teriam sido machos melhores se Beron tivesse morrido séculos antes? Provavelmente não, já que nem mesmo Eris achou seguro contar a eles a verdade sobre a paternidade de Lucien.
— Você está bem? — Az se aproximou e levantou o rosto de Lucien.
— O que importa é que minha mãe está segura. — Lucien comentou após alguns instantes. O toque de Azriel em seu rosto o ajudava a clarear a mente, e ele segurou a mão do illyriano — Não acredito que exista nenhum risco para ela agora que Beron se foi. Quanto a ele e meus irmãos… — ele expirou com força, desviando os olhos dos de Azriel por um instante — Sei que é horrível dizer isso, mas não me incomodaria se apenas Eris ficasse vivo e…
Lucien se calou ao tomar fôlego para continuar falando. Azriel se moveu como se fosse se afastar novamente, mas o ruivo manteve a mão do mestre espião firme na sua.
— Por que o seu cheiro está estranho? — Lucien perguntou — E por que ainda está se escondendo com as sombras?
— Você não precisa se preocupar com isso essa noite, sei que tem trabalhado muito. Por que não descansamos?
— Com as sombras escondendo você de mim?
— Luci, por favor — pediu Az, praguejando mentalmente. Devia ter enchido o quarto inteiro de sombras, mas a preocupação com Lucien desviou sua atenção. — Mesmo que você esteja aliviado por sua mãe e Eris estarem bem, talvez precise de um tempo para…
— Você vai me contar o que aconteceu ou eu vou precisar fazer as sombras desaparecerem? — Lucien interrompeu Azriel. As palavras saíram com mais rispidez do que pretendia, e duas gavinhas de sombras se agitaram no ar com indignação.
— Eu…
Um flash de luz brilhou e as sombras de Azriel desapareceram completamente. Lucien inspirou o ar entredentes, o olho dourado rangendo enquanto se colocava em pé em um pulo. Podia ver as enormes cicatrizes que se espalhavam pelas asas de Azriel. Uma delas era tão profunda que Lucien conseguia ver que o couro quase fora rompido perto das articulações ósseas. O cabelo ruivo brilhou como lava quando Lucien agitou a mão para acender mais luzes feéricas no quarto e segurou os ombros de Azriel, ainda esquadrinhando as asas do illyriano com o olho mecânico.
— Quem fez isso com você? — Lucien grunhiu — Foi um dos lordes do Beron? Como você conseguiu chegar na Corte Noturna?
— Isso aconteceu na Corte Noturna — Az respondeu, pesaroso.
— O quê? — Lucien arregalou os olhos.
Azriel contou como foi diretamente se reportar a Rhys quando conseguiu sair da Corte Outonal, e a confusão que destruiu a biblioteca da Casa do Vento. O cabelo de Lucien continuava brilhando como ferro em brasa, e ele mal respirava enquanto Azriel narrava a lenta recuperação em Illyria. Ele nem mesmo conseguiu falar depois que o mestre espião terminou.
— Por favor, diga alguma coisa. — Azriel pediu, segurando o rosto de Lucien para que ele o olhasse nos olhos e parasse de avaliar as novas cicatrizes.
— Você não vai voltar pra Corte Noturna.
— Não vou — Azriel concordou, sem saber se Lucien estava fazendo uma pergunta ou apenas afirmando.
— E eu vou espancar o seu irmão por isso.
— Não, não vai.
— Como se não bastasse ter escondido de mim que o Hélion é meu pai, fazer da minha cunhada uma isca em uma emboscada, o Rhysand ainda achou que estava certo em relação a Elain e se achou no direito de atacar você?
— Fui eu quem começou a briga.
— Não importa.
— Importa sim. Você não vai começar uma guerra entre a Corte Diurna e a Corte Noturna por minha causa.
Lucien se empertigou, olhando incrédulo para Azriel.
— O Grão-Senhor da Corte Noturna não pode atacar o futuro Senhor da Corte Diurna sem consequências.
— Ele não sabia disso quando começamos a brigar. — Apesar do rumo tenso que a conversa estava tomando, Azriel precisou conter um sorriso por Lucien reafirmar seu lugar na vida dele.
— E agora ele sabe?
— Sabe. Assim como todo o Círculo Íntimo. Cassian e Amren ficaram do nosso lado desde o início dessa confusão. Os outros…
— Os outros não se importam o suficiente com os seus sentimentos e nem com os meus, e não é seguro ficarmos perto deles. Sabe disso, não é?
— Sei. Por isso eu havia decidido que não moraria mais em Velaris, mesmo se você não me quisesse mais. Caso fosse necessário, me mudaria para a Cidade Escavada ou…
Lucien o interrompeu com um abraço apertado.
— Não tem a menor chance de isso acontecer. — Lucien murmurou no pescoço de Azriel.
— Eu sei. Agora eu sei. — Az se afastou um pouco, segurando o rosto de Lucien sem sair do abraço. O illyriano suspirou aliviado ao sentir os lábios de Lucien nos seus.
— Espere — Lucien interrompeu o beijo. — Como você voou até aqui? Cassian veio com você?
— Ele queria, mas achei melhor vir sozinho — Az respondeu. — Cassian me ajudou a testar as asas em Illyria, mas eu ainda precisaria de uma semana para que elas ficassem fortes o suficiente para voar da Corte Noturna até aqui. Eu precisei alternar entre planar quando o vento estava a favor e atravessar pelas sombras quando os ventos mudavam. Demorei mais do que tinha planejado.
Az deu de ombros como se não fosse nada demais que o Grão-senhor que ele tratou como irmão por séculos o tivesse incapacitado de voar, mesmo que temporariamente. Lucien respirou fundo. Para conter o jorro de insultos a respeito de Rhysand que queria explodir de dentro dele, o feérico simplesmente pediu:
— Sente na cama para que eu possa verificar essas asas enquanto conversamos.
Sob a luz forte, Lucien pôde ver que algumas das cicatrizes pareciam inflamadas e inchadas. Ele se ajoelhou na frente do illyriano e imediatamente começou a usar a magia, que estava controlando melhor do que na Corte Crepuscular, para acelerar o processo de cura.
— Você não deveria ter forçado suas asas — Lucien comentou com pesar.
— Eu não queria ficar mais tempo longe de você, pensando se finalmente o destino tinha tirado você de mim… — Az confessou.
— Não faremos mais nenhuma dessas duas coisas, certo? — Lucien levantou os olhos para Azriel por um momento e voltou a trabalhar nas cicatrizes. — E sei que posso estar sendo autoritário, mas não quero que você volte à Corte Noturna. Eu irei daqui para a Corte Diurna e você irá comigo; contei a Helion sobre nós.
— Ele já sabia sobre nós.
— Sobre nós nos casarmos.
— Ah — Az sentiu o rosto esquentar — E como ele reagiu?
— Perguntou se pode começar a planejar a festa com os lordes da Corte, e se pode convidar Thesan, Kallias, Tarquin e Rhysand. Obviamente as únicas pessoas da Corte Noturna que terão permissão de ir serão Cassian e Amren. Não, pensando bem, a Amren ainda me dá arrepios. Só o Cassian, então…
Az esperou que Lucien começasse a rir por um minuto inteiro. Ele não riu, então o illyriano se deu ao direito de entrar em pânico.
— Diga que você está brincando — Az murmurou.
— Não, e não tive tempo de responder a mensagem dele, com tudo que estamos fazendo aqui.
— Escreva a carta que eu envio um espectro essa noite!
— Achei que estava óbvio que um casamento envolvia uma cerimônia. — Lucien, com um sorriso travesso, levantou o rosto para Azriel.
— Sim, mas porque chamar os Grão-senhores?
— Porque ele quer realizar a cerimônia assim que puder me declarar como filho e herdeiro, o que não deve demorar muito agora que Beron está fora do jogo.
— Mas… — Az empalideceu um pouco com a possibilidade de declarar seu amor a Lucien na frente de metade de Prythian — Não podemos fazer a cerimônia no templo só com Hélion e sua mãe, e deixar que os outros descubram nas reuniões que formos?
— Você esqueceu do Eris, da Koré e do Cassian.
— É o pânico…
— Você não pode estar apavorado com isso depois de ter lutado em tantas guerras!
— Claro que posso! São coisas diferentes, são…
— Nas guerras você poderia perder alguém que amava; a cerimônia será para mostrar a todos que eu o amo e o quero a meu lado, e que meu pai e nosso Grão-senhor nos apóia.
A doçura nas palavras de Lucien conseguiu abrir uma brecha no desespero de Azriel.
— Quando você coloca as coisas desse jeito…
Lucien se esticou para dar um beijo leve em Azriel.
— Isso é o máximo que consigo fazer por suas asas hoje, amor. Ou estarei cansado demais amanhã para terminar de organizar o festival.
— Tudo bem — Az tirou os sapatos e se arrastou para o fundo da cama, deitando de lado para apoiar as asas no colchão e abrindo os braços para Lucien.
O ruivo se aconchegou a Azriel, que baixou uma asa sobre eles como se ter Lucien em seus braços não fosse o suficiente. Depois de alguns minutos e com os dois quase caindo no sono, Az murmurou:
— Senti falta disso.
— Não vai acontecer novamente.
— Não — Az concordou e deu um beijo na testa de Lucien. — Nunca longe, sempre com você.
Lucien sorriu no pescoço de Azriel se lembrando que ele lhe dissera essas palavras algumas horas antes na floresta.
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— Lucien!! — Bron chamou enquanto esmurrava a porta do quarto — Acorde! Precisamos falar com você com urgência! E você tem uma visita!
O sol mal tinha surgido no horizonte, Lucien ainda estava grogue de sono, mas Azriel já estava com a reveladora da verdade na mão avançando lentamente para a porta.
— Az, o que você está fazendo? — Lucien murmurou o mais baixo que conseguiu.
— Pode ser uma armadilha.
— Não é, guarde isso! — Lucien sussurrou a resposta antes de se virar para a porta — Me espere na biblioteca, Bron! Descerei em um minuto.
— Seja rápido, pela Mãe! — Bron pediu — Como se não bastasse Tamlin estar lá com um péssimo humor, aquela fêmea deixa a todos nós desconfortáveis!