O Delator de Copas - Jikook

By Posionevil01

1.5M 232K 317K

⊰LIVRO FÍSICO PELA EDITORA YELLOW (link na bio) ⊱ [CONCLUÍDA] Park Jimin é o único médico da família, na verd... More

𝐂𝐎𝐍𝐒𝐈𝐃𝐄𝐑𝐀𝐂𝐎𝐄𝐒
𝐀𝐧𝐭𝐞𝐜𝐞𝐝𝐞𝐧𝐭𝐞𝐬 𝐂𝐫𝐢𝐦𝐢𝐧𝐚𝐢𝐬
Prólogo
Capítulo Um
Capítulo Dois
Capítulo Três
Capítulo Quatro
Capítulo Cinco
Capítulo Seis
Capítulo Sete
Capítulo Oito
Capítulo Nove
Capítulo Dez
Capítulo Onze
Capítulo Doze
Capítulo Treze
Capítulo Quatorze
Capítulo Quinze
Capítulo Dezesseis
Capítulo Dezessete
Capítulo Dezoito
Capítulo Dezenove
Capítulo Vinte
Prefácio
Capítulo Um - II
Capítulo Dois - II
Capítulo Três - II
Capítulo Quatro - II
Capítulo Cinco - II
Capítulo Seis - II
Capítulo Sete - II
Capítulo Oito - II
Capítulo Nove - II
Capítulo Onze - II
Capítulo Doze - II
Capítulo Treze - II
Capítulo Quatorze - II
Capítulo Quinze - II
Capítulo Dezesseis - II
Capítulo Dezessete - II
Capítulo Dezoito - II
Capítulo Dezenove - II
Capítulo Vinte - II pt. I
Capítulo Vinte - II pt. II
Prefácio
Capítulo Um - III
Capítulo Dois - III
Capítulo Três - III
Capítulo Quatro - III
Capítulo Cinco - III
Agradecimentos
Epílogo
Bônus
Versão Física
Bônus - Jungkook e Yoongi

Capítulo Dez - II

37.4K 3.7K 10.5K
By Posionevil01

Deixe seu voto, por favor e comente suas reações!!

#NaoConfieNasCartas

#FantasmaPark 


Capítulo Dez

──────⊱◈◈◈⊰──────


"Empresário estrangeiro é apoiado por grandes nomes Sul Coreanos"

"Renomada Juíza Kim comparece à evento beneficente e parece ter planos futuros ao lado do Empresário Espanhol Santiago Hernández, Diretor do Hospital Universitário Ajou, Kim Namjoon e nosso ilustre Presidente, Park Chanyeol"

"Santiago Hernández aparece ao lado de seu filho biológico Jeon Jungkook e emociona civis com sua história"

"Todos querem saber: O que Santiago Hernández pretende fazer agora que propôs um grande projeto em nosso país? Muitos sugerem que o empresário queira um cargo na Câmara Federal"

"Santiago Hernández, O Homem Bom, reencontra filho biológico e como gratidão investe em causas humanitárias"

[...]


"Somos livres para fazer nossas escolhas, mas prisioneiros das consequências delas".

Jimin tinha lido isso uma vez quando ainda era um universitário, então passou horas pensando sobre aquilo ao longo da madrugada. Foi coisas como aquela que fizeram ele depositar um pouco mais de interesse sobre a mente humana. Naquele momento, ele sabia que tinha feito uma escolha, mas a cada minuto sentia o peso da consequência. Jungkook não era uma consequência que merecia seu arrependimento, na verdade, ele precisou confessar que nunca sentiu tanto medo de sua liberdade como naquele instante, deitado de frente para Jungkook, enquanto sutilmente brincava com os fios escuros que insistiam em cobrir parte do rosto do homem que o fazia temer suas próprias ações.

Com a cabeça sobre o próprio braço e olhar consolável, Jungkook não era o mesmo, mas ainda era o Jungkook.

Jungkook estava passando por uma nevasca letal, seria egoísmo seu esperar que este se mantivesse o mesmo durante todo o processo. Pessoas mudam, mudanças acontecem, Jungkook só estava tempo demais achando estar sozinho no meio daquele inverno. Ele não queria deixar Jungkook sozinho, não mesmo e não iria, mas dar continuidade àquele tipo de contato só deixaria tudo mais difícil para ambos, mesmo que ele não pudesse deixar de sentir-se tão apaixonado. Jungkook nunca se libertaria por viver preso aos próprios sentimentos e ele não poderia ajudar se deixasse que suas emoções assumissem controle naquela guerra.

Mas ainda assim, somente naquela pequena parte de noite fria, ele queria fingir que não sabia a verdade, queria fingir não ser sensato, não ser responsável e desejar aquilo o fez perceber que ele não podia suportar viver o que estava vivendo em calmaria ao lado de Minho, mas estava suportando toda aquela bagunça por Jungkook.

Ele conheceu Minho e só depois de anos finalmente declararam seus sentimentos, mas Jungkook... Não tinha cinco meses que conhecia aquele homem deitado em sua cama, mas ainda assim estava sendo persistente, ainda assim, declarou seus sentimentos. É verdade... Ele também não tinha mais vinte e dois anos.

Sorriu pequeno, quase imperceptível, mas sua sutileza não escapou da atenção de Jungkook que declinou o olhar de seus olhos aos seus lábios. Viu Jungkook aproximar a destra, mas parar na metade do caminho, desprendendo de um suspiro suave.

— Não tenho medo delas — confessou num murmúrio. Ele não tinha medo ou nojo daquelas mãos, nunca teve, nem mesmo quando as viu e sentiu pela primeira vez, por isso tomou liberdade para segurar os dedos alheios e levá-los até a própria face.

Era áspero, mas quente. Era leve. Era como pequenas montanhas sobre um relevo, como cordilheiras. Jungkook tinha cordilheiras nas palmas das mãos. Quando sentiu os dedos defeituosos no toque suave de Jungkook sobre a sua pele, foi como se ele nunca tivesse sido tocado antes. Foi como se todo esse tempo ele tivesse esperado por aquele toque. Aquele toque único. Ele tinha certeza que nenhuma outra pessoa o tocaria de modo tão intenso e não era por causa das cicatrizes, era simplesmente porque aquele era Jungkook.

Um simples toque. Era apenas um toque, mas Jimin não conseguiu sustentar sua visão e baixou os cílios até que não pudesse ver nada além do rosto de Jungkook em sua mente. Era um tolo, Jungkook estava bem em sua frente e ainda assim, não conseguiu manter seus olhos abertos quando imaginou a face daquele homem. Os dedos alheios escorreram por sua bochecha, contornaram seus olhos e nariz antes de escorrer pelo vale sob suas narinas. Jungkook arrastou a pontinha do indicador naquela região antes de finalmente tocar seu superior. Era como se estivesse mapeando e memorizando cada traço de seu rosto com as pontas dos dedos.

Jimin sentiu-se uma obra de arte.

— Você é quente — Jungkook sussurrou numa confissão tímida. — Como crisálida.

Abriu os olhos, ouvir aquilo o fez sorrir, porque Jungkook uma vez disse que nunca tinha sentido a sensação tranquila e confortável de estar dentro de casa em uma tempestade. Não precisou fazer qualquer esforço para achar a escuridão brilhante dos olhos do moreno. Jungkook era um oximoro, na verdade, um paradoxo. Era na escuridão que este mais brilhava, longe de testemunhas e perigos. Ele queria mesmo continuar vendo aquilo por toda uma vida, mas ainda não era o momento certo.

— Não quero ficar longe de você, Jimin — apertou o cenho, como se dizer aquilo o causasse alguma dor. — Mas agora acho que não posso deixar você me entender, não sei se quero descobrir que não sou somente crateras, porque se eu tomar noção disso, vai doer ainda mais.

Apesar de não entender completamente, ele entendia as reações e decisões de Jungkook naquele estado.

— Santiago machuca você? — Ousou perguntar. Jungkook ficou estático por alguns segundos e então tirou a mão de seu rosto.

— Nada do que ele faça, eu não terei merecido.

— Merecido? — Ficou confuso por alguns segundos, mas não quis que Jungkook pensasse que estava sendo analisado por ele. Então, arrastou a língua entre os lábios e meneou a cabeça concisamente. — Bom, eu não posso entender isso, mas também não posso ficar com você como desejamos. Não enquanto você ainda for parte dessa bagunça e eu estiver tão desequilibrado.

— Eu não posso sair, Jimin — contorceu a face em consternação mais uma vez. — Se pudesse fazer qualquer coisa para seu pai não deixá-lo, você não faria?

Sua mente entrou em conflito, então lembrou-se da história contada por Santiago sobre ter deixado Jungkook para adoção. Aquelas falas não eram saudáveis, era como se Jungkook estivesse sofrendo com uma falha cognitiva.

— Qualquer relação precisa ser saudável e equilibrada. Santiago faria o mesmo por você? Por que tem tanto medo de ser deixado?

Jungkook afastou-se quase que insignificantemente, mas claramente evasivo.

— Não estou analisando você... Eu só quero saber, Jungkook.

Ele esperou por um momento, Jungkook desviou o olhar para a sacada aberta atrás deles e então trouxe o olhar de volta.

— Porque eu o amo. Ele é meu pai, só quer meu bem.

Aquilo estava errado em vários níveis. Tomou um pouco de ar e suavizou a expressão, voltando a brincar com os cabelos do mais velho.

— Jungkook, muitas vezes os pais projetam seus próprios desejos nos filhos e acham que é para o bem deles. Você tem trinta e dois anos, o que é realmente bom para você?

— Sammy — respondeu sem qualquer hesitação, os lábios curvando-se em um pequeno sorriso. — Ele é a melhor parte de mim , não é um troféu, claro, mas eu facilmente estou disposto a me gabar pelo amor dele. Ele é meu herói.

Escutar aquilo o fez sorrir também, não podia negar que apesar da distância, havia uma conexão enorme entre pai e filho.

— E tem meu pai Seokjin, minha mãe, mesmo que não esteja mais aqui. Há você e a equipe Alfa também — Jungkook retomou.

— Você disse que ama Santiago, mas não o mencionou no que é bom para você. Você tem medo dele?

— Eu não quero mesmo falar disso — virou o corpo de barriga para cima e descansou as mãos sobre o estômago. Jimin permaneceu olhando, até seu celular vibrar em seu bolso.

Era Taehyung.

Preciso ir até você?

Ele encarou o rosto de Jungkook e então se deu conta de que este tinha subido mesmo com Taehyung no hall.

— Você o viu? — Perguntou, recebendo a atenção de Jungkook.

Como não? Ele parecia prestes a ter um colapso, por isso não deve ter me visto.

— E se ele estivesse planejando me machucar? — Ele sabia que era uma possibilidade ridícula.

Jungkook não faria isso.

— E por que acredita tanto nisso?

Houve uma pequena pausa antes de Taehyung responder:

Pelo mesmo motivo que você usa para estar com ele até agora aí.

Apertou os lábios numa linha e se sentiu um adolescente. Foi vergonhoso, mas inegável.

— Dê-me mais vinte minutos.

Eu vou esperar você, Ji.

Quando desligou a chamada, o olhar de Jungkook perguntava muita coisa.

— Temos vinte minutos.

— Era o Taehyung?

— Sim, ele viu você subir.

— Eu vi ele também.

— Viu?

Jungkook assentiu lentamente antes de ficar em silêncio. O olhar parecia perdido, Jimin notou.

— Santiago sabe que Taehyung sabe sobre o que você viu durante o sequestro.

Saber aquilo o incomodou, uma gota de sarcasmo invadiu sua boca contra a sua vontade.

— Uau — arrastou-se. — Ele consegue saber de tudo. Você é um ótimo informante, não deveria ficar surpreso por ter visto o Taehyung antes.

Assim que fechou a boca arrependeu-se de seu tom, mas aparentemente Jungkook não se afetou quando continuou:

— Não fui eu. Ele possui outro informante — aquele era um assunto que somente Jungkook podia entender. — Ele mandou-me silenciar você e

— E você veio me beijar. Ótimo jeito de calar minha boca — tentou humorizar. Falhou miseravelmente. Talvez fosse melhor ficar quieto, mas não pôde controlar a frustração que sentia sobre Santiago.

— Não foi por isso que vim, você bem sabe — Jungkook estava sério, completamente diferente de minutos atrás quando descobriu o calor alheio. Estava carregando um peso enorme no peito, Jimin não tinha dúvidas sobre. — Ele matou Genevieve, Jimin, ela não nos entregou como havia dito que faria e pagou por isso com a própria vida.

Ouvir aquilo rapidamente fez um nó cobrir sua garganta, suas narinas dilataram e seus olhos arderam. Não conhecia Genevieve, mas sempre seria grato pelo que tinha feito por eles. Sentiu ainda mais raiva.

— Eu sinto muito — saiu num fio de voz.

— Eu estou tão confuso agora e o tempo todo, Jimin — Jungkook desabafou baixinho, como se aquelas palavras viessem do fundo de sua alma. — É quase como se eu não pertencesse à minha própria vida. Sinto que estou correndo em círculos, nunca encontro resposta alguma e acho que não há resposta. Essa coisa me apavora, essa falta de respostas me sufoca, me faz querer fazer tudo e não mover um único músculo, porque eu sei que no fim, de nada vai adiantar.

Ouvir Jungkook desabafar não era a coisa mais fácil, um dia ele achou que Jungkook fosse um homem teimoso e inflexível e a verdade é que ele não tinha visto nada sob os panos. Ele viu unicamente o que Jungkook o mostrou e ainda era assim, a diferença é que naquele instante, Jungkook mostrou suas inseguranças e fraquezas de modo voluntário e provavelmente desesperado. Porém ele percebeu algo que somente um profissional da mente poderia entender ao ouvir aquela confissão. Engoliu a seco e virou-se de barriga para cima, ficando na mesma posição alheia. Precisava dizer as palavras certas sobre o que tinha percebido em Jungkook.

— Não é com a conclusão que aprendemos algo, Jungkook, é com a reflexão, as vezes em que erramos e precisamos usar a borracha. É o percurso — começou fleumático e cuidadoso. Jungkook parecia estar sofrendo com um Desamparo Aprendido. — O percurso que nos ensina, ele acrescenta o autoconhecimento. Temos conclusões de muitos homens, mas não o processo até elas. Isso é algo único de cada pessoa, então não tenha muita pressa, mas não faça coisas no meio desse processo nas quais o farão se arrepender.

Ele ouviu Jungkook soprar um riso antes de sentir o olhar deste queimando em sua pele.

— Você faz tudo parecer tão fácil, Jimin, com você tudo parece ter uma resposta, uma saída, tudo parece tão calmo e profundo... É como eudaimonia.

Foi sua vez de encontrar as orbes escuras e intensas. Sorriu mais uma vez, não conseguindo esconder aquela sensação gostosa em seu interior, sensação de estar derretendo-se.

— Eudaimonia?

— É como se chama a sensação de ser tomado por um sentimento bom sem explicação, como se o universo estivesse te dando um abraço de esperança — explicou com propriedade em cada palavra.

— Você tem procurado por palavras novas? — Arqueou as sobrancelhas.

— Um pouco só — sorriu cúmplice e continuou depois de um tempo: — Você me faz querer ser um homem melhor — a expressão suave transformou-se em algo doloroso, as sobrancelhas unidas, os olhos confusos e nublados. — Não sei se isso é exatamente bom.

Demorou um tempo para que ele pudesse falar:

— Quando descobrir e quando tudo isso passar — disse baixinho —, se ainda achar que precisa de meus braços, venha até mim mais uma vez, eles ainda estarão erguidos para você, Jungkook.

Jungkook umedeceu os lábios, logo depois formando um sorriso largo, mostrando os dentes branquinhos e as bochechas levemente salientes.

— Você é um absurdo, Park!

Totalmente indômito, seus lábios curvaram-se positivamente logo em seguida.

— E, absurdamente lindo também.

Jimin elevou a coluna, sentando-se na cama antes de se arrastar até a beirada.

— Você nunca percebeu como homens podem ser muito bonitos?

— Tsc. Nunca reparei em outro homem além de você.

Ele foi até a pequena mala que estava aberta sobre a poltrona e a fechou sem muita dificuldade. Não tinha pegado muita coisa, apenas o bastante para mais uma semana. Então suspirou, virando-se para o outro homem já de pé e próximo a ele. A proximidade ligeira o deixou um pouco apalermado, ele não sabia que Jungkook estava tão perto.

— Não me sinto estranho falando isso para você, mas sei que soaria estranho para qualquer outra pessoa — apesar de soar galanteador, Jungkook estava sendo completamente genuíno sobre seus sentimentos. — Acho que sou gay, Jimin.

— Não sentiu nada com Jisoo? — Suas mãos estavam escondidas atrás de seu corpo, os dedos tocando a mala.

— Apenas atração física e carinho, nada romântico.

— Acho que há coisas demais para você organizar antes de sua sexualidade, mas de qualquer forma eu vou te ouvir.

— Você sempre ouve...

Ele assentiu, inflando as bochechas e então foi até a sacada. Fechou as portas, pegou a mala e quando parou ao lado do quadro que Hoseok o tinha dado, encarou o presente por alguns instantes, Jungkook parou bem ao seu lado.

— É uma péssima foto — o mais alto comentou e Jimin não se sentiu nem um pouco ofendido pelo simples fato de perceber como Jungkook estava mais leve naquele ponto da noite.

Aliás, ele sabia que aquele era o jeitinho de Jungkook. Jungkook era seu monstrinho e ele tinha certeza que queria mantê-lo em seus braços.

— É, mas eu adoro. Hoseok quem tirou e emoldurou para mim.

— Jung Hoseok.

— Sim, o médico que atendeu Sam, ele é meu amigo e... Bom... — coçou a nuca. — Você provavelmente já sabe disso também. — É claro que Jungkook sabia, Jungkook era o Delator de Copas.

— Você já me falou sobre ele.

Jimin encarou o rosto alheio e pendeu a cabeça para o lado.

— Sempre fico impressionado com sua capacidade de memorização. Quando diz coisas assim, me faz realmente acreditar que você escuta meus conselhos.

— Eu escuto você, Jimin — a confissão veio imediatamente. — Sempre escutei. Desde o começo.

Talvez, somente talvez, ouvir aquilo tenha o deixado com arrepios de felicidade. As confissões de Jungkook tinham algum efeito significativo nele, as frases pontuadas com sorrisos quase imperceptíveis e palavras acentuadas com olhares profundos, tudo aquilo serviam de fagulha em seu coração, queimando tudo sem qualquer contenção, fazendo dele um completo tolo de paixão.

— Posso te pedir uma coisa?

Jimin se sentiu hesitante, mas seu corpo o fez assentir rapidamente.

— Se alguma coisa acontecer comigo, você poderia cuidar do Sammy e do Seokjin por mim?

— Jungkook, por que vo

— Vou fazer de tudo para nada acontecer, mas se acontecer, meu pai vai ficar abalado e meu filho... Não imagino alguém no mundo que possa cuidar e lidar com ele da maneira certa além de você. Então, poderia me fazer isso?

Era responsabilidade demais, ele era apenas um médico, mas Jungkook confiava nele e jamais negaria ajuda. Mesmo que ele não pudesse fazer muito iria tentar.

— Vou cuidar deles, eu prometo.

Quando deixaram o quarto e chegaram na sala, ele esperou Jungkook pegar as luvas pretas que outrora foram arremessadas no assoalho antes de deixarem o apartamento.

— Vizinho! — A voz conhecida o saudou assim que ele trancou a porta.

Era seu vizinho tatuado que por sinal, ele ainda não sabia o nome.

— Boa noite, vizinho — cumprimentou.

— Você sumiu, algo chegou para você, mas como não o vi nos últimos dias, eu guardei para que outra pessoa não o pegasse.

Ouvir aquilo fez seu coração pulsar um pouco mais rápido, ele deu um passo para trás de modo evasivo, mas suas costas bateram contra o peito alheio. Jungkook o rodeou pela cintura e o manteve próximo ao próprio peito, impedindo que ele vacilasse mais uma vez. Não estava esperando por aquilo, não tinha se preparado, seu rosto pegou fogo, mas não conseguiu desviar os olhos do rosto de seu vizinho. Talvez estivesse esperando por uma reação negativa, mas o homem continuou sorrindo.

— Eu vou pegar, só um instante.

Assentiu e viu o homem entrar no próprio apartamento. Não disse nada, Jungkook também não o soltou, porém enquanto o segurava, deixava um carinho tímido sobre a região onde tocava em sua cintura. Aquilo o fez se derreter por dentro e quando sentiu a respiração alheia em seu pescoço, arrepiou-se por completo, tombando a cabeça para o lado sem controle algum de suas ações. Jungkook iria beijá-lo ali?

— Aqui — o vizinho disse quando voltou até eles, entregando uma caixa mediana, bem embrulhada, com um laço vermelho.

A respiração em seu pescoço sumiu rapidamente.

Cravou o olhar na caixa por alguns instantes, seu corpo estava completamente ponderoso sobre aceitar ou não, mas ainda assim a pegou. Com um sorriso trêmulo, agradeceu ao vizinho e então voltou a andar, mas somente quando entrou no elevador teve a cintura solta. Sentiu falta do calor, mas nada disse, Jungkook provavelmente não diria também.

Engoliu a seco, era a máfia novamente.

Estava temeroso sobre o que tinha dentro da caixa, mas minutos antes tinha beijado um mafioso. A virtude podia ser bastante seletiva. Tinha medo da caixa porque não sabia o que tinha dentro, mas sobre Jungkook... Jungkook também era parte de uma organização criminosa e em momento algum naquela noite sentiu qualquer medo de estar com este.

Ele não entendia Jungkook ou não queria entender porque vivia sob a concepção do que era certo? Não. Balançou a cabeça. Independente de como as perspectivas pudessem ser, relações não saudáveis jamais poderiam ser aceitas.

— O que é isso?

Levantou a olhar e deparou-se com Jungkook.

— Você não sabe? — Não era preciso uma resposta, Jungkook parecia bem confuso. — Provavelmente é uma das caixas do Santiago. É a segunda vez que recebo.

— Então, é assim que elas se parecem... — O mais alto murmurou. — Por que não me disse antes que havia recebido algo assim?

— Bom — as portas se abriram. — Na época, eu não sabia sobre sua conduta de vida — falou andando.

— Mas eu fazia sua proteção.

— Unicamente pela ordem de meu irmão, não é?

Seu braço foi segurado, ele parou de andar e voltou sua atenção para Jungkook.

— Não seja tão cético comigo — pediu, quebrado. — Eu realmente quis protegê-lo e agora quero mais que nunca.

Jungkook era mau humorado e carrancudo no começo, ele sempre teve a sensação de que o moreno odiasse fazer sua guarda, mas diante àquelas palavras e àquele olhar, ele não conseguiu não acreditar.

— Tudo bem...

Abaixou a visão até seu braço, Jungkook deslizou a mão enluvada até seus dedos antes de soltá-lo.

Quando chegou no hall propriamente dito, viu seu irmão ficar de pé e esconder as mãos dentro dos bolsos quando virou-se em sua direção, porém o olhar do mais velho não estava o sondando, na verdade estava direcionado a alguém além dele. Parados, ele ficou entre os dois homens que se encaravam em silêncio.

— Hm — Jungkook limpou a garganta, quebrando o mutismo. — Inspetor Kim...

— Presumi que você tinha assuntos a tratar com meu irmão — Taehyung disse calmo, e então ninguém disse mais nada. Taehyung sentiu-se no dever de continuar:— Então, tomar chá com meu irmão, tudo bem, mas comigo... — fez uma pausa dramática. — Nada.

— Bom, a verdade é que eu não estava tomando nenhum chá com o seu irmão — apesar de ter dado de ombros, a genuinidade naquelas palavras era óbvia para os irmãos presentes.

— O que vocês estavam fazendo então?

— Hyung — Jimin interrompeu, tocando o peito do mais velho. Era hora de parar, por mais que não houvesse maldade ali. — Eu recebi isso — mostrou a caixa, a feição de seu irmão rapidamente nublou.

Ele viu Taehyung encarar a caixa e em seguida encarar Jungkook.

— Eu sei que você sabe sobre mim — o detetive começou baixo. — Mas eu não faço tudo, na verdade, eu não sei a maioria das coisas.

— Não cogitei que tivesse sido você, Jungkook — o inspetor respondeu. — E sim, eu sei sobre o que você é e faz.

— Então, por que não me prende agora?

— Jungkook! Vocês não precisam falar sobre isso ag

— Sabe que não posso te prender agora, Jungkook.

— Mas você vai fazer isso, não vai?

Jimin viu Taehyung encarar as portas de vidro antes de puxar fôlego, estava tomando tempo antes de trazer o olhar de volta para Jungkook e concluir:

— Sim, eu vou, Jungkook.

Soltou o peso do corpo contra o sofá ao lado e suspirou. Seu irmão e Jungkook não precisavam falar sobre aquilo naquele momento, não na perspectiva dele.

— Ótimo.

A resposta de Jungkook o fez abrir os olhos para vigiá-lo.

— Eu vou indo — Jungkook anunciou. — Obrigado por hoje, Jimin.

Jimin quase sentiu-se constrangido por aquele tipo de agradecimento. Jungkook deixou o prédio depois daquilo, então ele sentiu o olhar de Taehyung sobre ele como uma espécie de gato encarando sua presa, pronto para atacar. Ele ficou de pé, segurou a própria mala e segurou a caixa contra o estômago.

— Vamos também, estou ficando cansado.

Taehyung o seguiu até o carro, sempre tomando muito cuidado com os arredores, então quando estavam à caminho de casa, ele revirou os olhos quando percebeu o olhar indiscreto de seu irmão pelo retrovisor a cada cinco minutos.

— O que foi?

— Ele entra em seu apartamento parecendo estar prestes a explodir e sai de lá quase uma hora depois como se tivesse beijado as nuvens.

— Nós conversamos — deu de ombros, não era uma inverdade ao certo.

— Conversa longa...

— Sou um adulto.

— Mas ainda é meu irmão caçula.

— Que direito você tem de querer saber o que fizemos quando você o deixou entrar?

— Isso, joga a culpa em mim por ter beijado um mafioso.

— Taehyung!

Estava vermelho, mas não de vergonha, estava irritado na verdade, então sua irritação deu espaço para confusão quando Taehyung começou a rir. Seu irmão riu baixinho, quase discreto antes das luzes externas iluminarem os caminhos sobre as bochechas deixados pelas lágrimas.

— Tae hyung...

— Me sinto péssimo por muita coisa e uma delas é por não ter percebido antes. Se eu tivesse tirado Jungkook disso antes, talvez você não se culpasse por gostar tanto dele, talvez eu não me culpasse por sentir que deixo muita coisa passar apenas porque amo ele e minha equipe. Talvez, ele mesmo não se culpasse por se envolver conosco.

Jimin sempre tinha muitas palavras para dizer, mas sentiu-se tocado pelos sentimentos de seu irmão, então de repente foi como se ele estivesse trabalhando infindavelmente para conseguir ajudar todos com o conhecimento que tinha, mas ao lado de seu irmão, ouvindo-o se culpar por algo que não tinha culpa alguma, segurando aquela ameaça sobre seu colo e por fim, pensando em como sua mente e corpo simplesmente agia quase sem resistência alguma ao lado de Jungkook, pareceu que estava ficando esgotado e impotente.

— Não é sua culpa — foi tudo o que conseguiu dizer. Ele estava mesmo oscilando de humor tão rapidamente que estava ficando sem forças. Num minuto ele podia rir e no outro, apenas não conseguia se dar ao luxo.

— Desculpe-me por isso — Taehyung pediu, fungando baixo. — Acho que estou um pouco sensível com tudo isso, porque estou chegando perto de ter que tomar decisões difíceis e você sabe... Você sempre foi mais decidido do que eu.

— Mas sempre foi humano. Somos humanos — começou. — É por isso que estamos nos sentindo tão afetados por tudo isso — baixou os olhos pesados para a caixa que segurava e não conseguiu pensar em como seu vizinho tinha se arriscado genuinamente. Muitas pessoas estavam se arriscando genuinamente sem que soubessem. Ele queria diminuir tudo isso, mas agora estava muito mais inserido do que qualquer outro momento, sua própria presença era um perigo. — Tae — o chamado saiu num fio de voz. — Eu falhei com você.

— Não, não falhou. Eu sei o que quer dizer, você não me abandonou, Jimin.

— Mas eu me envolvi muito mais. — Ele tinha beijado, acolhido, protegido e... Amado, Jungkook. Ele tinha mesmo se envolvido demais.

— Eu deveria ter dito a ele que já sabia há muito tempo sobre o que ele fazia — Taehyung começou depois de um tempo em silêncio. — Mas eu não disse porque eu já estava envolvido demais. Não posso culpar você.

No fim, nenhum deles podiam se culpar, mas a culpa era um parasita poderoso, estava consumindo rapidamente e eles não eram capazes de encerrar com aquilo sozinhos.

[...]

1 de Janeiro, 2023

El Capo precisa de você hoje. Vá assim que puder, mas não demore muito.

Ele mal tinha acordado quando seu celular começou a vibrar sob seu travesseiro. Estava péssimo por muita coisa e principalmente por ser quem era. Na noite anterior tinha finalmente colocado para fora os sentimentos que tinha por Jimin, na noite anterior ele foi acolhido por Jimin após ter passado pela experiência de quase morte. Havia muito em sua cabeça, mas no fim, pensar em Jimin o trazia algum conforto. Era como se tivesse fazendo tudo o que fazia simplesmente para que quando chegasse o final do dia ele pudesse abraçar seu filho e ser abraçado por Jimin.

Jimin. Outro homem. Uma pessoa.

Mas aquilo também era um problema afinal. Jimin só existia em sua vida no escuro, na verdade, ele só conseguia realmente deixar Park Jimin entrar estando no escuro. Jimin era como luz, mas sua escuridão engolia tudo, talvez ele tivesse uma consciência dolorosa de si mesmo. Talvez nunca buscasse Jimin durante o dia porque não queria que Jimin enxergasse sua podridão.

— Terá reunião?

Não. Kim Namjoon planeja ir para a Espanha essa semana, não é uma certeza, então acho que não teremos reuniões.

— Hm — murmurou, arrastando os dedos entre os fios. — Será na residência dele?

Sim. Ele quer você lá.

— Entendido.

Jogou o celular ao seu lado na cama e então puxou os lençóis antes de sentar sobre o colchão. Estava fatigado, seu corpo estava pesado, como quando no dia seguinte após o primeiro dia de academia. Tudo doía demais, não havia qualquer vontade de ficar de pé e muito menos sair daquele quarto, mas mesmo assim caminhou até o banheiro e entrou.

Ignorou o espelho, ele não queria saber o que seu reflexo tinha para acusar, usou o sanitário e depois o chuveiro. A água sobre seus ombros mais pareciam um punhado de agulhas. Nunca se sentiu tão péssimo. Mãos apoiadas nas paredes, encostou sua testa entre elas e deixou-se ser perfurado por todas aquelas agulhas.

Fechou os olhos, então deixou que sua consciência tomasse ciência de sua vida.

Taehyung sabia quem ele era e o que ele fazia. Claro que Taehyung sabia, seria inútil tentar fingir. Quando arriscou sua própria vida para salvar Jimin, não pensou muito nas consequências, ele só precisava resgatar Jimin. Mas agora ele estava provando dos frutos de seus atos movidos pela emoção. Taehyung sabia tudo. Jimin sabia tudo. Santiago sabia tudo. Sua mãe foi assassinada. Genevieve também e mesmo que pouco soubesse sobre Angelina, ainda era uma vida inocente. Tudo isso porque ele salvou Jimin.

E ali ele estava mais uma vez: remoendo palavras e sentimentos. Estava vivendo mais no passado e preocupado demais com o futuro porque no presente ele estava morrendo.

Não podia voltar no tempo para pensar numa estratégia melhor. Não tinha nada para fazer que pudesse consertar seu erro. Alguma coisa viria acontecer, ele conseguia sentir em seus ossos, ele quase morreu várias vezes, mas nunca pensou que Santiago o faria se sentir tão insignificante, mesmo que soubesse que aquela era a forma que o homem demonstrava seu amor por ele. Mas aquele amor machucava, aquele amor o deixava sufocado, amedrontado, aquele amor o fazia ter que escolher situações difíceis.

Aquele amor não parecia ser o amor que Jimin conhecia.

O amor de Santiago por ele não parecia ser o amor que Jimin tanto parecia conhecer.

Não era livre.

Não o fazia querer contar seus segredos.

Aquele amor parecia um favor e ser amado por esse amor parecia um crime.

O mundo era mesmo muito cruel, ele podia simplesmente te cortar profundamente e deixar cicatrizes como prêmio, mas por mais que Jimin soasse completamente utópico, o médico parecia pronto para beijar quaisquer fossem suas cicatrizes. Jimin o beijou os lábios. As mãos. A alma.

Santiago o fez ter que escolher muitas coisas em sua vida, Santiago o causou cicatrizes também, então pela primeira vez, escondido naquele banheiro, ele iria escolher algo coagido por esse mesmo homem, mas que não seria direcionado a este.

Entre o amor de Santiago e o amor de Jimin, ele queria ser livre de verdade. Ele escolhia Jimin e a partir daquele momento, não fugiria mais. Não mais. Ou ao menos tentaria. Tentaria colocar todas as suas partes separadas e seguir a direção de apenas uma delas. Ele não queria o consenso geral, porque sabia que se pensasse demais sobre, acovardar-se-ia.

Quando voltou ao quarto procurou pelas roupas que usou no dia anterior. Dentro do bolso interno do blazer ele tirou um pequeno gravador. Tão minúsculo que cabia em seu mindinho. Abriu a primeira gaveta da cômoda, tirou de lá um segundo gravador e os encarou juntos sobre a palma da mão. Ele tinha gravado dois dos encontros que teve com Santiago, no começo não sabia porque sua mente tinha o levado a fazer isso, mas agora que estava com a súbita coragem correndo por suas veias, ele parecia ter noção do que deveria fazer.

Batidas na porta o chamou atenção, ele guardou as gravações na gaveta novamente e tirou um par de luvas antes de calçá-las.

— Sim? — Foi até a porta e a abriu. A figura de seu pai fez-se sólida em sua frente. Desde a morte de sua mãe, Jungkook abrigou seu pai naquela casa.

— Bom dia, filho. Só queria avisar que vou sair um pouco com o Sam.

— Não saia! — Involuntariamente agarrou o pulso do mais velho, recebendo de volta um olhar desconfiado. — Eu tenho medo de que algo possa acontecer.

Seokjin segurou seu pulso e afastou sua mão com cuidado. Ele se sentiu constrangido demais.

— Você ainda está fazendo a terapia indicada pelo doutor Park?

Não. Ele não comparecia às sessões desde o sequestro de Jimin, mas falar aquilo só evidenciaria ainda mais a necessidade que tinha de ir à terapia. Assim, limitou-se ao silêncio.

— Você pode vir conosco. É o primeiro dia do ano, Jungkook, tente começar de forma mais leve.

Não havia leveza na vida dele, a verdade é que seus pés estavam afundando naquele chão sólido, estava formando um buraco terrível cada vez que a gravidade o puxava mais. Não dava mesmo para começar aquele ano de forma mais leve, mas se precisava fazer alguma coisa para mudar tudo, ele começaria se entregando. Tinha muito menos a perder do que vivendo naquela falsa liberdade, estava confuso demais, porém se sua cabeça não era mais capaz de seguir os caminhos da sanidade, ele confiaria em Kim Taehyung para guiá-lo.

Porque Taehyung não o causava medo e ele sabia que o inspetor jamais o colocaria para enfrentar a morte enquanto declara amor por ele.

[...]

Lalisa era uma mulher de muitas convicções, mas elas poderiam ser perdidas com duas ou três doses de conhaque.

Contudo havia uma coisa que ela sempre levou a sério: sentimentos de lealdade. Jungkook podia ser o homem mais mau humorado de todo o mundo, ele ainda era parte da equipe, ele ainda era seu amigo. Ela não iria desistir dele, tal como não desistia de seus relacionamentos leais. Assim como não havia desistido de sua falecida irmã mesmo com tantos anos tendo se passado.

Amizade era amizade. Jungkook mafioso ou não, ela faria de tudo para ajudá-lo, assim como Yeonjun e Taehyung também estavam fazendo. Por isso que quando entrou naquela sala pouco iluminada, os sons de seus sapatos finos denunciou o andar calmo e cauteloso. Era primeiro de janeiro, ela não deveria estar trabalhando, mas ela não iria parar enquanto não tivesse respostas. Daria tudo de si, faria tudo o que aprendeu observando o próprio Jungkook.

Sob um lustre simples, sentado em um dos lados da mesa metálica estava Park Seojun, conhecido como Coelho Branco, o antissocial que não abria a boca. Ela caminhou até o outro lado, então soltou uma pasta de dados sobre a mesa e sentou-se despretensiosamente. Encarou o homem. Ele a encarou de volta com um pequeno sorriso.

— Você parece feliz hoje, Park — comentou, apoiando os cotovelos sobre a mesa. — Eu pensei que talvez, já que hoje é o primeiro dia do ano, você gostaria de comer alguma coisa diferente. Então eu pedi um lanche. Eu adoro, espero que você goste também — com um sorriso tão mínimo quanto o alheio, ela encarou a parede de vidro e fez um pequeno sinal com os dedos.

A porta foi aberta, um auxiliar entrou e deixou ambos lanches sobre a mesa. Lalisa fechou os olhos e fez uma espécie de concha com a destra, trazendo o suposto cheiro da comida até as narinas.

— Consegue sentir? — Encarou Seojun mais uma vez. — Cheiro de dieta arruinada. Adorável — pegou o seu lanche, abriu e o abocanhou. — Vamos, coma!

Park Seokjun não moveu um músculo, apenas permaneceu com aquele sorrisinho falso.

— Jeon Jungkook — ela citou, enquanto mastigava, mas sem vacilar no olhar. — Lee Jungwook — continuou. — Wang Inna, Kim Namjoon, Park Chanyeol e é claro, meu favorito: Santiago Hernández — assim que terminou de citar os nomes suspeitos, engoliu o bocado de comida. — Santiago Hernández parece ter preparado um palco bonito para todo esse espetáculo, mas é claro que apesar dele mandar em você e em todos esses outros nomes, ele ainda é um ser humano. Humanos cometem erros, Santiago cometeu um erro péssimo e agora nós estamos com você, um dos cachorrinhos dele — limpou as mãos batendo uma na outra e então empurrou o lanche para o lado, dando espaço para abrir a pasta. — Nós já sabemos tudo — soprou um riso. — E foi tão fácil descobrir... — É claro que estava jogando verde naquela situação. — Diga-me, o que você ganha quando obedece às ordens do Santiago? Como Santiago se sente? Ele sorri para você e diz que não conseguiria sem você? Ele sorri assim como eu estou sorrindo agora?

Park Seojun fechou o mínimo sorriso quando seu rosto foi coberto pela inexpressividade, Lalisa percebeu, então abriu a pasta.

— Orfanato San Rosé, Hospital Universitário Ajou, transporte interno de drogas... — Elevou os cílios para o criminoso. — Qual desses grupos você acha que é mais precioso? — Em um interrogatório, a técnica mais comum é fazer perguntas sinônimas e fazer com que o interrogado fale mais, porém ela não estava lidando com uma pessoa normal, Park Seojun não podia ser incluído numa categoria tão banal. — Em qual desses grupos você acha que Santiago está?

Apelar para ameaças seria inútil, Park Seojun não sentiria absolutamente nada.

— Você tem o símbolo de paus. Jeon Jungkook é filho de Santiago e tem o símbolo de copas. O próprio filho do Santiago está em uma das zonas, você acha que a sua é mais relevante do que a de Jeon Jungkook? — Ela estalou a língua e jogou o peso do corpo contra a cadeira. — Santiago Hernández o domesticou mesmo Park Seojun — seus lábios enlargueceram em um sorriso, então o riso o seguiu preguiçosamente. — O domesticou a ponto de você se calar para protegê-lo.

— Vadia — rosnou baixinho.

— Ah, o que disse? Eu não ouvi — provocou colocando a mão na orelha. No mesmo impasse, Seojun bateu os punhos algemados sobre a mesa de ferro causando um barulho alto e ressonante.

Lalisa finalmente viu o olhar colérico e o vermelho sanguíneo no rosto dele.

— NÃO ESTOU PROTEGENDO PORRA ALGUMA! SANTIAGO. SANTIAGO! — Berrou, em seguida empurrou os lanches contra o chão usando os braços algemados e bateu os punhos ali mais uma vez. Lalisa fazia questão de mencionar o nome de Santiago várias vezes durante todas as vezes que interrogava o criminoso em sua frente. — Santiago não manda em mim.

— Aposto que ele tem muito poder sobre você, Park — ela continuou, dessa vez sem sorrisos. — Você sequer sabe para onde toda a droga vai, você sequer foi até a residência dele alguma vez. Eu estou errada?

— Eu sei o que está fazendo — ele murmurou, como se seu momento de cólera não tivesse existido.

— Não, você não sabe.

— Sim, eu sei, conheço seu jogo.

— Não, você não conhece, Seojun, porque a verdade é que você não sabe nem mesmo porque faz o que faz. Aceitou comandar a zona de paus para se sentir no poder, porque precisava se sentir no poder, mas essas zonas são apenas a parte mais inferior nessa organização — fechou a pasta e apoiou os cotovelos na mesma mais uma vez. — Santiago não quer sujar as mãos, por isso precisa de pessoas como você e é por isso que você está aqui e não ele. Eu li sua ficha criminal, você não tinha qualquer histórico criminoso, viveu com sua mãe até os vinte e cinco anos e passou a morar sozinho depois que ela faleceu. Eu também verifiquei sua antiga casa e falei com os vizinhos. Todos alegaram que você era sempre quieto, nunca sorria e nunca ajudava voluntariamente, mas o fazia quando pedido.

— Comovente, mas eu não posso chorar, detetive, acho que meu estoque de lágrimas possui defeito — o sarcasmo não era o dos melhores, ela já tinha lidado com piores.

— Você levava uma vida tranquila, por que aceitou trabalhar com Santiago?

— Poder. Dinheiro. Eu estava cansado de ter que ajudar aquelas pessoas que eu não queria ajudar. Eu odeio carregar sacolas — deu de ombros, mas não moveu nenhum músculo a mais. — Ajudar. Ajudar. Isso é tão medíocre, como a minha mãe. Por isso ela morreu naquele lugar.

— Você conseguiu o poder que queria? Acho que não, afinal de contas, Santiago está livre por aí e você está confinado aqui. Ninguém apareceu para vir te ver ou perguntaram sobre você. O mundo está bastante tranquilo com o seu cárcere, então eu o pergunto: você acha mesmo que conseguiu poder? — Rodou uma caneta entre os dedos e apertou o olhar, analisando qualquer ação mínima que Seojun pudesse dar. — Você conheceu Kim Namjoon?

Seojun desviou o olhar para o canto superior da direita antes de desviá-lo para o inferior da esquerda. Uma lembrança, uma mentira... Lalisa guardou bem aquelas ações.

— Não conheço — a sombra de um sorriso falso mostrou-se na face.

— Park Chanyeol?

— Não conhece nosso presidente?

Ela apertou o olhar enviesado e continuou:

— Lee Jungwook?

— Um imprestável.

— Você conheceu o fornecedor da mercadoria? — Era uma pergunta sinônima, a equipe suspeitava de Kim Namjoon.

— Não temos contato com ele, mas falei com ele algumas vezes por chamada.

— Parece haver uma comunicação horrível entre vocês — ela comentou levemente sarcástica. — Jeon Jungkook?

— Ah, ele veio falar comigo um tempo atrás.

— Como ele parecia se sentir?

— Triste.

Uma resposta decorada. Aquela era uma das piores partes de lidar com alguém com Transtorno de Personalidade Antissocial, eles não eram capazes de descrever emoções reais, a origem dessas emoções e ainda não eram capazes de sugerir um motivo para tais.

— O que ele falou com você?

— Oras — pendeu a cabeça lateralmente para a esquerda. — Você não me disse que já sabia de tudo — abaixou o olhar para o crachá que ela usava —, detetive Manobal?

Lalisa não conseguiu fingir completa falta de surpresa, mas por fim sorriu. Não sorriu de nervoso ou coisa do tipo, sorriu porque ao menos tinha certeza que Seojun estava analisando suas falas também, ele estava se esforçando para não vacilar e ela não ia parar. Não ia mesmo.

— Pois bem, você me disse que se envolveu com Santiago por querer poder, mas não conseguiu poder algum pelo visto. Acho que estamos em um empate aqui, dessa forma, o resultado é claro: nenhum de nós está no comando dessa situação — meneou a cabeça e girou a caneta entre os dedos mais uma vez. Aqui seria longo.

[...]

Taehyung estava sentado na cadeira de sua mesa do escritório, a casa estava silenciosa, Chaewon estava no quarto que por vezes dividem, estudando para uma prova importante. Sua namorada queria mudar-se para a promotoria, o que ele apoiava de qualquer forma, sua linda namorada estava feliz com aquilo, então ele iria apoiá-la, assim como ela tem o apoiado nos últimos meses.

Sua vida estava uma bagunça, ele nunca teve qualquer dificuldade extrema para solucionar um caso, as dificuldades que tinha eram sempre sanadas pelos conselhos de sua equipe, mas o Caso Joker não era simples de modo algum. A organização mafiosa não parecia ter esperado muito do sistema de segurança sul coreano, Santiago tinha os subestimados, mas ele não abriu mão do caso e de certa forma era grato a Jungkook por isso, porque se Jimin não tivesse sido resgatado por um próprio membro da máfia, ele teria aceitado o acordo de Santiago.

Mas não era somente aquilo que deixava tudo tão difícil. Seus sentimentos estavam envolvidos, ainda que devesse ser completamente imparcial. Ele estava vacilando de tempo em tempo, dando ainda mais espaço para que a organização se preparasse contra a sua vontade. Aquele era um desses momentos, de frente para seu notebook ele encarava aquela tela havia mais de dez minutos, porque a verdade é que ele tinha medo do que iria ouvir e ver pela câmera de segurança do carro usado por Jungkook e Yoongi no dia que foram ao galpão.

O medo era como o frio, tomava conta aos poucos e por fim, o impedia de se mover. Nem mesmo desviou o olhar quando seu celular começou a vibrar sobre a mesa, era como se seu corpo não quisesse obedecê-lo, mas precisava. Por isso se forçou a encarar o aparelho e atendê-lo.

— Sim?

Inspetor — Lalisa parecia estar correndo uma maratona. — Eu consegui falar com Seojun. Estou saindo agora da Unidade, preciso organizar as ideias no quadro e vou estudar as respostas dele um pouco mais. Você pode me dar duas horas?

Deixou o peso de seu corpo contra o encosto da cadeira e cobriu a boca com a mão livre, fechando os olhos enquanto deleitava-se da informação. Aquela era a melhor notícia do dia.

— Leve o tempo que precisar. Bom trabalho, Lalisa. Bom trabalho.

Obrigada, inspetor.

Deixou o celular e então voltou a encarar o notebook. Todos estavam se arriscando sem hesitar, se ele não podia fazer isso, então não merecia ser o inspetor chefe da equipe Alfa. Apertou em reproduzir o vídeo e então suspirou.

"Posso colocar uma música, Jeon Sunbaenim? Parece tudo tão tenso...

Não.

Você está nervoso, Jeon Sunbaenim?

Não.

Que estranho... — Murmurou. — Não é o que seu comportamento diz.

Pare com essa porra de atuação estúpida, Min."

Ele ouviu um risinho baixo, era Yoongi. Apertou o cenho, mesmo que tudo o que ele conseguisse ver fosse o caminho percorrido, as vozes eram bastante nítidas.

"Você é horrível fingindo, Jungkook — a voz mansa e doce de Yoongi foi transfigurada em algo egocêntrico e desprezível. — O que foi aquilo na frente do Taehyung? Todo mundo percebeu o quão instável você é.

Cala a boca.

Como eu vou me calar, se o estúpido FILHO PREFERIDO DO COMANDANTE É UM GRANDE MERDA?"

Yoongi sabia sobre Jungkook. Ele nunca tinha ouvido aquele tom em Yoongi, era por isso que Jungkook nunca conseguiu aceitá-lo na equipe.

"— Como acha que devo ficar? Você pode colocar tudo a perder a qualquer momento! Você permitiu-se ser tirado dessa investigação para bancar o cãozinho de guarda do irmão de Kim Taehyung. Por sua culpa eu tenho que vir até aqui fingir ser um estúpido novato que te admira, apenas porque estamos correndo o risco de sermos descobertos. Preciso fazer Taehyung confiar em mim a ponto de me mandar para campo e fazer interrogatórios."

Ele tinha sido estúpido por pensar que Yoongi poderia estar trabalhando para a S.W.A.T Estadunidense em um caso especial. Yoongi tentou enganá-lo, descobrir aquilo só o fazia se sentir mais aliviado por ter limitado as informações sobre o caso a Lalisa e Yeonjun.

"— Ele não está tão perto...

Ele pegou o Coelho Branco da Zona de Paus. Se aquele cuzão abrir a boca sobre as Zonas, adivinha quem toma no cu? Você e eu! Eles descobriram que Inna e Jungwook estavam tentando levá-los a um dos esconderijos — Yoongi voltou a falar, dessa vez, com um pesar na voz que denunciava sua preocupação. — Você já sabia, não é? Foi por isso que parou aquele carro, não foi?

Descobri com o interrogatório de Jungwook e com um encontro que tive com o Coelho Branco. Não podia deixar que eles colocassem tudo a perder, o pai ficaria desapontado."

"Preciso pará-lo" — Taehyung lembrou-se rapidamente da fuga que teve ao lado de Jungkook. Aquela foi a primeira vez que viu Jungkook tão determinado.

"E ele vai ficar quando eu lhe disser que você está trabalhando como cãozinho de guarda — riu em escárnio. — O grande Delator de Copas agora balança o rabinho quando vê o seu novo dono.

Cala a boca.

Já não era o bastante você ter estragado tudo quando engravidou aquela mulher? Você estragou tudo com a porra daquela criança!"

Houve alguma movimentação dentro do carro que ele não conseguiu ver.

"Cala a porra da boca — falou pausadamente. — Nunca mais cite meu filho com essa boca imunda."

Ele ouviu um som asmático antes de ouvir tosse.

"Você perdeu a cabeça por que eu falei isso? — Mesmo com a voz esganiçada, Yoongi continuou. — Ora, ora. Você ficou nervoso, irmãozinho?"

Taehyung pausou o vídeo. Incapaz de acreditar no que estava ouvindo, cobriu os lábios com a canhota e voltou o áudio em alguns segundos tendo a confirmação do que tinha ouvido.

"Irmãozinho"

Min Yoongi era irmão de Jeon Jungkook? Não fazia qualquer sentido se olhasse pelos nomes de família, mas nada podia provar que Santiago não tivesse feito a Yoongi o mesmo que fez com Jungkook. Mas ele ainda precisava falar com Seokjin sobre Santiago.

"— Não estou nervoso."

Suspirou quando foi inundado por um sentimento de impotência. Ele esteve com uma das provas tão perto o tempo todo... Jungkook não mentiu quando o contou sobre o disparo, Jungkook o disse que Yoongi atirou, assim, não era uma mentira completa. Naquela época, ele já desconfiava de Jungkook, porém confiou quase cegamente na declaração do detetive.

Jungkook estava sendo pressionado silenciosamente por Yoongi e ainda assim, não mentiu ou confirmou a história do próprio irmão. Talvez Jungkook não esteja mentindo ao todo, apenas sonegando informações e mais que isso, Jungkook pode estar sendo pressionado pelo próprio pai. Fez uma lista mental:

Jungkook sonega informações;

Jungkook sofre pressão psicológica;

Jungkook não esperava pela morte da mãe;

Jungkook salvou Jimin por conta própria e por fim...

Jeon Jungkook poderia ser uma vítima.

Talvez não fosse mais necessário entregar o presente que tinha preparado para Jungkook, talvez ele só precisasse observar melhor. Seu celular vibrou mais uma vez, era Yeonjun, atendeu com pressa.

— Sim?

Inspetor — Yeonjun soou profundo. — Lee Jungwook tentou tirar a própria vida assim que nossa visita foi encerrada.

Fechou os olhos mais uma vez e travou a mandíbula. Santiago havia feito um exército de pessoas doentes, aquilo era muito mais desumano do que qualquer coisa que ele já tinha visto.

Um exército de pessoas doentes...

Jungkook?

Eu perguntei sobre Kim Namjoon, Sunbae, ele disse coisas como "ele vai matar todos vocês". Acha que eu deva ir até Kim Namjoon?

— Min Yoongi é irmão de Jungkook, ao que parece — confessou baixo. — Ele atirou no próprio irmão, Jun.

O que?

— Volte para casa em segurança ou se junte à Lalisa, eu vou falar com Jeon Seokjin e quando chegar, vou ligar de volta para vocês. Certo?

Sim, senhor.

Fechou o notebook, enfiou o celular no bolso e pegou o paletó antes suspenso sobre sua cadeira. Em passos largos caminhou até a porta enquanto vestia a peça de roupa, em seguida abriu a porta, deparando-se com a figura de Chaewon com o punho erguido.

— Vai sair, Jagiya?

— Preciso resolver umas coisas do trabalho, linda.

— Ah — ela assentiu com um pequeno sorriso. — Eu só vim trazer as correspondências da semana. Você não abriu nenhuma delas e você recebeu uma carta sem remetente.

— Carta?

Chaewon elevou a outra mão e mostrou um pequeno envelope pardo, fechado com cera vermelha e um pequeno coração de copas no centro.

"— Senhor, as correspondências chegaram."

Ele tinha ignorado aquela carta por uma semana inteira. Segurou o pequeno envelope e sorriu, fingindo que não havia nenhum nervosismo dentro dele sobre aquilo, então com o mesmo sorriso abriu o invólucro e retirou o pedaço de papel que tinha ali.

"Não deixe que ele volte para casa de noite."

Apenas uma frase. Apenas um pedido. Se ele tivesse lido antes, ainda que não pudesse imaginar a quem se referia, tentaria manter todos dentro de casa, mas ele não leu e naquele instante não pôde pensar em ninguém mais além de Jungkook.

— Ele tentou me avisar — disse retoricamente, encarando aquele pedaço de papel. — Ele com certeza está dividido...

— Sobre quem está falando, Tae?

Baixou o olhar para a namorada e a selou os lábios rapidamente antes de retomar seus passos apressados.

— Volto mais tarde, não se preocupe — avisou por fim.

[...]

— Os senhores Jeon saíram para passear com o Sam. Acho que estão no riacho Cheonggyechon.

A governanta da casa Jeon foi bastante simpática ao informar, facilitou seu trabalho em ter que ligar. Se ligasse, provavelmente Jungkook recusaria deixá-lo se aproximar. As árvores que contornavam o riacho Cheonggyechon estavam todas secas por causa da estação fria e não havia muitas pessoas ali, apenas aqueles que queriam apreciar a calmaria do espaço. Desceu as escadas que ficavam próximas à ponte em arco que ligava um lado ao outro sobre o longo riacho e girou os calcanhares enquanto varria a área ao redor com os olhos atentos, então viu.

Jungkook estava encostado no muro lateral de tijolos que iam até sua cintura, as mãos estavam enfiadas nos bolsos e embora o olhar estivesse voltado para Jeon Seokjin e Sam que estavam do outro lado do riacho, Jungkook não parecia estar com a mente naquele mundo. Penteou os cabelos com os próprios dedos e enfiou as mãos dentro dos próprios bolsos dianteiros da calça quando aproximou-se. Encostou-se no mesmo muro bem ao lado do detetive e encarou a forma como o riacho permanecia parado por causa do congelamento.

— O que faz aqui?

Ao contrário do que pensou, sua presença foi percebida por Jungkook. Jungkook sempre percebia tudo, era um profissional.

— Vim falar com Jeon Seokjin — não mentiu, assim como Jimin aconselhou. — Faz parte da investigação.

— Ele não sabe de nada — Jungkook disse na defensiva, mas a verdade é que não parecia realmente determinado a se defender. Parecia letárgico. Cansado. Taehyung notou.

— Ele não é um suspeito — garantiu, virando a face para o perfil inexpressivo de Jungkook. — Eu não direi nada que possa comprometê-lo.

Jungkook assentiu lentamente depois de um tempo, então ajustou a postura e silenciosamente caminhou até o outro lado. Taehyung observou cada ação, principalmente o sorriso que iluminou a expressão de Jungkook quando este pegou o filho nos braços. Ele não tinha notado antes, mas agora que via a forma como o garotinho segurou o rosto do pai e o olhou com tanto orgulho ele pôde entender o provável motivo para Jungkook se arriscar tanto. Se ele tivesse um filho, ele faria qualquer coisa para ter a forma como Sam encarou o próprio pai, faria qualquer coisa para protegê-lo, porque em parte, mesmo que pequena, ele já conhecia aquele sentimento, ele faria qualquer coisa para proteger seu irmão caçula.

Jungkook nunca mostrava seu filho ao mundo, mas estava ali. Ele sabia quase nada sobre a relação de pai e filho que ambos tinham, mas tinha quase certeza que somente por estar em público com o próprio filho era uma prova do quão longe Jungkook iria pela pequena criança.

— Senhor Kim — Seokjin disse quando se aproximou. — Jungkook disse que precisava falar comigo.

Empertigou as costas quando afastou-se do murinho e fez uma mesura antes de mostrar seu crachá, embora ele soubesse que Seokjin sabia muito bem quem ele era.

— Taehyung, senhor Jeon — pediu com um sorriso. — Gostaria de um café?

Seokjin voltou o olhar para o filho e o neto e ponderou sobre aceitar.

— Não precisamos sair daqui, na verdade, eu gostaria de fazer algumas perguntas sobre Santiago Hernández — adiantou-se com todo cuidado. — Claro, se estiver de acordo.

Seokjin apertou o olhar, o sol começou a ficar um pouco mais forte naquela parte da manhã parcialmente nublada.

— Por que precisa saber sobre ele?

— Há um tempo comecei a trabalhar em um caso de organização mafiosa, Santiago Hernández é nosso principal suspeito — assim que fechou a boca viu Seokjin negar com certa petulância. Era um assunto delicado, aparentemente.

— Estão suspeitando de um bom homem, Taehyung — Seokjin descarregou confiança. — Santiago é um bom homem.

— Por que tem essa certeza, senhor?

— Santiago voltou para a Coréia do Sul havia pouco tempo, chegou a nos encontrar um dia e contou-nos sua dor. Ele queria conhecer Jungkook, mas sentia-se indigno, então os céus tratou de fazer isso acontecer — deu de ombros. — Porém da forma mais torturante... Quando Jungkook tinha apenas seis anos ele fugiu na saída da escola — os olhos cansados procuraram algum ponto de apoio para suas memórias. — Jiwon e eu ficamos loucos, começamos a procurá-lo e não iríamos parar enquanto não encontrássemos. E não o encontramos, mas Santiago o encontrou e nos trouxe de volta. Santiago não se sentia digno, mas o destino os fez se encontrarem de alguma forma.

Seokjin parecia prestes a chorar, mas disfarçou limpando a garganta e fugindo do olhar de Taehyung. O inspetor por outro lado não fugiu daquelas palavras, Seokjin tinha uma concepção heróica de Santiago, algo completamente distorcido do que provavelmente era. Para ele, com o que conhecia de Santiago, tudo estava muito claro. Se considerar o Jungkook que ele conhecia também, sabia que este jamais fugiria da escola, o sequestro era uma armadilha conveniente, porém somente uma pessoa poderia confirmar sua sugestão — desviou o olhar para Jungkook —, e ele tinha muitas dúvidas sobre conseguir a resposta.

— Eu sinto muito pelo ocorrido — ele disse quando voltou sua atenção para o Jeon mais velho. — Não sabia que Jungkook tinha fugido na infância.

— Não gostamos de tocar no assunto, foi muito assustador para nós, mas acredito que foi muito pior para Jungkook, em parte.

— Em parte?

— Jungkook ficou feliz por saber que tinha mais um pai, Santiago tem jeito com crianças e acalmou Jungkook. Meu filho o chamou de pai com tanta facilidade, acho que ser salvo pelo próprio pai foi algo que o acalmou, porém — hesitou, engolindo as prováveis memórias que teve que trazer à tona. — Porém Jungkook tornou-se uma criança mais séria e quieta. Não sabemos o que o levou a fugir, mas depois disso, ele sempre observava tudo e todos, apesar de não falar muito sobre os próprios sentimentos, ele sempre ouvia tudo — soprou um riso quase feliz. — Mesmo quando não achávamos que ele tinha notado algo, no futuro descobriamos que ele havia percebido. É assim até hoje, ele vê aquilo que a maioria não nota, acho que por isso é um bom detetive, estou certo, Taehyung?

Ele engoliu a seco mais vezes do que conseguiu contar. Aquilo não era algo para se orgulhar diante a real circunstância, mas Seokjin não poderia ver o erro, porque sim, Jungkook era um ótimo detetive e completamente observador, mas ele não era assim desde o começo, se tornou assim após conhecer Santiago.

O quanto você tem aguentado até aqui, Jungkook?

— Sim — respondeu com um sorriso ínfimo. — Jungkook é um excelente detetive, senhor Jeon.

Mentiras eram suaves, por isso a maioria das pessoas eram capazes de suportá-las, mas a verdade era como uma metralhadora, destruía, machucava, era pesada. Por isso algumas pessoas preferiam a suavidade da mentira do que a dureza de uma verdade. Se contasse a Seokjin a verdade por trás daquela linda mentira, o destruiria e se machucaria demais no processo. Ele não era capaz de fazê-lo, não ainda.

— Ah, sim — Seokjin voltou a falar. — Quais eram as perguntas?

Ele não precisava mais fazer perguntas, o que ouviu de Seokjin era o bastante para ele, mas ainda havia algo...

— Jungkook ficou desaparecido por quanto tempo?

— Três dias.

— Vocês apresentaram uma ocorrência na delegacia de polícia?

— Sim, mas no mesmo dia fomos encaminhados para a NCI.

Taehyung pensou um pouco. Jungkook tinha trinta e dois anos, se tinha seis quando desapareceu, o caso tinha ocorrido vinte e seis anos atrás, mesmo período em que o antigo detetive responsável pelo Caso Joker aceitou e desistiu do caso.

— Senhor Jeon, se fosse chamado em um tribunal para contar tudo o que me disse aqui nesta manhã, o senhor compareceria?

— É claro! — Respondeu de ímpeto. — Mas não creio que seja necessário, tenho certeza que Santiago é um bom homem.

Ele sorriu por pura polidez.

— Eu espero que a verdade seja dita — respondeu honesto, então não comentou mais nada sobre o assunto. — Obrigado por isso e desculpe por tomar seu tempo — fez mais uma mesura, então esticou o braço numa menção para que caminhassem em direção a Jungkook.

Seokjin o acompanhou silenciosamente, parecia pensativo sobre a conversa e ele achou que não deveria interromper.

— Oi, Sam, lembra do tio Tetê? — Ele disse quando parou ao lado de Jungkook. A criança que estava sorrindo fechou o sorriso lentamente, então ele percebeu a semelhança gritante entre pai e filho.

Olhar para Sam era como olhar para o passado de Jungkook, não precisava de fotos, era inegável.

— Tio Tetê?

— Outro dia ele ligou para o Jimin e eu me apresentei — meneou a cabeça.

— O papai não sabia, Sam.

A voz de Jungkook era tão serena enquanto falava com o próprio filho, era quase como se ele pudesse ser qualquer pessoa e qualquer pessoa unicamente para o filho. E ainda, era como se pudesse ser a melhor pessoa apenas para o filho.

— Esqueci de falar, papai — Sam respondeu cheio de manha, deitando a cabeça sobre o ombro do protetor.

— Tudo bem, acontece — Jungkook acolheu a criança antes de olhá-lo. — Vocês terminaram?

— Sim — assentiu. — Obrigado por isso, Jungkook.

— Você não tem que me agradecer por nada.

— Sim, eu tenho — e em breve terei que me desculpar também, ele sentia isso. — Só mais uma coisa — apertou o olhar —: Você não fugiu da escola. Não é?

Ele viu Jungkook engolir em seco e buscar pela figura do pai, quando encontrou, meneou a cabeça levemente.

— Eu não fugiria.

Ele assentiu lentamente. Aquilo tinha sido um sequestro.

— Tenha um bom dia.

Deu uma batidinha no ombro do detetive e então passou por ele, deixando o lugar. Jungkook vivia sob aquela submissão desde criança? Se assim fosse, Santiago o preparou para a Joker desde a infância. Em seu escritório ele pensou que não tinha visto algo tão desumano em toda sua vida, mas enquanto caminhava até seu carro, não sabia se suportaria o enjoo em seu estômago. Nojo. Tinha nojo de Santiago e a partir daquele momento não o considerava um humano. Nem mesmo um animal selvagem poderia lidar com tamanha ofensa, não, um animal era muito mais valioso do que a maioria dos humanos. Santiago era a escória, era a podridão presa em pele e carne, não era digno de seu profissionalismo, por isso seria profissional por sua equipe e em respeito a todas as vítimas daquela organização.

Somente por eles ele iria até o inferno e ainda que isso custasse sua vida, daria a Santiago o destino que este merecia.

[...]

— Eu não sabia que vocês trabalhavam hoje.

Seu pai comentou ao seu lado depois que Taehyung saiu dali. Jungkook não quis pensar muito sobre, ele sabia que seu pior inimigo era sua própria mente, ela o sabotaria tantas imperceptíveis vezes que o deixaria louco, então não fez muitas perguntas quando o inspetor aproximou-se, também evitou encarar a conversa que este teve com seu pai e evitou também entrar no assunto, por isso limitou-se a dizer:

— Taehyung sempre trabalha bastante, pai.

— Você vai voltar para a Unidade amanhã?

Ele levou a palma livre até sobre o rosto de seu filho e a usou como um leque para evitar os flashes solares daquele horário.

— Sim — ele não tinha muita certeza. — Acho melhor voltarmos, pai. Sam está quase dormindo.

— Eu não sei o que você faz, filho — Seokjin começou com um sorriso —, mas é só ele ficar em seu colo, ele dorme rapidinho — então o sorriso tornou-se algo nostálgico. — Jiwon e eu nunca conseguimos colocar ele para dormir com tanta facilidade. Sempre que olhávamos, ele estava com os olhinhos redondos bem abertos.

Ele sorriu, não sabia se aquilo era exatamente bom, mas esperava que Sam sentisse conforto em seus braços. Conforto. Sam também sentiu o mesmo nos braços de Jimin? Perguntou-se.

— Jeon!

Ambos os homens viraram-se para a direção da voz atrás deles. Jungkook se desfez do sorriso, mas não estava completamente decepcionado. Era apenas Jung Hoseok.

— Olá, Jung — disse simplório.

— Não sabia que costumava passear por aqui, hoje é um lindo dia — Hoseok por outro lado parecia com um humor de dar inveja.

— Pai, esse é Jung Hoseok, pediatra que atendeu Sam outro dia e amigo de Jimin — ele estava menos relutante naquele dia.

— Ah, sou Jeon Seokjin, avô do Sam.

— É ótimo vê-los aqui — Hoseok vestia roupas próprias para corrida e segurava uma garrafinha de água, porém não estava suado e nem mesmo fatigado. Qualquer um invejaria aquela resistência, menos Jungkook.

Ele estava cansado da resistência, apenas queria se desprender da gravidade.

— Sam é uma ótima criança. Os remédios têm algum efeito positivo?

— Provavelmente eu o processaria caso fizesse algum mal a ele.

— Jungkook! — Seu pai o repreendeu, mas a verdade é que ele não percebeu qualquer grosseria ali, tinha dito com toda sua genuina e sinceridade.

— Ah, eu não o julgaria — Hoseok gargalhou, ficando com as bochechas vermelhas. — Eu preciso ir, quero aproveitar um pouco mais da manhã. Foi um prazer conhecê-lo, ahjussi.

Depois de uma mesura, Hoseok passou por eles começando uma corrida.

— É, acho melhor voltarmos para casa, filho.

— Claro.

[...]

Uma caixa.

Uma caixa consideravelmente grande para uma fatia de bolo e um pequeno cartão:

"Eat me"

Assim como o líquido enviado na primeira vez, a fatia de bolo foi encaminhada para um laboratório forense. Da primeira vez, era apenas água, mas Jimin suspeitava muito que aquela fatia de bolo estivesse limpa.

O que quer que significasse aquele tempo de "silêncio", aquele bolo era um claro aviso, ele sabia: eles ainda estavam agindo, ainda estavam observando seus passos e provavelmente tinha planos maiores para sua próxima ação.

Por esse motivo e por outros mais, não conseguiu dormir direito.

Precisou confessar, estava com medo.

Estava com medo porque viu o pavor em sua frente assim que encarou os olhos intimidados de Jungkook. Jungkook era um ser humano, ele mais do que muitos sabia daquilo, mas ao longo dos meses em que conheceu o homem, também viu uma força incomum ainda que em suas entrelinhas houvessem partículas nítidas de confusão e inseguranças. Mas quando Jungkook entrou por sua porta em busca das luvas, como se aquelas luvas fossem as únicas coisas capazes de mudar alguma coisa em sua mente, ele entendeu...

Nepente. Tudo fez sentido diante as declarações alheias. Não eram as luvas, era a lembrança que Jungkook tinha sobre as luvas. Quando ele as ofereceu pela primeira vez, foi para cobrir e proteger as mãos alheias, foi um ato de bondade e carinho para com as feridas que causavam inseguranças no coração de Jungkook. Jungkook se sentiu protegido com seu afeto, mas interpretou de forma menos subjetiva do que realmente acontecia em seu peito.

Jungkook se sentia seguro com seus braços e mais que isso, Jungkook se declarou, o abraçou, o beijou e Deus... Jungkook o tocou. Sem luvas, pele contra a pele. Ficou pensando sobre a sensação de ser tocado por aquelas cordilheiras, não eram frias, na verdade, Jungkook era a única possibilidade de cordilheiras quentes. Jungkook era uma possibilidade única em todo aquele mundo.

Minha nossa, estava tão apaixonado que seu coração nem mesmo conseguiu se aquietar durante longas horas, e finalmente abraçar aquele sentimento o deixou temeroso.

Não... Ele não tinha simplesmente fugido do mundo das leis, ele era um rebelde, seu coração correu diretamente para um mafioso. Não era simplesmente um tiro no pé, na verdade, era meio tiro no pé e meio bem na consciência.

Quando o dia amanheceu, ele estava com olheiras horríveis, mas sua boca ainda era capaz de sustentar um sorrisinho por causa das memórias que rondavam sua mente.

Memórias eram mesmo como nuvens, algumas faziam tempestades e outras enfeitavam o céu de um dia ensolarado. As memórias que tinha sobre Jungkook, na verdade, eram nuvens responsáveis por uma chuva torrencial mansinha. Chegava sem que ele esperasse, mas sempre deixava a sensação gostosa e morna no ar. Não era egoísta, era na verdade responsável por um pôr de sol ainda mais bonito. Memórias de Jungkook como aquela o deixava ainda mais bonito por dentro.

Quando saiu do quarto, soube por sua mãe que Taehyung tinha saído bem cedo. Seu irmão estava trabalhando duro mesmo num dia como aquele, aquilo o fazia querer ser útil no máximo que pudesse, porque não queria mais viver preso e vigiado por tantos seguranças, queria voltar ao trabalho, queria que Jungkook se livrasse de Santiago, queria ver Sam.

Taehyung tinha razão. Muito pior que se apaixonar pelo pai era aprender a amar o filho. E embora não se arrependesse, queria ter conseguido continuar com o tratamento.

— Querido, aquele amigo seu está lá na entrada. Devo permitir que entre? — Sua mãe entrou na cozinha, onde ele escolheu fazer sua refeição matinal, usando terno e saltos altos.

— Hoseok?

— Sim, acho que esse era o nome.

Sua mãe conhecia Hoseok há anos, tinha o cumprimentado no dia anterior, mas ele não sabia bem se ela fazia de propósito ou se realmente não tinha interesse em suas amizades.

— Pode permitir — empurrou a cadeira que estava sentado e pegou a louça que estava usando. — Ah, mãe?!

Ela estava se afastando quando ele a chamou. Haesoo cessou os passos e virou-se para ele enquanto ajeitava um dos brincos.

— Tem audiência hoje?

— Sim. Na verdade são duas. O dia vai ser completamente chato.

— Gosta do que faz, mãe? — Não sabia bem porquê quis saber, mas não podia voltar atrás.

Sua mãe abaixou a mão e ajustou o relógio de pulso antes de abrir um sorriso enviesado.

— Sabe o que realmente gosto, Jimin? Essa casa, minha lamborghini, meu closet e minha conta bancária. Isso com certeza supera qualquer dia chato como o que terei hoje.

Por mais estranho que pudesse soar, ele não esperava uma resposta surpreendente, sua mãe sempre gostou daquilo e nunca foi desonesta em seu trabalho, não havia nada de errado em gostar do dinheiro de seu próprio trabalho. Mas se aquilo fosse perguntado a ele, sua mãe provavelmente riria de sua resposta e deixaria um beijo em sua testa após algum comentário como: você é igualzinho ao seu pai.

— Bom trabalho hoje, mãe e tome cuidado.

— Eu sempre tomo — lançou uma piscadela e então voltou para o curso anterior.

Jimin ficou parado naquela mesma posição por um tempo, sentindo o rastro deixado pela resposta de sua mãe, então quando foi tomado pela consciência, colocou a louça na máquina de lavar e atravessou vários cômodos antes de chegar à sala. Ele estava um pouco absorto naquela manhã, como se seus pensamentos internos fossem a única coisa que ele realmente conseguia depositar algum foco e percebeu isso quando meneou a cabeça quando finalmente percebeu os estalos feitos pelos dedos de Hoseok.

— Você está bem?

Hoseok o olhava desconfiado.

É mesmo...

Hoseok não sabia sobre a confusão completa de sua vida, tudo o que sabia era sobre o sequestro. Com toda essa mudança repentina, ele não estava tendo tempo para falar com o amigo, então Hoseok os fazia o favor de visitá-lo sempre que podia. Na última vez, seu amigo ficou tão apavorado com sua situação ao descobrir Santiago na TV que ele sentiu comiseração. De alguma forma, tinha arrastado seu amigo para aquela bagunça sem se dar conta.

— Estou — de tantas respostas, ele escolheu aquela, com certeza não tinha sido a melhor, mas Hoseok parecia respeitar sua limitação momentânea.

Ofereceu um assento e se sentou após o pediatra fazê-lo. Em toda sua vida acadêmica e profissional ouviu e estudou sobre a importância do diálogo, sobre o quão fundamental é colocar para fora nossas frustrações, medos e incertezas, e a verdade é que sentia vontade de contar a Hoseok que ele não estava exatamente bem, que seu coração estava apertado ainda que apaixonado, que sua mente vez ou outra o tirava o sono pela quantidade de pensamentos acelerados, porém não podia e além disso, não queria colocar a vida de Hoseok em perigo.

Já havia pessoas demais envolvidas naquela bagunça.

— Eu vi o Jungkook!

E por mais que ele tentasse não tocar no assunto, parecia haver um fio invisível que o levava diretamente a Jungkook. Esse fio, mesmo com tantas curvas, sempre o conectava a Jeon.

— Ah — não conseguiu controlar as batidas de seu coração e sentiu-se um pouco aliviado por não serem audíveis aos ouvidos alheios. — Que bom? Eu acho...

— Ele estava com o Sam e o pai. Na verdade, Sam estava dormindo no colo do pai — Hoseok continuou com um sorriso nostálgico. — Bom, eu os conheci outro dia, quando atendi o Sam.

— Eu fiquei sabendo, bem — muito antes de perceber ele tinha adotado uma postura constrangida —, quando fui à sua sala, antes de entrar eu os encontrei.

— Ah — Hoseok estendeu a fala e assentiu de forma pensativa. — Faz todo sentido.

Saber que Hoseok tinha visto Jungkook e Sam era com certeza algo que o deixava orgulhoso, porque sabia que era uma coincidência, não havia um motivo para Jungkook estar tão exposto se não pela saúde mental do filho. Apesar de todas as turbulências dos últimos tempos, Jungkook ainda estava se esforçando com o tratamento.

Assim, sorriu.

— E então, quando você vai voltar para casa? Sabe, sempre que entro nesse condomínio encontro alguém que me encara como se eu fosse o ser mais medíocre do planeta inteiro.

Ele sorriu um pouco mais, Hoseok esboçou a expressão mais dramática, mas seu amigo não estava sozinho, ele não se sentia bem quando era vítima dos olhares da vizinhança, o desprezo que recebia não vinha somente de sua família. Ainda que nem todos soubessem que a grande juíza Kim tinha mais um filho, ele não era salvo dos olhares que gritavam sua falta de encaixe naquele meio.

— Eu espero que muito em breve, Ho — disse ele.

— Sinto falta de te ver no hospital também, mesmo que não nos víssemos todos os dias, eu sabia que você estava lá — baixou o olhar para os próprios dedos. — Oras, estudamos e formamos juntos, começamos a trabalhar juntos naquele lugar, então de alguma forma é um pouco solitário saber que você não está lá pela primeira vez.

Tomou as mãos de Hoseok, o impedindo de continuar retorcendo os dedos, conseguia entender completamente o sentimento do amigo, ele se sentiria da mesma forma. Hoseok era uma parte importante da sua vida.

— Logo irei voltar. Só preciso me recuperar desse susto — moveu os ombros para cima. — Quero ter certeza de que serei um profissional quando voltar.

— Você já marcou visitas ao psicólogo?

— Sim. Amanhã eu tenho uma.

— Você vai ficar bem, Ji — Hoseok inclinou o corpo para frente e o abraçou com força. — A propósito... Você deixou o caso do Sam. Sinto muito, eu sei como um caso VIP era esperado por você. Sei como queria isso.

Na verdade, ele percebeu com o tempo que um caso VIP não era diferente de qualquer outro caso no âmbito da importância para quem ele era. Se não pudesse ser um profissional, VIP ou não, ele teria que desistir. Afastou-se do amigo e foi capaz de sorrir de modo honesto.

— Está tudo bem — confortou. — Vou sentir saudade das visitas, mas sei que fiz a coisa certa.

— Sobre o Jungkook... Sua afeição pela complexidade dele...

Hoseok estava hesitante porque sabia que era um assunto delicado. Ele colocou ambas as mãos uma sobre a outra sobre o encosto do sofá e deitou o rosto ali.

— Não era só afeição — ele bem sabia disso. — Agora é muito mais.

Pela visão periférica ele viu Hoseok encarar os próprios dedos mais uma vez, então só depois de um tempo voltou a dizer:

— Ele sabe?

— Jiminnie, eu preciso...

A voz de Taehyung interrompeu o momento em que ele iria responder. Elevou o rosto e consertou a postura antes de mover sua atenção para o mais velho.

— Olá, Hoseok.

— É bom vê-lo, Taehyung hyung.

— O que dizia, hyung? — Ele perguntou curioso.

— Farei uma reunião daqui alguns minutos, queria saber se você poderia participar. Descobri algo muito grande.

— Yeonjun e Lalisa virão?

— Sim, irei ligar para eles.

— Bom, agora eu não

— Oras, não há problema — Hoseok ficou de pé rapidamente. — Tenho que visitar minha irmã, eu preciso de um bom banho antes, então eu já estava de saída.

— Não precisa ir, Ho, eu posso falar com meu irmão depois.

— Sei o quanto essas coisas devem ser importantes. Se Taehyung precisa de você, Ji, então é bom que vá.

Ele ficou de pé e abraçou Hoseok mais uma vez.

— Obrigado por estar bem, Hoseok — sussurrou.

— Se cuide, Ji. Vou esperar você de volta no hospital, então fique bem.

Ele acompanhou Hoseok até a porta, mas quando voltou à sala seu irmão já não estava lá. Sentou-se mais uma vez e esperou pelo chamado de seu irmão, mas diferente do que esperava, Soobin emergiu das profundezas para se sentar bem ao seu lado. Seu primo tinha vinte e seis anos, mas ainda se comportava como um adolescente.

— Onde a tia está?

Soobin estava usando apenas um short folgado, os cabelos desgrenhados denunciado seu desleixo. O rosto ainda estava inchado, tinha acordado àquela hora.

— Trabalhando — limitou-se a responder.

— O que aconteceu no seu sequestro?

Virou o rosto para o lado e tentou buscar qualquer indício de justificativa para aquela pergunta repentina. Não encontrando, suspirou. Ele não tinha qualquer intimidade com o primo, nunca foi próximo de sua família, então qualquer pergunta daquela o gerava suspeitas. De qualquer forma, as pessoas escondiam muito sobre elas mesmas, talvez Soobin estivesse realmente curioso.

— Só estou perguntando porque quero alguns seguranças a mais. Talvez se eu fingir meu próprio sequestro, meus pais param de me ligar todo dia, perguntando quando volto para casa. Isso é tãooo chato. Gosto de ficar aqui, essa casa é boa, Seul é boa, e também há

— Você me enoja — interrompeu, murmurando entre dentes. Soobin era a perfeita definição de desnecessário. Tinha sido tolice sua pensar que houvesse alguma genuinidade ali. Assim, ficou de pé e deixou a sala.

— Se pisar um pouco mais forte vai fazer buracos no chão, Jiminzinho.

Quando finalmente elevou o olhar, viu seu irmão encostado no batente de uma das portas daquele corredor. Sorriu pequeno e se aproximou com mais calma.

— Soobin tira minha paciência.

— Eu duvido muito, você é sempre paciente com todos, mas sei que está estressado por muita coisa — inclinou o corpo para frente e aproximou os lábios aos ouvidos de Jimin. — Se Jungkook não fosse também o motivo desse estresse, eu aconselharia uma visita durante a noite.

— O que? — Afastou-se antes de socar o peito do irmão. — Não diga besteiras, hyung. Ou direi a Chaewon sobre o quanto você precisa de uma visita durante a noite.

Taehyung riu fraco e então descruzou os braços.

— Nosso senso de humor está péssimo, Ji.

— Estamos mesmo acabados, não é?

Taehyung abriu a porta, era um dos quartos não ocupados da casa. Então, fez menção para que ele entrasse.

— Na verdade, descobri algo e queria falar com você sobre.

— Não vamos esperar a equipe?

Já dentro do quarto, ele sentou-se sobre a cama intocada e observou seu irmão fechar a porta e ocupar o lugar ao seu lado.

— Vi o Jungkook hoje.

Seu irmão não respondeu sua pergunta, mas aquela informação o deixou um pouco angustiado. Não sabia bem o porquê, mas sentiu certo ciúmes, todos podiam ver Jungkook a luz do dia, mas ele só o tinha às vezes, durante a noite. Repreendeu-se internamente, era um pensamento bobo, ninguém ali tinha escolhido isso. Seus sentimentos estavam o deixando bobo.

— Antes disso, ainda em casa, Chaewon me entregou as correspondências. Dia vinte e cinco eu recebi uma que ignorei. Hoje quando eu a li, me arrependi por não ter conferido antes.

A voz de seu irmão estava pensada, vinha do fundo do peito. Taehyung o olhou.

— Jungkook mandou uma carta no dia vinte e cinco pedindo para que eu não deixasse você sair de casa. Ele tentou me avisar, Ji e por culpa minha, você foi sequestrado e Angelina e Jiwon foram mortas — Taehyung confessou com lágrimas nos olhos, então voltou a face para o outro lado e fungou baixo. — Sei que você esteve se culpando, assim como Jungkook está se culpando, mas a verdade é que a culpa foi minha.

— Não... — Sussurrou. — Não, hyung! — Segurou o ombro do mais velho, forçando-o a encará-lo. — Não podemos ser tomados por esses pensamentos. A culpa é de Santiago, mas ele faz tudo de forma que no fim, faz com que nos sentimos culpados.

— Você tem razão, mas Santiago não fez isso dessa vez, o erro foi meu.

— Você não tinha como saber.

Uma das piores coisas naquela situação era com certeza o fato de que ninguém estava isento do sentimento de culpa. A culpa era um cavalo amedrontado, relinchando a plenos pulmões no meio de uma tempestade agressiva de trovões e relâmpagos. Era ensurdecedora, pesada e intimidadora. Não havia locais ali para se esconder.

— Conversei com Jeon Seokjin — Taehyung voltou a falar, os ombros caídos e as mãos unidas no espaço entre as pernas abertas. — Ele vê Santiago como um anjo. Ele tem gratidão a Santiago.

— Impossível.

— Não. Eu teria a mesma gratidão dele se estivesse no lugar dele.

Nada em sua cabeça era adequado para compreender as falas de seu irmão. Nada para ele parecia dar algum crédito a Santiago.

— Jungkook foi sequestrado quando tinha seis anos, mas Santiago o achou e o levou de volta para os pais. Essa é a ponta do iceberg, Seokjin acha que Jungkook fugiu da escola e que Santiago o achou, essa é a única parte que Jeon Seokjin consegue ver.

Moveu a boca para fazer perguntas, mas sua voz não parecia querer colaborar consigo. Nada saiu.

— Santiago sequestrou Jungkook e fez alguma coisa com ele antes de levá-lo para casa. Uma criança que nunca conheceu o pai biológico, que por sinal é um mafioso, é sequestrada e quando volta, chama esse mafioso de pai e adota um comportamento diferente. Acha isso normal?

— Não.

— Seokjin disse que Jungkook voltou diferente, mais quieto, sério e muito mais observador. Disse que Jungkook voltou feliz por ter mais um pai.

— Tsc — soprou um riso forçado. — Que criança agiria assim? A maioria das crianças possuem certa relutância ao conhecer novos adultos. A situação seria traumática. Se Santiago sequestrou Jungkook e ele voltou diferente e o chamando de pai, provavelmente...

Pestanejou algumas vezes seguidas. Suas sobrancelhas uniram-se no centro de sua testa quando completou seu raciocínio.

— O que foi, Ji?

— Jungkook sonega informações, foi sequestrado por Santiago aos seis anos, possui submissão exagerada a Santiago, diz amar o pai biológico e na noite passada...

"Nada do que ele faça, eu não terei merecido."

"Porque eu o amo. Ele é meu pai, só quer meu bem."

É, claro...

Ficou de pé num solavanco e começou a andar em círculos pelo quarto. Se estivesse certo, muitas das perguntas que Taehyung tinha poderiam ser respondidas. Por que ele não pensou naquilo antes? Ainda que o sequestro não tivesse nada a ver com isso, ainda havia a relação de vítima e agressor.

Nada do que ele faça, eu não terei merecido — repetiu aquilo várias vezes em sua cabeça, finalmente compreendendo as partes que faltavam daquele quebra-cabeças.

— O que tem a noite passada, Jimin? — Taehyung colocou-se de pé também.

Cessou os passos e cravou o olhar no rosto abalado do irmão. Então, de forma clara e alta, ele concluiu:

— Jungkook pode ser vítima da Síndrome de Estocolmo.

Notas:

Olá! Esse foi um pouco menor, porém eu demorei um século para terminar de ler. Affu! 

Obrigado pelos 19k, subiu dois k dessa vez aaaaaa 

Recebi uma sugestão de proposta de uma editora, porém recusei. Por ora, não tenho intenção de tornar ODDC em algo físico, quem sabe num futuro distante? Neste momento só quero escrever fanfic mesmo. kkkk 

Eu lembro que tinha algo importante para falar aqui, mas eu esqueci, então vou encerrando aqui. kkkk 

Meu Instagram: autoravssouza_

Obrigado por tantos comentários, de verdade! Leio cada um. Fiquem bem, até sexta (farei prova de Cálculo bem na sexta kkkk)!!

Continue Reading

You'll Also Like

289K 34.7K 25
|EM BREVE LIVRO FÍSICO PELA EDITORA EUPHORIA| |EM ANDAMENTO|: Park Jimin, CEO e cofundador da melhor empresa de segurança digital do orient...
Pompeii By Nay

Fanfiction

46.2K 7.3K 29
Park Jimin tem sua vida de cabeça para baixo, após se mudar para uma casa antiga, onde muitos mistérios ficaram por debaixo do tapete. Jimin se arrep...
23.9K 3.7K 39
Megan Reese é uma garota batalhadora. Com uma infância difícil, passou por situações que lhe trouxeram traumas. Isso ocasionou em um hábitos distinto...
99.3K 14.6K 25
"O mundo lá fora não passa de uma paisagem sombria." Em um mundo apocalíptico, onde uma infecção devastou o planeta, o único meio que conseguiram par...