O Lado Mais Sombrio de Nova I...

By saraleao16

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"Uma cidade, cinco adolescentes, um assassinato. A elite nova-iorquina nunca se mostrou muito mais do que ape... More

DEDICATÓRIA
PRÓLOGO
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AVISO

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By saraleao16

Batidas ecoam pela minha porta.

-Ashley? Já acordou? – Escuto uma voz acompanhada das batidas contra a porta de madeira. 

Abro lentamente meus olhos, reconhecendo onde estou: meu quarto. 

Ainda deitada, coço minhas pálpebras como se assim fosse possível abri-las e encarar o novo dia que vinha pela frente.

-Hum? Quem... – Bocejo. – ...é? – Pergunto com a voz rouca e os pensamentos confusos por ter acabado de acordar. 

-É a Mary, querida, já está de pé? – Ela pergunta novamente.

-Não. – Respondo, finalmente me sentando em minha cama.

-Posso entrar? – Minha funcionária pergunta mais uma vez.

-Claro. – Respondo em um murmúrio quase inaudível.

-Bom dia, florzinha. Dormiu bem? – Ela pergunta simpática como sempre.

Faz não muito mais do que um ano e alguns meses que trabalha aqui em casa, mas já a vejo como uma amiga. Acho que seria impossível de não me tornar amiga de alguém tão agradável e social como ela e que eu vejo todos os dias, praticamente.

-Sim, dormi bem, obrigada Mary. – Respondo vagarosamente, ainda cansada, tateando os lençóis e tentando os afastar de mim.

-Seu pai lhe deixou um recado antes de sair.

-Ele já saiu? Acho que dormi demais... – Falei comigo mesma colocando meus pés para fora da cama.

-Ele disse que queria que hoje você almoçasse com ele no hotel. – Ela avisa.

-Qual deles? – Pergunto, já imaginando qual poderia ser.

-O da Quinta Avenida. – Me diz.

-Ah sim, o meu preferido. – Observo.

-Ele faz de tudo para agradar a senhorita. – Ela observa com um sorriso simpático.

-Faz mesmo... – Sorrio comigo mesma, agradecendo rapidamente a Deus por ter pelo menos deixado um pai tão incrível para tomar conta de mim.

-Mas agora, levante-se, vou te ajudar a se arrumar, já está quase em cima da hora. Daqui a pouco a limusine chegará e você não estará pronta. – Ela diz abrindo o meu guarda-roupa.

-Vou tomar banho, você organiza tudo para mim? – Peço caminhando até a porta do meu banheiro.

-Claro. – Ela assente e eu fecho a porta do banheiro.

Uau. O dia mal começou e eu já devo estar atrasada. 

Concluo comigo mesma.

Detesto me atrasar.

O dia estava claríssimo, tanto que iluminava todo o meu banheiro sem a necessidade de qualquer ajuda da energia elétrica.

Parece que o clima de verão ainda não foi embora de Nova Iorque, o que para mim, é mais do que ótimo. 

Céu azul, pássaros no céu, gramas de um tom vibrante de verde, sol brilhante..., isso tudo só me anima e me deixa muito mais desperta para começar bem o dia. Isso, e um banho gelado logo pela manhã. 

Ligo a ducha e regulo para uma temperatura mais fria. É bem possível que eu morra de hipotermia, mas eu preciso despertar e este é o único meio eficaz, sendo assim, lá vamos nós. 

Não demorei muito já que estava possivelmente atrasada. Quando saio do box, ainda de toalha, passo meu gloss e pego minhas pulseiras que estavam em um potinho em cima da pia. Ajeitei ligeiramente o meu cabelo castanho-dourado – não chegava a ser castanho, nem de perto meu cabelo era escuro, mas também não chegava a ser loiro loiro, era algo no meio-termo. 

Ao sair do banheiro, estou parcialmente pronta.

Mary não estava mais em meu quarto, porém, assim como havia dito, ela havia deixado tudo pronto em cima da minha cama como eu a havia pedido, ela é sempre muito prestativa.
Visto o uniforme impecavelmente alinhado e coloco o restante dos meus acessórios, deixando apenas de fora o terninho que colocaria somente ao sair de casa, por enquanto eu iria sentir calor se o vestisse. 

Assim que estou vestida e adornada da maneira como gosto, caminho até o meu closet, onde escolho um casaco de preferência. Sim, além do terninho do uniforme, sempre precisei de um casaco a mais, sou uma pessoa que sente frio facilmente, não é à toa que prefiro os meses de julho e agosto quando tudo está mais quente. Em Nova Iorque, o clima pode drasticamente de uma hora para outra, sem contar que entramos no outono já faz algumas semanas, e mesmo que ainda não seja inverno, a brisa gelada era o suficiente para me deixar arrepiada de frio.
De qualquer jeito, estarei prevenida, nunca se sabe.

Pego a minha bolsa que estava sob uma das poltronas cor sage que ficavam próximas a janela com a vista mais linda de toda a Nova Iorque, na minha opinião pelo menos.

Não trocaria por nada acordar com a visão dos exuberantes arranha-céus do Uper East Side.
Ao sair do quarto inteiramente pronta, desço as escadas da cobertura da onde moro e sigo até a cozinha. 

Sento-me em uma das bancadas e logo Janete aparece estampando seu belo sorriso.

-Bom dia, Ashley. – Diz e só agora percebo que carrega uma caneca. 

-Bom dia, Janete. – Sorrio de volto para a cozinheira experiente. 

-Já fiz o seu chá. – Me avisa com uma piscadela já prevendo que seria exatamente isso o que eu pediria a mais velha. 

-Você me conhece. – Abro ainda mais o meu sorriso, totalmente contente por poder estar bebendo um dos meus líquidos favoritos de todo o mundo.

Assopro com cautela a bebida quente, bebericando lentamente o chá, hesitante por estar muito quente e eu poder me queimar. 

Só Deus sabe o quanto eu gosto de chás. 

Na minha última viagem a Londres eu trouxe tantos tipos variados de chás que quem visse e não me conhecesse, certamente pensaria que sou maluca. 

-Janete! Está maravilhoso, sério mesmo. – Elogio-a sabendo que isso a agradaria, e é claro também, pelo fato de que estava realmente delicioso. A mesma abre um largo sorriso e assente em agradecimento. 

Como rapidamente o meu iogurte e tomo mais um pouco do chá que ainda estava fervendo.
Desbloqueio o meu celular, e, ao ver o horário, meus olhos se arregalam no mesmo instante.
-Céus! Estou atrasada. – Desligo o aparelho e desço da bancada. – Janete, por favor, você pode colocar em alguma garrafa para eu ir tomando no caminho? – Peço agitada por imaginar que iria me atrasar.

-Oh, sim, sim, claro. – Também se agita ao ver minha ansiedade em estar pronta. 

Coloco os meus sapatos e, depois de pegar meu chá com Janete, sigo até o elevador. 

Nunca demorou tanto para que este elevador chegasse ao térreo. Estava aqui a praticamente uma eternidade.

Ao chegar, corro o mais rápido que posso até o lado de fora, onde minha limusine me esperava a alguns minutos, eu aposto, não sem antes acenar para o porteiro que já me conhece e possivelmente percebeu minha pressa e liberou minha passagem antes mesmo de eu chegar até ela.

-Atrasada novamente Srta. Scott? – O cocheiro, que já é um amigo, diz abaixando o vidro ao me ver passar pela porta de entrada do grande prédio localizado no centro do Upper East Side.

-Infelizmente sim, senhor Brooks. – Concordo com um sorriso nervoso, agora, já entrando na limusine. – Acabei dormindo demais. – Explico.

-Suponho que tenhamos que ir rápido? 

-O máximo possível. – Falei acenando freneticamente com a cabeça, um sorriso envergonhado surgindo em meus lábios ao mesmo tempo que minha bochechas esquentam. 

Detesto me atrasar, é embaraçoso!

O caminho até a minha escola era relativamente curto, não muito longe de casa, apenas algumas quadras nos separavam, entretanto, o problema real era o trânsito de Nova Iorque. Se conhecem a cidade, então sabem muito bem do que eu estou falando. 

Pego, mais uma vez, meu celular que estava bolso inferior da minha bolsa que continha meus materiais.

Havia algumas notificações de sempre, e outras mensagens. Ignorei todo o resto e abri na conversa minha e da minha melhor amiga, Audrey Leblanc. 

Na mensagem, ela contava que já estava nos corredores da Marymount, procurando-me por todo canto que fosse possível. Trato logo de digitar que havia perdido o horário e por isso ainda estava presa na limusine. A referida apenas responde que vai me esperar para entrarmos juntas na sala já que tínhamos as mesmas aulas. 

Eu e Audrey somos amigas desde... bom, tecnicamente desde sempre. Nossos pais se conheceram na época da faculdade. Nossas mães engravidaram juntas e passamos a nos encontrar com frequências em jantares, festas, eventos etc. Além, do fato de que estudamos, desde o jardim de infância, nas mesmas escolas. Quando fomo para o Ensino Fundamental, mudamos de escola, e obviamente fomos para a mesma, e foi mais ou menos no sexto ano que nos tornamos completamente inseparáveis, era quase como se fossemos gêmeas siameses. Ninguém conseguia me levar para algum lugar sem que Audrey estivesse junto e vice-versa.
Eu nem sei direito como isso aconteceu, só sei que a minha ligação com Audrey é surreal. Sinceramente, não consigo explicar. Por isso que eu defendo que há sim almas gêmeas em amizades. Não sei o que seria de mim sem ela, e aposto que minha amiga pensa o mesmo. 

Em uma vida agitada como a nossa, é difícil encontrar verdadeiros amigos, pessoas de bom caráter e que não tem pretensão alguma ao se aproximar de você. 

Não querendo me gabar, mas, por nossos pais serem muito bem-sucedidos em suas carreiras, isto é, se tornaram pessoas ricas e de grande influência na elite da cidade, acabamos chamando a atenção dos holofotes, de muitos tabloides, e até mesmo de jornais, nos deixando famosas por toda a sociedade de Nova Iorque, por isso, muitos se aproximam falsamente, as vezes querendo essa fama, ou usufruir do nosso dinheiro e outras coisas maldosas. Por isso digo que é difícil se encontrar pessoas honestas, embora eu tenha certeza de que há muitas espalhadas pelo mundo. 

Audrey e sua família fazem parte dessa parcela, eu tenho certeza. Seus pais, Lauren e Robert Leblanc, são os donos do jornal mais famoso de toda Nova Iorque. Sua audiência é maior que qualquer outra, e a nenhum outro imprime tantos jornais físicos quanto o deles. Não digo isso só por ser o jornal dos pais da minha melhor amiga, mas eu afirmo com toda a veracidade que é de fato um excelente jornal, eu mesma até os leio ou assisto. Sem contar que é um dos poucos jornais que continua sendo integro o suficiente para não sair espalhando fake news. E suas matérias são totalmente imparciais com qualquer tipo de notícia, nunca os vi favorecendo um lado da história a mais do que o outro. 

O carro para e eu sou tirada de meus pensamentos, passando a prestar atenção ao meu redor.
Olho pela janela e ali está ela, a grande e poderosa Marymount School de Nova Iorque, lar dos grandes filantropos e administradores. O melhor lugar para você estudar se quiser ser um homem, ou uma mulher, de completo sucesso.
Não é à toa que eu estudo aqui. 

-Até mais, senhor Brooks. – Aceno para o homem que está na casa dos cinquenta e um pouco calvo.

-Até mais, senhorita Scott. – Acena, colocando uma de suas mãos no chapéu que usava.

Adentro os portões da imensa construção. Era realmente um lugar que exalava luxo. Tudo tinha um ar mais antigo e as pilastras pareciam ter sido feitas de mármore, o que eu não duvido nem um pouco. 

Marymount é uma das melhores e mais privilegiadas escolas de Nova Iorque, se não a mais. A maioria dos jovens da elite nova-iorquina a frequentam. Meu pai inclusive estudou aqui, minha mãe também. Foi onde eles se conheceram.

-Ashley! – Avisto uma morena de cabelos ondulados, quase completamente cacheados, vulgo, minha melhor amiga, acenas para mim. 

Audrey estava sentada em uma mesa ondulada no grande gramado que ficava no centro da escola. Todo o terreno é gigante, por isso a escola tem vários espaços. 

-Audrey! – Exclamo de volta indo em sua direção. 

A abraço fortemente e depois, sento-me oposta a ela, do outro lado da mesa em sua frente. 

-E aí? Como foi o seu final de semana? – Ela pergunta apoiando as mãos em seu queixo perfeitamente esculpido.

-Você passou quase o final de semana inteiro comigo. – Digo em resposta a ela.

-Verdade. – Ela concorda rindo.

Seu olhar, repentinamente, se torna pesado, vagaroso e irritado. Uma mistura de raiva e frustação saem de sua boca ao bufar e revirar os olhos. Franzo o cenho para a mesma, não entendo sua troca de humor tão abruptamente.

-Oi linda. – Sinto um braço em volta do meu pescoço enquanto a mesma pessoa deixa um beijo em minha têmpora.  

Acho que Audrey vai vomitar...

-Oi Jackson. – Cumprimento-o de volta sorrindo para ele. 

Meu namorado se senta ao meu lado, também de frente para Audrey.

-Como você está? – Ele pergunta segurando minha mão.

-Ótima. – Comprimo um sorriso mordendo os lábios.

-O que fez no final de semana? – Indaga mostrando-se realmente interessado o que me alegrou imensamente. 

-Bom, eu e Audrey saímos juntas. – Começo empolgada. – Fomos a um lugar incrível, sério, fizemos tantas coisas, preciso ir um dia com você lá, e... – Minha voz se dissipa ao perceber que sua atenção não se volta mais para mim e sim para o seu celular. – Jackson? – Tento chamá-lo. 

-Ah, oi linda.

-Você pode prestar atenção? Eu estava falando. – Tento esconder meu descontentamento. 

-Foi mal, é que o treinador quer nos ver antes da aula começar. – Responde já se levantando do banco ao meu lado. 

-Ah... entendo. – Não consigo mais disfarçar minha irritação. 

Jackson, já em pé, direciona-se a mim mais uma vez e deixa outro beijo em minha bochecha.
-Prometo que conversaremos mais tarde, você pode me falar do que quiser. – Ele garante o que me fez sorrir minimamente, apenas para demonstrar que aquilo o que dizia me deixava contente, o que, àquele ponto, já era indiferente para mim. Tem sido assim desde que começamos a namorar. – Tchau linda. Ah e tchau Audrey. – Despede-se da minha melhor amiga parecendo que notou sua presença somente agora. 

-Tchau... – Sorrio desanimada. 

-Já foi tarde. – Audrey murmura revirando os olhos, mas pude ouvi-la. Lanço-a um olhar repreensor. – O quê? Você sabe que eu desaprovo o relacionamento de vocês.

-Mas poderiam disfarçar, não é? Pelo menos na frente dele. – Reclamo irritada. 

-Por que mesmo você ainda namora esse idiota? – Pergunta ignorando o que eu havia acabado de falar. 

-Primeiro ele não é um idiota. E segundo, sabe que eu gosto dele e ele gosta de mim, acho que já é o suficiente. – Respondo afirmando mais para mim mesma e tentando me convencer, do que para ela. 

-Não, você não gosta dele, você está confortável com a situação de vocês. Sei o quanto detesta mudanças. – Ela contradiz. – Não quero te entristecer ou ofender, mas até mesmo você sabe que só rola atração física. Se vocês se gostassem de verdade, você ligaria para situações do tipo, mas você sempre fica tão indiferente, ele não te trataria assim. 

-Assim como? – Pergunto firme.

-Como segunda opção. Não sei se percebeu, mas você não é a prioridade para ele, desculpe se fui honesta demais, sei que a verdade pode doer as vezes, mas deve ser dita. – Fala irredutível. – Te digo isso porque me importo com você. 

-Eu sei que você se importa comigo, mas você tem que entender, é só o jeito dele... – Tento arranjar palavras para explicar a ela, mas confesso que no momento me falta.

-Ashley! – Audrey exclama fazendo com que eu a encare. – Chega. Pare de defendê-lo. Nem mesmo vocêsabe o porquê namora com ele. Ou sabe? – Pela primeira vez em muito tempo, não tenho resposta e mantenho-me calada. – Por que não acaba com isso de uma vez por todas? – Sugere. 

-Eu... eu realmente não sei, ok? Não quero pensar sobre isso agora. – Declaro.

-Você está andando em círculos. – Ela diz e se levanta quando escuta o sinal batendo.

-Então me deixe andando em círculos. Vamos para aula, depois conversamos sobre isso. – Falo enlaçando nossos braços.

-Depois não diga que eu não avisei. – Ela diz e entramos na sala de se aula.

O dia estava começando mais do que bem. A primeira aula seria de uma das minhas matérias "extracurriculares" favoritas. Debate! Precisava mesmo espairecer e descontar a minha raiva da situação com Jackson em algo, e o que melhor para fazer isso do que detonar alguém em inteligência? 

Ao adentrarmos a sala, Audrey e eu compartilhamos um sorriso em meio a um olhar cúmplice, já imaginando qual seria o próximo tema. 

Fazia quase três semanas desde que as férias havíamos retornado a escola com o fim das férias, e bom, já estávamos a todo o vapor desde a primeira semana, era perfeitamente normal que novos temas seriam discutidos e escolhidos para novas conversações estimulantes. 

Sento-me na frente de Audrey, não estávamos muito no fundo da sala, mas também não muito próximos a lousa, era, literalmente, no meio de todo aquele cômodo. 

A classe ainda estava parcialmente vazia e muitos alunos ainda passavam pela porta de entrada, parando bem ali e observando os assentos vagos, decidindo qual tomariam naquele novo dia.
Minha atenção é desviada das garotas que conversavam comigo, me perguntando sobre o meu final de semana, para uma certa pessoa que havia acabado de adentrar na sala e passado por mim, sentando-se à minha diagonal, eu continuando um pouco a frente. Olho de soslaio para ele. 

Seu cabelo castanho escuro estava bagunçado como sempre. Sua roupa irritantemente alinhada. Seus dedos preenchidos por anéis de prata, alguns possuindo uma ou outra pedraria. E seus olhos continham um tom sombrio de verde. Não duvido nem um pouco que neste momento, em sua mente, pensamentos de homicídio se passassem. 

Tá, tá bom, talvez ele não estivesse pensando agora em matar alguém, mas que já pensou eu tenho certeza.

Jacob Beaumont. Um ser humano completamente insuportável. Alguém que despeja arrogância por onde quer que vá. Sua personalidade transborda narcisismo. Seu ar superior o torna umas das pessoas mais irritantes de todo o mundo. E não achem que eu estou exagerando, oh... eu com certeza não estou exagerando.

Se convivessem com ele todos os dias de suas vidas, saberiam do que falo.

Ele é realmente alguém insuportável. Um completo babaca do nível mais extremo. Um valentão que se acha só por ser rico e ter influencia dentro dessa escola. É ridículo o quanto o temem. Completamente patético.

Ok... eu posso ter uma rixa pessoal com ele? Sim, é bem possível. 

Eu fui meio que criada para odiá-lo? Isso também. 

Ponto importante: seu pai é rival do meu. Cresci odiando tudo o que sua família fazia ou dizia.
Nunca tive um problema pessoal com eles, de não gostar do caráter ou da personalidade de seus pais, ou dele mesmo. Porém, quando Jacob passou a frequentar a mesma escola que eu, isso mudou. Descobri que não era somente as ações de seus pais que me estressavam. A partir do momento em que passei a ter que conviver com ele, entendi que nem sua personalidade salvava. Sem contar no fato de que ele tenta me detonar em absolutamente tudo que fazemos juntos. Inclusive nesta aula. 

Foi inevitável, e o que era bem possível de estar escrito nas estreles aconteceu: nos tornamos grandes rivais acadêmicos – e pessoais. 

-Bom dia a todos. Peguem seus cadernos. – O professor adentra a sala como um furacão, anunciando ordens no mesmo momento em que coloca sua maleta em cima da mesa de madeira perfeitamente adornada com detalhes minuciosos e que ficava a frente da sala.
Ele pega uma das diversas canetas que havia ali e começa a escrever algo no quadro.
Este professor é um tanto... excêntrico, mas é justamente por isso que gostam dele. Me incluindo nessa lista. 

Sou uma grande fã da sua metodologia e forma de ensino. Ele sempre faz as coisas no improviso. Sempre inovando e trazendo peculiaridades para os seus alunos. Fico curiosa ao saber que teremos um novo projeto com ele, e, pelo o que eu pude notar, ele já começou a colocar em prática seus planos. 

-Como o combinado, teremos um novo tema para o debate desse semestre. Lembrando que teremos outras discussões, porém, o tema do semestre será algo mais... algo mais profundo, entendem? – Nos olha tênue e então bate as palmas das mãos. – E por isso, dividiremos em três etapas. A primeira começará hoje, com os alunos que eu escolherei por meio de sorteio. – Alguns alunos arfam e outros se remexem em suas carteiras. – Era exatamente isso o que eu estava prevendo. – Sorri vitorioso. – Queria pegá-los de surpresa e ver como agiam sob pressão. – Suspira orgulhoso de si mesmo. – Bom. A primeira etapa será hoje, a segunda em outubro e a terceira antes do recesso de Natal, ou seja, para as próximas etapas, os alunos selecionados, terão tempo de sobra para se programarem, é só hoje mesmo que terão de improvisar. – Diz e anota os meses no quadro. – Acho que já devem ter observado o que eu escrevi no quadro, e este. – Aponta para a lousa. – Será o nosso tema. 

Esse tema...

-Britney, leia para a classe. – O professor pede apontando para uma aluna aleatória. 

- "Ainda resta amor, humanidade e bondade no mundo?" – Ela lê franzindo os cenhos ao entender qual seria o tema. 

-Ótimo, obrigado. – Ele continua ajeitando seu terno bege. – Acho que já entenderam. Teremos um na acusação dizendo que não, não há bondade, nem humanidade, ou amor restante no mundo. E o outro defenderá, falando exatamente o oposto, dizendo que sim, ainda há esperança. – Explica de forma mais lenta para que todos entendam. – Espero que estejam afiados. – Sorria diabolicamente para nós, certamente prevendo o caos que será ao pegar um aluno totalmente desprevenido, o que eu aposto ser sua intenção. – Quero algo diferente, por isso será um menino e uma menina. Não faremos mais coisas apenas entre meninas, ou apenas entre meninos. E é obvio que eu quero ver a intriga entre vocês e como reagem a ela sem perder a postura. – Diz sendo 100% transparente, talvez até um pouco demais. 

-O sr. Ross sabe mesmo como atrair a atenção de um bando de adolescentes. – Audrey sussurrou para mim erguendo-se levemente de seu acento e aproximando-se do meu ouvido.
Rio baixinho, tentando disfarçar o máximo possível.

Aposto que o sr. Ross ama quando um aluno faz papel vergonhoso no púlpito da sala, mas também acho que a intenção dele é nos preparar para as situações mais diferentes e insanas, como eu disse, ele é meio excêntrico. Segundo ele, temos que estar preparados para tudo, a qualquer momento.

-Já fiz uma caixinha com o nome de todos, certo? – Todos assentem. 

De repente, a uma tensão no ar, tudo ficou um pouco mais pesado, todos estão levemente temerosos e ansiosos quanto a escolha do professor, mesmo que por sorte, de quem serão os touros ao matadouro deste semestre. 

-Primeiro as damas. – Ele pega uma das caixas que havia trazido em sua maleta. 

Olho receosa para Audrey. Ela comprimia os lábios, os franzindo levemente enquanto negava com a cabeça, acho que não queria debater sobre este assunto, o que eu achei estranho, já que, conhecendo minha melhor amiga, sei o quanto gosta de debates.

Audrey e eu, no ano passado, fizemos parte do clube de debates, e, como o esperado, trouxemos um lindo troféu do torneio que tivemos com as outras escolas de Nova Iorque. Por isso, não entendi o porquê de ela não querer participar justo agora. De qualquer jeito, eu espero ser sorteada. Achei o tema extremamente relevante e interessante, e espero com sinceridade ser a escolhida. Suponho que este seria um tema no qual eu teria grande facilidade.

-A nossa dama escolhida será... – Ele abre o papel minúsculo e força seus olhos os semicerrando para enxergar o que havia escrito ali. – Ashley Scott. – Sorri com a minha sorte.

Os olhares da turma se voltaram imediatamente para mim. Todos sabiam quem eu era e o quanto eu gostava dessa matéria. 

O sr. Ross nos acompanhou no clube de debate, e ele inclusive, já treinou com Audrey e eu, acho que foi por isso o seu sorriso, me conhecendo e sabendo que eu faria de tudo para vencer quem quer que fosse o meu oponente. 

Ouvindo meu nome, foi impossível não sorrir e me gratificar. Fui escolhida! Justamente o que eu tanto queria. 

Agora, eu só quero saber quem será o meu adversário, e que Deus o ajude, vai precisar

Sorrio internamente com tal pensamento. 

-Agora, o nosso cavalheiro... – Pega um papelzinho da outra caixinha. – Hum... interessante. – Diz analisando o nome e criando um suspense ainda maior entre todos da sala. – O outro nome é: Jacob... Beaumont! – Anuncia sorrindo perversamente. 

Meus olhos arregalados me delatam, foi inevitável não expressar nenhuma reação ao ouvir o nome dele sair belos lábios do meu professor. A incredulidade e a indignação estampadas claramente por toda a minha face.

Mas o que mais me irritou foi escutar uma risada nasal debochada vinda de Jacob atrás de mim.
Olho em sua direção, ele estava desleixadamente posicionado em sua cadeira, uma das mãos no bolso da calça e o terno do uniforme agora aberto, contudo, continuava demonstrando superioridade e elegância. 

É sério que esse cretino está rindo? É sério que terei de ir contra... contra ele?!

Olho para o sr. Ross, porém, ele também continha um sorriso de canto como se estivesse amando toda essa confusão. 

Desconfio que até mesmo os professores soubessem da nossa rixa interna e para nos provocar mais, nos colocavam juntos, o que se fosse verdade seria muito infantil da parte de adultos respeitáveis como eles. Bom, que o restante dos alunos sabia, eu já tinha certeza. Muitos presenciaram nossas brigas publicas, ou nossas competições sutis, se não soubessem, desconfiaria de que eram cegos.

A pior parte é que eu sei que levaremos tudo isso para o lado pessoal, sempre levamos..., mas, sinceramente, não me importo, tudo o que eu almejo é ganhar e esfregar minha querida vitória em seu rosto presunçoso. 

Ok, isso também foi infantil de se dizer.

Audrey cutuca meu ombro como se dissesse que estava ciente do que eu estava pensando em relação ao meu oponente. Ela sabia o que estava preste a acontecer. E, como minha melhor amiga, conhecia muito bem toda a história dessa rivalidade e de como isso se iniciou...

Anos atrás, na época de faculdade do meu pai, ele tinha um amigo, Joseph Beaumont, sim, o pai do Jacob. Meu pai, Edward, e Joseph eram melhores amigos, como irmãos mesmo. A minha família praticamente acolheu Joseph já que havia saído de seu país natal, França, para começar uma nova vida na terra da oportunidade, e escolheu justamente a cidade mais promissora: Nova Iorque, onde rapidamente ingressou na faculdade, a mesma que meu pai, e daí, uma grande amizade surgiu. Ambos cursavam administração e, como todos que fazem esse curso, eram bem ambiciosos, alguns mais do que outros, como era o caso de Joseph, homem interesseiro e oportunista. 

Quando se formaram, estavam cheios de planos juntos, planejavam construir um império como Nova Iorque jamais havia visto, nessa época meus pais já estavam namorando.
Mesmo com muitas lutas e sacrifícios, meu pai e Joseph abriram o primeiro hotel da nossa rede. Demorou um pouco, mas depois de dois anos, o hotel começou a ficar popular, muito popular.
Em quatro anos precisaram expandir; compraram outro terreno e começaram a construção do seu segundo hotel na cidade. 

Passaram a se tornar grandes na cidade. Todos já sabiam quem eram e qual era o nome de sua rede hoteleira. 

Quando meus pais se casaram, eles já possuíam oito hotéis espalhados pelos Estados Unidos, todos nas principais cidades turísticas: Los Angeles, Las Vegas, Chicago, Seattle, Boston, São Francisco, Washington DC e as duas unidades de Nova Iorque.  Pensavam até mesmo em alcançar a Europa, construindo um hotel na França, em Paris, cidade-natal de Joseph, ou na Inglaterra, em Londres. 

Contudo, todos os seus planos foram descartados com o anúncio de que Joseph sairia da empresa. Foi um choque para todos, não só para o meu pai, mas também para a mídia que, a este ponto, já os observava e filmava cada passo dos jovens empresários.

Joseph dizia que estava a procura de algo diferente, precisava de novos ares, e que inclusive desejava voltar a sua terra para começar algo por lá, abandonando Nova Iorque e a empresa, descartando a amizade com Edward. Entretanto, meu pai aceitou e desejou sorte para o amigo de longa data que agora estaria do outro lado do oceano.

A separação dos dois foi tranquila, não teve polemica ou qualquer coisa do tipo, e ambos estavam felizes, até mesmo meu pai, acho que ele até gostou de estar comandado a empresa sozinha, embora, agora, o trabalho fosse ser em dobro.

O real problema começou após oito meses da partida do Beaumont.

Repentinamente uma nova empresa hoteleira surgiu no ramo, e que ganhou grande credibilidade, principalmente pela fama do dono: Joseph Beaumont. O homem voltou para Nova Iorque e a criou, mas não foi só isso. Joseph começou a difamar completamente o nome da minha família. Espalhou boatos tão horrendos que eu não seria capaz de repeti-los. Mentiu sobre os negócios do meu pai, afirmando que ela era pilantra, um canalha que dava golpe em seus sócios e filiados, o que era a maior invenção! Meu pai jamais tocou em algo que não fosse legalmente dele. É a pessoa mais honesta que eu conheço, tanto que nunca faz um negócio sem testemunhas o suficiente para ter um álibi de que sim, estava sendo justo e sincero sobre suas promessas e falas na hora de assinar o contrato.

Mais tarde, meu pai descobriu um desvio de verba e que caia diretamente na conta de Joseph, ou seja, ele roubava da própria empresa e colocava uma parte a mais em seu bolso, foi assim que conseguiu construir tantas unidades novas em tão pouco tempo e sair como vítima de toda essa situação.

Obviamente meu pai conseguiu se reerguer, mas o sentimento de traição, a lembrança de todos da mídia o acusando e o julgando, as ameaças que fizeram a ele, à minha mãe e até mesmo a mim que tinha apenas umano de idade, jamais iriam sairiam de sua memória.

Daí, surgiu a grande rivalidade entre os Beaumont's e os Scott's. Sempre medindo força, sempre medindo lucro e fregueses. Um tentando ser maior que o outro. Um empate estava fora de cogitação.

Hoje em dia temos unidade na Europa, na América e na Ásia, meu pai, inclusive, pretende expandir para a África nos próximos três anos.

Porém, Joseph também cresceu, e ele tem quase tantas unidades quanto nós.

A pior época é a que se aproxima: o Natal. Fim de ano, muitos turistas, cidade cheia. Clima perfeito para uma disputa de metas até que o ano se acabe. O caos se instaura completamente nas empresas. Já ajudei meu pai diversas vezes em planos de marketing e, sempre que posso, faço publicidade para ele, principalmente por ser uma espécie de figura pública e que pode influenciar, e muito, as pessoas.

Eu não julgo nem um pouco o meu pai por fazer o que pode para ultrapassar seu rival. Não foi ele quem difamou o melhor amigo, quem traiu a confiança e roubou. Neste caso, meu pai foi sim a vítima da situação. Sei que faz tudo por nós, por mim, principalmente depois da morte da minha mãe.

Basicamente, foi tudo isso o que aconteceu. Essa é a razão da nossa rivalidade e ódio. Sei que estavam curiosos e não enrolaria demais para lhes contar.

Por isso digo que não daria para mudarmos o rumo que as coisas tomaram entre Jacob e eu. Aposto que seu pai conta uma versão completamente diferente da história para o filho, e por isso o mesmo me odeia.

-Por favor, senhores Scott e Beaumont, subam ao púlpito, começaremos imediatamente. Não queremos perder tempo, certo? – O professor avisa tirando-me do meu transe e suspirando levemente hesitante, não por Jacob, dele eu não tenho medo algum, nunca conseguiu me intimidar, mesmo com todas as tentativas. Senti um leve receio ao tentar encontrar meus argumentos.

-Ah, quase me esqueci, quem será o quê? – O professor diz colocando a decisão em nossas mãos.

Olho de soslaio para Jacob e ele da de ombros.

-As damas primeiro. – Coloca as mãos na calça jeans preta e me encara com um sorriso ladino, talvez irônico.

-Srta. Scott? – O professor pergunta querendo saber a minha decisão.

-Defenderei a humanidade. – Respondo convicta da minha decisão.

O Beaumont sorriu de canto, mordendo a boca internamente e soltando uma risada nasal. Parecia que esperava minha resposta, como se aquilo fosse muito previsível para ele.

Por que raios ele sempre age assim?!

Sempre como se estivesse no comando, no controle de tudo. Como se cada mínimo coisa que acontecesse em todo o mundo fosse porque ele permitiu.

Como se a minha decisão tivesse sido planejada por ele... se ele pensa assim, então é ingênuo.

Quando é que Jacob entenderá que ele não controla nada e muito menos a mim?!

Babaca.

Eu escolhi esse tema porque se assemelha com o que eu penso e com a minha ideologia. Já conheci muitas pessoas extraordinárias e puramente bondosas. Que jamais esperaram algo em troca. O que é um ponto a mais para a humanidade. Há tantas coisas que provam que temos gentileza dentro de nós. E eu quero mostrar isso, quero que todos percebam e compreendam o que eu tento falar.

-Beaumont, o senhor então estará do lado oposto. Cada um tem cinco minutos para falar. – O Sr. Ross exclama, rapidamente se afastando de nós, até parecíamos que éramos uma bomba-relógio, prestes a explodir a qualquer minuto, causadora de caos, perigosa... bom, talvez fossemos uma bomba-relógio, somente ainda não tínhamos completa noção disso, ou de quais consequências poderíamos causar juntos.

Seus olhos esmeralda se encontraram com os meus que tinham a coloração exatamente igual ao do meu pai, na verdade, isso é praticamente a única coisa que eu puxei dele, já que todos sempre me dizem que eu sou a cópia idêntica da minha mãe, bom, pelo menos os olhos azuis-gelo são do meu pai.

Ok, é o seguinte, eu não gosto de me sentir intimidada, muito menos me sentir intimidada por ele; amo a minha autoconfiança e a minha postura, mas ficava difícil permanecer com a cabeça ereta sendo observada dessa forma por Jacob.

Alguém, por favor, manda ele parar?

-A acusação começa. – O professor declara atraindo a atenção de todos ali. – Quando quiserem... – Estende a mão em um sinal para ficarmos à vontade, o mais velho coloca seus pés em cima de outra cadeira ali, o deixando mais confortável para o "espetáculo" preparado por ele mesmo.

Jacob retira suas mãos dos bolsos e caminha até de trás de seu púlpito, apoia suas mãos nele aparentando estar calmo e relaxado – até demais – com esse debate.

-Serei claro e direto: em primeiro lugar, a humanidade é uma droga. – Começa objetivo assim como tinha dito o que vai ser. Vejo o Sr. Ross erguer as sobrancelhas expressando que foi pego de surpresa pelas duras palavras de Jacob. – Ela é egoísta, fria e cruel. Ela não se importa se você é uma criança, um jovem, um adulto ou um idoso, ela vai te massacrar de qualquer jeito. As pessoas são egoístas e arrogantes, farão de tudo para alcançar seus objetivos e elas não ligam se isso quer dizer machucar quem ama ou simplesmente quem está ao seu redor. Elas farão, não duvidem disso. – Pausa dramaticamente.

É obvio que você sabe sobre isso, não é Jacob? Seu pai traiu, mentiu e roubou para alcançar o objetivo dele, passou a perna nos próprios amigos. É mais do que certo de que você entende isso! As vezes até me preocupa o fato de você dizer isso de forma tão orgulhosa seu ignorante.

-A corrupção, as guerras, os acordos, os contratos, tudo é feito para que alguém seja o mais poderoso, e que possua mais lucros, mas assim que alguém alcança esse patamar, outro chega tentando destroná-lo. – Ele diz retomando seu pensamento enquanto anda pela sala, saindo de trás do púlpito e se aproximando dos de mais alunos e assim, estabelecendo uma conexão com eles, como se fosse uma conversa de igual para igual.

Essa tática é antiga, mas clássica e boa.

Era até previsível que ele usaria isso – eu usaria – para convencer nossos colegas, que no caso também são o júri, afinal, nossos debates são decididos pelos próprios ouvintes.

-Eu, infelizmente, não consigo ver essa tão famosa humanidade que todos dizem para termos esperança. Pessoalmente, ela não tem mais concerto. Tudo o que vemos é tão falso, tudo para que em seu olhar seja perfeito, tão superficial e fútil. Apenas fingimento. Tudo tão calculista. – Não sei por que, mas em sua última frase eu senti que ele realmente acreditava fielmente nisso, não era mais um personagem formado para defender o que lhe foi escolhido, era o que se passava dentro dele, como se acreditasse que nada pudesse mudar.

Fiquei com pena dele por não poder ver de outro jeito.

-Contra fatos não há argumentos. É só olharem ao seu redor, simplesmente observem. – Coloca a mãos nos bolsos novamente, deixando o blazer do uniforme um pouco amassado. – É isso. – Ele diz por fim andando de volta para detrás do seu púlpito ao meu lado.

Antes que eu fale qualquer coisa nos entreolhamos novamente, ele e aquele seu olhar amedrontador e sorriso cínico, e que sumirão em breve, podem ter certeza.

Ajeito a minha saia e entrelaço os dedos um no outro, agora, encarando a minha sala.

-Em defesa à humanidade, eu queria começar dizendo que o Sr. Beaumont está completamente equivocado. – Ele cruza os braços em seu púlpito e olha de soslaio para mim, como se me desafiasse a continuar. – Sim, é fato que todos sempre querem mais lucro, querem alcançar seus objetivos, mas esse é só um lado da história. Há tantas perspectivas, tantos pontos de vista. É impossível queremos generalizar sem saber tudo o que se passa. Ainda existe esperança no mundo. – Ao dizer isso, Jacob solta uma leve risada sarcástica. Ignoro e prossigo. – A prova está nas simples coisas da vida, do nosso dia a dia. Por exemplo, há alguns projetos que eu e alguns colegas temos feito nas escolas do Bronx. Pessoas que não querem lucro nenhum, que não se importam com dinheiro, que não querem nada além de ajudar, estão lá, todos os dias, trabalhando firmemente e se voluntariando para poder dar uma vida melhor para aquelas crianças. Para que possamos providenciá-las um futuro melhor. – Percebo que consegui prender a atenção dos meus colegas.

-Por favor Ashley, todos sabemos que trabalhos beneficentes, hoje em dia pelo menos, são para atrair a atenção das pessoas. É algo falso! Não passa de marketing barato. Tudo pela mídia. Como eu disse, algo que sempre espera algo em troca. E se não esperam é porque já têm tudo o que precisam, ou seja, continua sendo falso, apenas para causa uma boa reputação. – Ele diz em tom sarcástico me encarando firme. E o mais surpreendente, foi ele ter me chamado pelo primeiro nome, o que é muito raro. – O mundo não foi criado com igualdade e amor.

-Sim, ele foi. Até que alguém veio e decidiu que queria ser melhor. – Rebato o fuzilando com o olhar. – Você quer mais provas da humanidade, Jacob? – Pergunto firme. – Está bem então, Beaumont, eu te dou. Outra prova é o amor que nossos pais têm por nós. Não sei como é a relação com os pais de vocês, mas eu conheço a de alguns amigos, e tenho certeza de que seus pais morreriam por eles. Fariam de tudo para nos ver bem, nos ver seguros. Eles foram ensinados a nos amar? – Me viro para Jacob, perguntando explicitamente a ele. – Foi uma decisão? Ou é incondicional? Esse é o tipo de amor genuinamente puro, sem segundas intenções. Nossos pais são completos por simplesmente nos terem. A partir do momento em que nos seguram na maternidade, eles nos amam. É instantâneo. As dores do parto somem. Os momentos de dúvidas acabam. Tudo para, e é apenas aquele bebezinho que importa. Incrível como algo tão pequeno pode engatilhar um amor tão avassalador. – Exclamo com emoção para tentar atrair a parte sentimental dos presentes. – Vocês já viram o olhar de uma mãe ao carregar seu filho pela primeira vez? É lindo. Algo que nos enche de pura alegria e amor. Eles nos amaram antes mesmo de nos conhecerem, quando ainda éramos fetos. E existe muito desse amor por aí, disposto a ajudar, a servir, a doar. Há missionários espalhados pelo mundo ajudando inúmeras pessoas. Programas de enfermagem ajudando em zonas de guerras. Ou até mesmo ações filantrópicas como as daqui de Nova Iorque, disponibilizando recursos para instituições. E não Jacob, nem todos esses projetos são egoístas como você descreveu. E, ainda mais, você sabe o que eles têm em comum? – Ele apenas continua me encarando. – São voluntários, de completa, livre e espontânea vontade. Isso se chama empatia. – Recupero o folego depois de dizer tudo o que tinha para dizer. – Nada mais a declarar.

Me sentia tomada pela adrenalina. Meu coração palpitava, minha respiração estava inconstante e eu ofegante. Tirei aquelas palavras do meu mais íntimo e de coisas que eu acreditava plenamente. Espero que isso os convença.

O Sr. Ross começa a bater palmas e os alunos o acompanham.

-Os dois foram expendidos! – Elogia. – Estão de parabéns, porém, não teremos um veredito ainda. – Ele se apressa a dizer o que me desaponta de certa forma, mas nada que não fosse ultrapassado pela alegria de ter feito um discurso maravilhoso sobre o que eu acredito e ainda ter ido contra Jacob, isso será impagável. – Estão dispensados, na verdade ultrapassei um pouquinho o tempo, mas isso estava muito bom então ignorei, só que agora corram para suas próximas aulas, antes que venha algum professor perguntando por que seus alunos não estão em suas respectivas salas. – Diz ao se levantar e todos pegam apressadamente seus materiais, todos tentando chegar a sua próxima aula o mais cedo possível por já estarem atrasados.

-Ash! – Audrey esbarra em alguns alunos que saiam tentar chegar até mim. – Você foi muito bem, sério. Que ridículo que não tivemos vencedor ou perdedor, você teria vencido sem dúvidas! – Exclama pegando em minhas mãos e as apertando levemente ao tentar demonstrar toda a sua emoção, apenas rio da minha melhor amiga.

-Acha que o Beaumont foi bem? – Pergunto em um sussurro, envergonhada por estar perguntando isso.

-Sabe que eu odeio admitir isso, contudo, ele sabe como argumentar, porém... é mais do que transparente que ele não tem lábia o suficiente e que seja páreo para você. Olha, isso fica só entre a gente, ok? – Assinto relutante com a sua pergunta repentina. – Mas se você ficar insegura e achar que vai perder, eu posso dar um sumiço nele por você. – Ele sugere sorrindo ladino da forma mais maquiavélica possível. Rio negando com a cabeça das idiotices que Audrey fala. As vezes fico realmente com medo dela. Não sei distinguir se o que diz é completamente brincadeira ou é de fato algo que ela faria.

-E como exatamente faria isso? – Pergunto erguendo uma das sobrancelhas após me recuperar da crise de risos.

-Eu tenho meus métodos... – Pisca para mim.

-Acho que anda assistido programas criminais demais. – Arregalo os olhos dando ênfase na afirmação.

-Já ouviu falar em assassino de aluguel? – Ela pergunta se aproximando um pouco mais de mim.

Céus, será que ela tem mesmo o contato de um assassino de aluguel? Sabe, eu não duvidaria, nem um pouco, principalmente de uma pessoa como ela.

Assinto para a pergunta dela.

-Então... eu sou uma. – Ela afirma.

Ok, isso só está indo de mal a pior... e eu não consigo parar de rir.

-Audrey, meu Deus, que doentia. – Rio mais uma vez da minha melhor amiga. – Para de brincar. – Ela permanece séria. – É brincadeira, não é? Audrey do céu, pelo amor de Deus...

-Calma! É brincadeira. – Ela ri ao pararmos na porta da sua próxima aula. – Ou não... – Ela da de ombros e antes que eu diga qualquer coisa ela entra na sua aula.

Por Deus, essa garota é louca! Mas é a melhor louca que eu poderia querer.

Sigo rindo para a minha sala. Estava atrasada, mas bom, neste caso eu poderia culpar o Sr. Ross.

O meu riso cessa imediatamente ao esbarrar no peito de alguém.

Ergo levemente o meu queixo para cima, sendo agora possível observar a figura na qual esbarrei.

-Scott.

-Jacob. – Retribuo o olhar frio do mesmo.

-Acho que já deveria estar em sua sala.

-Posso dizer o mesmo de você.

-Ah..., você sabe que eu não sou como você, não preciso ficar assistindo essas aulas patéticas. – Seu tom superior me irritou até os ossos.

-Perdão se eu não quero ser uma fracassada... – O observo de cima a abaixo. – Bom, melhor eu já ir indo. – Sorrio cinicamente dando as costas para ele.

-Até que, para uma Scott, você foi... mediana no debate. – Ele diz, suas mãos em cada bolso, percebo que havia se virado e agora conseguia me observar.

-Seu ego é tão baixo que não consegue elogiar alguém a não ser a si mesmo? – Viro-me para o mesmo, rapidamente encontrando aquele par de olhos esmeraldas.

-Eu não elogiaria você.

-Então admite que por causa do seu orgulho você não me elogia, já que eu claramente fui melhor do que você?

-Eu nunca disse isso.

-Bom, foi o que soou.

-Você é muito pretenciosa, Scott.

-E você arrogante, Beaumont.

-Acho que o papai não vai gostar de saber que anda falando tanto com alguém como eu, por que não volta correndo para as suas amiguinhas? – Seu tom debochado ferve o meu sangue.

-Vá para o inferno. – Digo calmamente sem quebrar o contato visual, sem piscar, sem conseguir me desvencilhar daquele lugar.

-E deixar você aqui sozinha? É... vou passar. Atormenta-la vale muito mais. – Seu sorriso ladino se faz presença mais uma vez.

-Obrigada por todo o carinho e atenção, Jacob, mas agora eu tenho que ir. Até a próxima conversa revigorante. – Dou mais um dos meus sorrisos falsos e o mesmo se mantem impassível. – Tchauzinho. – Aceno enquanto viro-me novamente e sigo caminhando pelos corredores.

Argh! Que idiota. Que raiva.

Ele é um completo babaca para falar daquela forma comigo. Quem ele pensa que é? Por que precisa ser tão estúpido?!

Nem sei por que ainda esperava diferente, ele é um Beaumont, essa é a forma natural dele, ele nem deve saber o que é ser gentil.

Mas ele vai ver, o vencerei nisso, quebrarei seu ego e mostrarei quem ele deve respeitar.

Ah Jacob... você não perde nem um pouco por esperar...






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