Lembro-me como se fosse hoje o dia do nascimento dos meus primeiros filhos, foi um dia de muita tensão para mim e ainda mais para Michela que urrava de dor a cada contração que vinha, mas eu estava ao seu lado, segurava sua mão com força a deixando segura e mostrando que não estava sozinha.
O semblante de sofrimento da mulher durante o parto me despedassava inteiro, na minha percepção não era justo ela estar passando por tudo aquilo sozinha já que estava dando a luz aos nossos filhos, de nós dois, não somente dela. A falta de lógica da situação me fez entrar em uma crise existencial intensa, na qual eu me questionava o porquê só ela estar sofrendo se eu também fazia parte daquilo, as crianças também eram meus filhos e portanto a dor física teria que ser de nós dois.
Apesar de estar ali me sentia impotente e inútil, tendo em vista que minha única função era segurar sua mão e a assistir sofrer para que meus dois primeiros filhos nascessem saudáveis. Em contrapartida, apesar de toda a inconstância mental que a situação me trouxe eu estava perto de Michela, quando nos olhávamos eu conseguia identificar que apesar de tudo que estava vivendo a mulher se sentia segura, sabia que não estava sozinha e que eu não sairia do seu lado, ela tinha consciência de que a dor que nela era física em mim era emocional, a ver naquele estado fazia meu coração se contrair e eu só mantive minha força por ela e por eles.
Quando penso que Lorena passou por todas essas fases sozinhas a culpa que senti a 19 anos atrás no parto de Michela volta com o peso de uma âncora em meu peito três vezes mais pesada.
Quando minha filha chutou pela primeira vez eu não estava ali, e quando a sua primeira ultrassom foi feita eu não estava ali. Eu não estava ali nos primeiros centímetros de dilatação, não ajudei a montar seu quarto rosa e tampouco comprei sua saída da maternidade, quando sua mãe estava em uma cama de hospital chorando para tê-la eu já estava na Itália e sequer passava pela minha cabeça que um anjo denominado Serena estava sendo concebido.
Dói ainda mais quando me lembro que não ouvi teu primeiro choro, vi teu primeiro sorriso, a ajudei a dar seus primeiros passos e também não a assistir ploriferar suas primeiras palavras.
Quando Lorena a agarrou em seus braços como uma leoa não havia medo em seus olhos, ela alinhou Serena em seu colo em pleno estado de alerta e qualquer um que ousasse encostar na criança naquele momento pagaria por isso. Todos seus instintos foram acionados e naquele momento eu enxerguei que a menina que eu conheci a quatro anos atrás não é mais a mesma, mas em contrapartida eu notei aquela garota escondida em algum lugar dentro dela, foi um misto de passado e um presente do qual eu não imaginava.
Dou uma pousa nos meus devaneios e olho para o meu relógio e me assusto com a hora, se eu não sair logo irei me atrasar. Chamo Antonela que logo aparece no meu campo de visão, juntos saímos do apartamento as pressas, assim que entramos no elevador a jovem aperta o botão da garagem e a grande caixa de metal começa a descer.
— Está ansioso papa?
— Um pouco – respondo.
— Hoje vai ser o seu primeiro encontro com ela depois de três anos.
— Nela isso não é um encontro – saliento — Vamos sair com você e a Serena pra eu começar a criar um vínculo com sua irmã caçula.
— Está feliz paizinho?
— Muito – confesso — Eu só quero ficar perto da minha filha, compensar cada segundo que passei longe dela.
— Serena tem sorte em tê-lo como pai – fala Antonela fazendo com que eu me sinta ainda mais feliz — Digo com total propriedade que o senhor é o melhor pai do mundo.
A puxo para um abraço e a porta do elevador se abre, caminhamos até o carro e eu entro no lugar do motorista sentando-me e me surpreendo quando observo Antonela se sentar no bando de trás.
— Porque não se senta na frente? – questiono antes de dar partida.
— Quero ficar mais perto da minha irmãzinha – exclama com a voz divertida — E consequentemente te deixar mais perto da mãe dela.
— Antonela! – repreendo-a.
— O que é? – pergunta entre risos — Se não sairmos daqui logo vamos nos atrasar ainda mais, já são 14h.
Dou partida com o carro tentando ignorar as declarações da menina que ri e no banco de trás de todo meu nervosismo aparente.
Logo começo a dirigir pelas ruas de Milão e em pouco minutos já estou em frente o hotel em que estão hospedadas, Lorena e Serena que já nos esperavam do lado de fora caminham até o automóvel. Desço do carro para cumprimenta-las e minhas mãos começam a soar conforme as duas se aproximam, o coração está acelerado e as pernas bambas.
Quando estão próximas a mim pego a pequena no colo a dando um demorado beijo no rosto, em seguida abraço Lorena e todo meu corpo se arrepia com a nossa aproximação.
Caminho até o banco traseiro e abro a porta, sento a pequena na cadeira infantil que fiz questão de providenciar e a acomodo ali. Antonela logo começa a brincar com a criança e eu dou a volta no carro abrindo o banco carona para que a morena sente-se e assim ela o faz. Colocamos o cinto de segurança e nos entreolhamos cada um com um sorriso no rosto, logo ela desvia o olhar abaixando o rosto tímida e ali fico a observando e pela primeira vez enxergo nela a mesma inocência da menina que apareceu na Costatine suada com o almoço do seu pai em mãos.
— Papa? – ouço a voz de Antonela mas é como se meu corpo tivesse entrado em transe — Papa!! – exclama mais uma vez e finalmente desvio minha atenção a ela — Sei que a Lorena está deslumbrante, mas eu e a Sisi estamos famintas.
— Antonela! – chamo sua atenção totalmente constrangido — E quem é Sisi?
— Sisi é a minha irmã – olho para a criança que gargalha gostosamente de toda a situação — Você adorou ser chamada de Sisi, não é? Não é? – Nela brinca com a pequena enquanto faz cócegas na mesma.
Lorena ri da situação e eu finalmente arranco com o carro. A interação entre Serena e Antonela me deixa ainda mais animado, as duas parecem estar se dando bem e isso era tudo que eu mais almejava para hoje.
Logo paramos em frente à um restaurante ao ar livre, todos descemos do carro e andamos em direção ao estabelecimento. Checo minha reserva com a Hostess e enfim caminhamos até a mesa que escolhi, observo Lorena vislumbrava com o ambiente e comemoro internamente o sucesso que tive com a escolha do lugar.
Todos nos acomodamos na mesa e Serena é colocada na cadeira infantil pela mãe, então o garçom se aproxima e permito que a capixaba olhe o cardápio primeiro para que possa esolher o que mais lhe agrada.
— E então? O que vai escolher pra nossa entrada? – pergunta observando-a.
— E-eu não falo italiano. Não entendo nada que está escrito aqui – confessa tirando uma gargalhada de mim e Antonela — Mas se houver alguma salada talvez seja o ideal.
Faço o pedido para o garçom e para acompanhar um vinho branco. Com minha visão periférica noto o olhar da morena fincado em mim enquanto falo, isso me deixa tenso mas tento manter a postura e logo o garçom se vai.
— Você gosta de saladas Serena? – questiono a pequena que antes estava entretida com Antonela.
— Pizza! – responde tirando uma risada de todos presentes.
— Acho que isso responde bem minha pergunta – exclamo — Então esse será nosso prato principal hoje, pizza.
— Mas agora são quase 15h da tarde Luigi – indaga Lorena com a voz calma.
— Não há hora para comer pizza na Itália Bela Lorena – nesse momento nos entreolham e uma tensão aparece no lugar.
— Mamãe, quero blincá – externa a pequena apontando para crianças que brincam próximas ao chafariz do restaurante.
— Claro, vamos com a mamãe..
— Pode deixar que eu a levo – interrompe Antonela — Fique aqui Lorena, talvez vocês tenham alguns assuntos pendentes.
Começo a tossir diante a declaração de minha filha, a mesma pega a irmã no colo e sai da mesa deixando-nos sozinhos em uma situação bastante constrangedora.
— Me desculpe por Antonela, as vezes ela é mais transparente do que o necessário.
Lorena começa a rir me deixando ainda mais desconcertado.
— O engraçado é que Serena tem exatamente a mesma sinceridade – exclama sorridente.
— Então provavelmente isso é uma herança da minha família – afirmo de forma descontraída — Isso é uma característica muito aflorada da minha mãe.
— É bom depois de tanto tempo ver em você características que ela carrega.
— Ela também tem muito de você – falo encarando-a — A doçura, o andar.. O olhar.
— Não – discorda surpreendendo-me — O olhar é nosso. Sempre costumo dizer que aquele verde é uma mistura do meu castanho e do seu azul.
— Realmente – concordo — Ela parece carregar o que há de mais bonito em nós dois.
— Durante toda minha gravidez a enxergava como um erro, fruto de uma traição.. uma bastarda – suas palavras atingem como um raio — Mas quando a vi pela primeira vez notei o quanto estava errada, quando aqueles olhos verdes olharam para mim eu vi você, vi você no tom pálido de sua pele, no nariz arrebitado e na forma singela em que ela conseguiu fazer com que todos se apaixonassem por sua simpatia e na presença marcante que tem em todo lugar que chega – a capixaba olha para baixo e respira fundo parecendo buscar mais palavras — Com o passar do tempo percebi que o fruto de um amor intenso e tão visceral não podia ser menos do que ela é – nesse momento ela lança seu olhar em minha direção — A Serena é o resultado mais lindo que podíamos ter de tudo que vivemos juntos, ela carrega em si todo amor, toda doçura e toda intensidade que temos.. ou melhor, tínhamos.
— Nós temos – afirmo — Serena é um laço inquebrável, se lembra? – pego o braço da morena levo minha mão até seu pulso, local que marquei sua pele a três anos atrás — Quando eu escrevi isso em seu braço afirmei que não importa o que acontecesse e quanto tempo se passasse, o que sentíamos um pelo outro nunca iria se desfazer e nossa filha é a prova disso.
Nesse momento um contato visual inquebrável começa, pego na mão de Lorena e a menina parece estática. Mesmo a centímetros de distância consigo ouvir seu coração tão acelerado quanto o meu, não estou em frente um espelho mas imagino o quão corado meu rosto deve estar agora.
Todo meu corpo está entorpecido e não vejo mais nada externo do ambiente além dela, levo a mão até o seu rosto colocando uma mecha de cabelo que antes estava ali atrás de sua orelha totalmente enfeitiçado pelo rosto que marcou minha vida e do qual nunca consegui esquecer.
Nosso transe é quebrado quando uma voz infantil gradativamente se aproxima de nós.
— Mamãe, mamãe – Lorena desperta imediatamente e transfere sua atenção a pequena — Pizza, pizza!
Antonela corre atrás da menina em passos largos para não perde-la de vista.
— Filha, agora são 3h da tarde – resiste a capixaba.
Pego a criança no colo e começo a balança-la. Ela gargalha fazendo meu coração se aquecer.
— O sangue italiano corre por suas veias bambina – falo enquanto ela ri — Você mesmo minha filha.
— Mamãe é Lolena – indaga.
— Logo logo você vai entender – digo dando-a um beijo demorado na bochecha — Vou pedir a maior pizza desse lugar para você.
— Pizza! – comemora levantando seus pequenos bracinhos tirando uma gargalhada de todos os presentes.
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Gente. Me desculpem de verdade, me sinto MUIO fracassada quando o bloqueio me pega desse jeito.
Não desistam de mim e tampouco de SFOGARSI, falta pouco para o fim dessa história e me comprometo a termina-la nesse novo mês que se inicia. ❤
Amo vocês. E mais uma vez, desculpa.