blue boy, gilbert blythe

𝟎.𝟏𝟗 'latente

então quando se sentou ao meu lado e sorriu para mim, pude perceber que talvez eu não estivesse apaixonado apenas pela sua energia. ela acariciou as minhas costas cobertas pela camisa fina e deslizou os dedos pelo colete. deixou a mão ali, brincando com a barra.

aquele era o meu interlúdio², sabia disso — e torcia para que aquilo durasse eternamente; sem pausas ou novos atos.

— vocês vão dizer duas palavras que representem vocês usando a primeira letra de seus nomes e sobrenomes. eu começo — a professora continuou: — muriel stacy. marota e, hm, sabedoria.

— essa seria a minha descrição se tivéssemos as mesmas letras — anne disse, os olhos brilhando. Amélia, ao meu lado, riu baixinho. a encarei e sorri de volta.

— vamos começar com...

— parece que fomos separadas no nascimento — anne complementou.

— ...ruby gillis.

ruby levantou rapidamente e olhou ao redor atentamente. então parou e fincou os olhos grandes em mim.

— romântica e gentil; ruby gillis.

as meninas bateram palmas.

— muito bem.

anne sussurrou algo próximo ao ouvido da professora, coisa que não consigo ouvir, mas que fez Amélia se remexer no lugar e largar a barra do meu colete. coloquei uma das mãos sobre as suas que estavam bem escondidas na parte de trás do corpo e voltei a prestar atenção. foi quando senhora stacy chamou pelo meu nome.

— ham... global...

— ele viajou o mundo por um ano — a ruiva me interrompeu.

— ...benevolente.

— todos acham que ele é o aluno mais inteligente...

— Amélia Leconte.

Amélia se levantou ao tempo que abaixei para me sentar novamente no chão. ela bateu na saia lisa e passou as mãos pelos cabelos bonitos.

— ...mas eu ganhei o concurso de soletrar.

a garota suspirou e olhou para anne antes de finalmente começar.

— ardilosa³ e — coçou a têmpora esquerda e continuou: — latente, eu acho.

latente significa "não aparente, não manifesto; oculto, encoberto". desejo latente, ou "que existe em forma adormecida ou reprimida". me perguntei brevemente se havia algo a mais por trás de tudo aquilo. se ela estava a esconder alguma coisa ou se tudo aquilo estava remetido ao seu passado — e nunca conversamos sobre isso.

quiçá, fosse apenas mais uma das palavras difíceis que ela tanto gostava.

— Amélia é nova aqui. ela e o gilbert estão juntos — a ruiva explicou, alto o suficiente para que todos os olhares fossem da cacheada para mim.

— VOCÊS ESTÃO JUNTOS? — a voz de ruby soou como rojão, o rosto se tornou pálido e os olhos marejaram.

Amélia se sentou no chão e escondeu o rosto corado entre as mãos. isso significava que ela nunca havia mencionado nosso estranho-relacionamento para as outras meninas? ou melhor, ela estava com vergonha de nós dois?

me senti péssimo ao perceber que de nada valia planejar as palavras ou amar seus toques quando nem ao menos sabia se era completamente recíproco — de um adolescente lutando por atenção dela me tornei tão pequeno quanto uma criança emburrada. e poderia ter dito qualquer coisa para contornar cada uma das paranóias em minha mente, mas a fala sumiu quando nossos olhares se encontraram. num sussurro piedoso, ela disse "converse comigo mais tarde".