.sinto mil capacidades brotarem em mim. pra sou brejeira, alegre, lânguida, ora melancólica. tenho raízes, mas sou fluida. toda dourada, fluindo
casamentos, enxovais e espíritos irmãos
1A chuva caiu e se transformou em gelo ao tempo que minha respiração fazia o vidro da janela embaçar.
A neve será sempre o meu evento natural favorito. Nunca houvera e provavelmente nunca haverá palavras o suficiente para descrever meu amor por cada floco que caia do céu e pousava na terra úmida. Eu daria de tudo, isso é certo, para poder correr por entre o gelo e me afundar naquela imensidão branca.
O clima de inverno canadense me lembrava o de Wimbledon. Das tardes em que era impossível atravessar a cidade em direção à escola dominical e tínhamos, Evangeline e eu, que ficar em frente a lareira. Das noites difíceis, quando nem as cobertas eram capazes de aquecer meu corpo e a única solução era me enterrar nos abraços aconchegantes e calorosos de Katty. Sinto saudades de poder descer as ladeiras com a minha bicicleta amarela e de gritar para as árvores carecas o quão animada eu estava e de me ralar toda por ter esquecido de apertar o freio. E mesmo assim rir, porque estava tudo bem, afinal de contas.
Odiava e ainda odeio me perder em devaneios. Perdi parte da conversa apenas olhando pela janela da sala de aula. Anne estava mordendo uma das tortinhas deliciosas de morango que havia trago quando dispersei os pensamentos.
— Um enxoval de uma mulher que não se casou — mastigou antes de continuar: — é uma lembrança preservada da sua juventude ou uma lembrança trágica de uma vida que ela nunca saberá?
Como já mencionado antes, o enxoval de mamãe ficava quardado nos fundos do sótão. Nós não conversávamos sobre e nunca tivemos oportunidade de sentarmos-nos a sós e costurar os meus próprios lençóis. Tinha o receio de que mamãe não acreditasse na possibilidade de eu me casar. Era até engraçado, porque nem eu mesma podia me imaginar em um altar, sedendo minha mão à um homem — e, Deus me perdoe, isso parecia impossível.
— Nos conte quando for uma solteirona — Josie disse. — Uma órfã tem enxoval?
Anne abaixou o olhar, bebendo o leite em seguida.
Meu pai, em uma noite, nos dissera que não existia uma única alma boa na família Pye. Eles viviam a partir de duas próprias regras, presos numa bolha onde apenas o que importava a eles era recebido de braços abertos, o resto, apenas ignorado.
— A Anne tem pais agora, Josie — Diana a repreendeu. Reprimi o sorriso ao saber que ao menos a Barry tinha coragem de confrontar a loira.
— Não são de sangue. — Josie Pye era, sem dúvidas, a garota mais arrogante e cruel que eu um dia havia conhecido. E, mais uma vez, me vi na vontade de arrancar todos os seus cachos falsos. — Minha mãe de verdade começou o meu quando eu nasci, assim como minha vó fez com ela.
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blue boy, gilbert blythe
FanfictionMe perdi em meio as suas palavras, reparando na forma em que seus olhos se comprimiam quando dizia algo. Adorava passar aquele tempo com ele, porque eu o enxergava de verdade - através dos seus olhos, como mamãe diria -; via alguém além do garoto tr...