Capítulo 40

564 60 4
                                    

Eu mudaria até o meu nome Eu viveria em greve de fome Desejaria todo dia a mesma mulher

Oops! This image does not follow our content guidelines. To continue publishing, please remove it or upload a different image.

Eu mudaria até o meu nome Eu viveria em greve de fome Desejaria todo dia a mesma mulher.
— Barão Vermelho, “Por você”

Pepe está na garagem de casa quando paro a moto. Ele abre e eu estaciono ao lado da dele e de seu carro.

— E aí, cara? Chegou em casa e tinha uma garota linda na sua cama, hein? — ele me provoca enquanto fecha o portão. — Isso que é vida.

— Sabia que você estava metido nisso.

— Não me meti em nada. Passei a noite tranquilo, de boa, depois que o seu primo finalmente parou de falar. Você é que passou a noite metido numa garota. — Rimos ao entrar na casa. — O krystian tá empolgado. Não vejo o cara assim faz um bom tempo... — Sento no sofá, Pepe vai para a cozinha e volta com duas cervejas, colocando-as na mesinha de centro e sentando de frente para mim. — Ele me falou que você quer se limpar de novo, mas vamos por partes, certo? Se cortar tudo ao mesmo tempo, sem se internar, você não vai dar conta. Quer começar por onde?

Pepe é prático e me conhece há muito tempo, quando eu nem sonhava em perder meu pai. Ele tinha doze anos quando seus pais se separaram e o pai se mudou para São Paulo, ao lado da minha casa. Como a cidade dele era longe, ele vinha passar quinze dias nas férias de julho e janeiro inteiro. Para convencê-lo a vir, seu pai comprou uma bateria e uma guitarra, que ele queria muito. E foi assim que meu amor pela música começou, quando o filho do vizinho se tornou um dos meus melhores amigos.

Abro a cerveja e bebo um gole.
O líquido encorpado e gelado me refresca, e me incomodo por gostar tanto. Não seria um problema se eu não tivesse chegado aonde cheguei.

— O cigarro é o mais fácil — respondo, colocando a cerveja na mesinha.

— É, da outra vez você deu conta. Tem gente que engorda. Você só precisa de sexo à vontade. Acho que essa parte tá resolvida.

— Yeap! Tô até com medo de levar essa garota no bar.

— Ah, cara. Lá vai você para o estoque de novo.

— Nah... Estoque com ela, jamais. Pensei no escritório. — Estamos rindo outra vez, mas logo retomo o assunto que me trouxe até aqui. — Baseado pode ser um problema. Era meu escape pra não pegar tanto na cocaína. Vou parar com a erva, então se prepara.

— Aham, é questão de dias pra tudo pegar fogo. Lá vamos nós de novo, então — ele diz e bebe um gole de cerveja, sem hesitar.

Nós dois sabemos como foi difícil da outra vez e a recaída que eu tive depois de alguns meses, após o acidente. Não sei lidar com esse tipo de perda. É sufocante e me consome. Esquecer é o caminho mais simples.

— A Shivani e o Krystian acham que vai ser fácil. Preciso que você se envolva, Pepe. Se vou passar por isso, preciso de você lá.

— Vou estar lá. Essa garota é especial. Nunca te vi assim. Quando você fala dela fica mais calmo, parece moleque de novo.
Sorrio me lembrando dos olhos castanhos e brilhantes de Shivani, do jeito que ela me abraça e encosta a cabeça no meu ombro.

— É estranho... Diferente de tudo. Quando a gente se conheceu, achei que era só mais uma dessas garotas mimadas, e mesmo assim ela mexeu comigo. Rolou uma atração muito forte entre a gente. De cara, coloquei na cabeça que ela era brisa e eu furacão. Acabou que somos dois furacões colidindo. O avô cortou o dinheiro dela e fez ela escolher. Agora ela quer trabalhar.

— Ela não pode trabalhar, cara. — Sua voz fica séria de repente.

— Por que não?

— Se você vai tentar parar, ela tem que ficar com você. Lembra que tiramos férias no mesmo mês, e mesmo assim foi um inferno?

— Lembro.

— Você vai ter que adiantar as férias. Se estiver no bar no meio da crise, não vamos conseguir segurar o tranco. Você vai beber e, se beber, pode ser que a gente não consiga te segurar.

— É verdade. — Pego a cerveja e coloco de volta na mesa, sem querer dar mais nenhum gole.

— Bebe — Pepe diz, firme. — Não se força.
Não é assim. Seu corpo vai pedir as contas de tudo e a gente sabe como é. Não precisa se matar tentando. Você não vai ficar bêbado nem nada. Eu tô aqui. — Tomo mais um gole. — Faz assim: fala pra ela que a gente conversa sobre o emprego depois e vê algo. Por enquanto, você precisa é de uma babá. — Ele ergue a cerveja, sem nem um pingo de incômodo por dizer a verdade. Eu vou precisar mesmo de alguém comigo o tempo inteiro. — E eu vou ver suas férias direito. Não tem nem um ano que você tirou a última, mas podemos arrumar alguém provisório. Eu explico pro André — ele cita seu amigo e dono do bar. Pepe namorou a irmã dele há alguns anos, e, quando tudo acabou, a amizade com o ex-cunhado se tornou ainda mais forte. — Vou dizer que você precisa desse tempo por causa do acidente. Ele vai aceitar de boa. Metade do sucesso do bar é por causa das suas performances. Da última vez tivemos uns quinze dias antes de você surtar. É o tempo que preciso pra ajeitar as coisas.

— Você se lembra de tudo.

— De cada detalhe.

— E agora ela vai presenciar tudo. — Olho para longe, sem querer pensar no que vem pela frente.

— Cara, não começa a se cobrar. Eu vi você sair, vi você entrar de novo e tô aqui pra te ver sair mais uma vez. — Ele muda de sofá, senta ao meu lado e coloca a mão no meu ombro. — Segura a onda. Ela vai aguentar.

— Como você sabe?

— Porque eu vou estar lá.

— Você não vai conseguir tirar férias dessa vez. O bar tá crescendo mais a cada dia, e adiantar as minhas já vai ser complicado.

— Não vou tirar. Dá pra fazer tudo junto.

— Não sei.

— Alguma vez eu já te deixei na mão? — Ele me dá dois tapinhas e se ajeita no sofá.

— Nunca.

— Então acabou. Bora te tirar dessa outra vez. — Pepe estende a mão para mim e não recolhe enquanto não a aperto.
Acordo selado.

— Você sabe que pode não ser pra sempre.

— Sei.

— E não se preocupa?

— Claro que me preocupo, Bailey. Cada vez que você tem uma recaída eu me preocupo, mas você é meu melhor amigo, cara.
Quantas vezes você entrar nessa e estiver disposto a sair, eu vou ajudar a te tirar.

— Você pode proteger a Shivani?

— Do jeito que vocês estão envolvidos, não tem como proteger a menina, Bailey.

— É — passo as mãos pelos cabelos.

— Ela vai aguentar.

— Como você sabe?

— Porque eu vi como ela te olha e tô vendo como você fala dela. Se essa garota está com você é porque sente algo forte. Ela deixou a família. Tá nem aí pro que o resto do mundo pensa quando está com você. Meu, nunca te vi querendo ficar com uma garota assim. De uma hora pra outra ela mudou pra sua casa, e você tá aqui todo feliz por ter ela por perto e preocupado com o que ela vai pensar. Bailey, ela já sabe o que esperar. Pode não saber exatamente o que vai passar, mas sabe o que esperar. E ela vai ficar com você. É o que as pessoas fazem quando amam alguém — Pepe fala sério, tentando me confortar.

— Ah, que jeito meigo de dizer que me ama. — A brincadeira me escapa e ele chuta de leve meu joelho.

Já estamos rindo e remarcando o ensaio de amanhã. Tenho outros planos.

As Batidas Perdidas do CoraçãoWhere stories live. Discover now