Eu

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As vezes penso nas coisas que se passaram para chegarmos aqui. Depois que "nos casamos", nós três. O mundo pareceu se tornar mais simples, mesmo que as vezes tudo ficou complicado demais. Como quando o Bruno explodiu um prédio pra nos matar.
Algum tempo já se passou desde aquele dia infernal  e agora as coisas mudaram bastante.
Acredito que esse seja o momento de tomar as rédias da minha história  e conta-la eu mesmo a vocês.

Sim! Sou eu, Caio.

Felipe não estará conosco a partir de agora, nossos caminhos se distanciaram, mas a amizade é inquebrável. Viemos morar numa cidade pequena no litoral, Santa Amélia. Achamos que era hora de diminuir o ritmo.

Brice montou seu próprio negócio, agora ele trabalha restaurando motocicletas antigas, sua paixão. Ele parece animado. Carter continua advogando, mas agora tem seu próprio escritório. Eu continuo escrevendo.

Estamos aqui a pouco mais de um mês. Nossa casa fica  de frente para a praia. Adotamos um cão, o Rex, ele é grande, branco e peludo, mas ama mais o Carter do que a mim ou ao Brice.

Dolores vem nos visitar no verão, ela liga de vez em quando, para contar que tem um novo morador no meu antigo apartamento e Que ele é muito gato.

Minha relacao com os garotos finalmente está equilibrada, eles pararam de brigar, apesar de discordarem na maior parte do tempo, mas agora não se veem mais como rivais.

Estou no supermercado, hoje é dia de compras e nenhum deles tem paciência pra isso. Visito prateleira por prateleira. Uma moça, bem jovem me observa de longe,percebi isso a alguns minutos. Não sei se ela está tentando flertar comigo, ou se é apenas curiosidade. Somos uma grande novidade aqui em Santa Amélia, minha vizinha Sofia, disse que raramente alguma coisa interessante acontece e é normal todo mundo saber de tudo o tempo todo.

A garota continua a me observar enquanto finge escolher uma barra de cereal. Prefiro sair dali. Ando até o próximo corredor. Enquanto leio os ingredientes da feijoada enlatada, que o Brice tanto ama, a garota se aproxima.

-- Oi! - sua voz tem o tom médio, sua pele é pálida, como se estivesse doente, os cabelos pretos bagunçados e caindo sobre os ombros. Ela tem um olhar baixo, desconfiado. - Você é o moço que mora na casa Branca, na praia, certo?

Seu vestido vermelho tem as bordas sujas de lama assim como os coturnos.

Respondo que sim meio desconfiado. Garota estranha.

Ela levanta os olhos castanhos pra mim, sérios, muito sérios.

-Vá embora. Você e seus amigos. Eles vão vir atrás de vocês, quando souberem, eles virão.

Percebo certo perigo no ar, a garota estranha se encolhe e tira a atenção de mim.

- Lola! - Ouço a voz de alguém vindo atrás de mim. - Pare de perturbar os clientes.

- Vai embora. -Ela sussurra e sai às pressas.

Olho para o moço que usa o uniforme da loja.

- Ela deve ter tentado te assustar, certo?  - Ele fala simpático. - Não liga pra ela, faz isso com todo mundo. Dizem que é uma bruxa, mas... bobagem. Ninguém acredita mesmo nisso.

Ele estende a mão.

- Você deve ser um dos novos moradores da cidade.

Aperto sua mão e respondo que sim, me apresenta do em seguida.

O nome dele é Arthur. Muito simpático. Me dá as boas vindas e me avisa que é uma cidade cheia de superstições e que nem sempre eu devo dar bola ao que as pessoas falam. Depois de uma breve conversa ele se despede é volta ao trabalho.

Ao sair do mercado alguns minutos depois vejo a garota parada perto de umas árvores, ela me olha fixamente por alguns segundos e depois adentra o bosque que rodeia toda a Santa Amélia.

Prefiro não pensar nisso e volto pra casa.  Ao chegar Brice está de toalha na cozinha. Coloco as sacolas sobre o balcão enquanto ele me olha de forma safada.

- O que esta fazendo? -Pergunto me sentando.

Ele me lança um olhar indignado.

- Cadê meu beijo?

Sorrio, me levando é vou até ele. Nossos corpos se conectam automaticamente, seu beijo é calmo, doce, acho q ele está bem tranquilo hoje. Geralmente Brice é o mais selvagem. 

Deixo ele com sua cozinha e Vou para o banho. O que eu queria mesmo era abaixar aquela toalha  e brincar um pouco, mas isso posso fazer depois.

As quatro da tarde a praia está bem calma, me sento na varanda e leio um livro qualquer. Estou completamente envolvido com a história quando sinto as mãos fortes dele pousar sobre meus ombros.

- Oi amor.  -Carter diz com aquela voz calma e grave. Se abaixa e me beija.  -Teve um bom dia?

Respondo que sim, falamos sobre uma coisa ou outra e depois ele vai pro banho.

A noite jantamos juntos vendo um filme de comédia bem sem graça.
Estamos felizes. Estamos bem.

Por enquanto.

Um garoto corre pelo bosque. Está ferido, assustado. Atrás dele, lanternas cortam  escuridão tentando alcanca-lo. Ele corre o mais rápido que consegue. Lá atrás as vozes dos outros gritam palavrões e insultos. Estão caçando o rapaz. Aproveitando a distância tomada o jovem não perde tempo e corre, corre o mais rápido que consegue, corre como se não houvesse amanhã e isso é mesmo verdade.

Finalmente o bosque acaba é o garoto se depara com a praia. Os homens que o caçavam se separaram na sua procura, mas ainda ninguém o encontrou. Ele aproveita e corre na direção da casa Branca a uns setecentos metros dali.

Brice se diverte com o filme é Carter já caiu no sono. Eu estou gostando muito da pipoca. Alguém bate a porta de vidro com certa violência. Me assusto, Carter acorda  e Brice pula do sofá. Seguimos pra ver quem bate insessantemente e aos gritos  e do outro lado do vidro da porta há um rapaz, talvez um pouco mais novo que eu, ele tem sangue pelo rosto e ferimentos.

-- Socorro! -- ele diz antes de cair ajoelhado e exausto.

Eu ainda não sabia, mas o mundo iria ficar bastante sombrio a partir dali.

DOCE COMO CHOCOLATEWhere stories live. Discover now