15 - Restaurantes Franceses

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Eu me senti idiota ao ver o corpo de Pandora. Mas isso não deveria acontecer porque... ela foi minha melhor amiga. Nós fomos quase irmãs. Eu sou algum tipo de monstro? Certo, ótimo. Um monstro. Queria fingir que não senti algo, mas não consigo. Mas entender o que aconteceu está bem mais distante de admitir. Eu admito que senti uma sensação esquisita, que meu cérebro igualou Pandora à uma obra de arte.

Clichê. Ninguém conseguiria imaginar algo tão incrível sem ver. Não estou dando contexto romântico, é só que as pequenas coisas de Pandora a deixam incrível. As pintinhas na pele negra. Os pelos crescidos e livres. A cicatriz rosada na pele.

Gênesis! O que você pensa que está fazendo?

Admito que senti uma sensação esquisita.

Mas não faço a mínima do que significa e o porquê disso parecer um alfinete em um balão cheio de água. Que vai estourar na minha cabeça. Em algum momento.

Ah, o almoço legal.

Não queria ir, esses almoços são divertidos. Eu e papai passamos boa parte do tempo falando sobre o cardápio, comida e se divertindo, como se fôssemos próprios críticos de restaurantes. É nossa tradição desde criança. É o vínculo mais forte entre nós. É algo pra levantar ânimos. Mas duvido que algo vá conseguir animar meu ânimo quando estou com tantas preocupações quanto agora. Tipo, explicar para mamãe que não sou mais líder de torcida porque não gosto mais tanto disso. Explicar para mim mesma, como se fosse uma criancinha, que não é legal olhar para o corpo da sua melhor amiga, apagar nude que não foi pra você e criar uma sensação tão constrangedora quanto criei.

Explicar que me sinto esquisitamente fora de órbita. Sinto que não sou eu mesma. Ou que eu me perdi no personagem. Ou seguindo o script, tipo Show de Truman.

Se eu falar em voz alta, vai soar mais patético ainda.

Uma crise de identidade em que tudo o que vivi parece irreal. E é estúpido porque tudo o que preciso fazer para sair dela é simplesmente sair. Mas o que me prende nela? O que me prende em querer que todas as coisas que eu queria aconteçam?

Estou com a mochila do colégio nas costas, esperando no modo indicado por papai. Tem bicicletas colocadas de qualquer jeito de um lado, a brisa do mar forte e a impaciência de um homem, provavelmente estrangeiro. Nunca fui aqui, na verdade. Talvez seja um lugar novo. O letreiro, torto, deixa bem claro que se trata de um restaurante francês. Não um restaurante requintado. A maioria dos restaurantes típicos de lugares europeus, há sempre algo característico. Algo caro. Esse parece ser como qualquer outro. Um letreiro mal feito, as mesas de plástico ao redor do lugar... soa mais confortável.

Eu e papai já encontramos um padrão. Restaurantes assim sempre são melhores que restaurantes chiques como Atlantis.

— Gênesis? — Papai chama minha atenção e eu aperto as alças da mochila, o seguindo.

Quero demonstrar minha melhor expressão, parecer amigável. É um favor pra papai, mas acho que percebo algo extremamente errado quando entro no restaurante. Não sei qual é o problema nele. Se é o aspecto de bar, se é a música sendo cantarolada por um garçom animado ou se... são as bandeiras. Que não são de países. Nenhum país tem uma bandeira como as que estão na parede. Meu peito se enche ao fazer o reconhecimento do local e ver a quantidade de bandeiras.

Não sou burra. Não preciso ser experiente no assunto pra saber que são bandeiras LGBTQ+.

Meu pai acha que sou homofóbica.

Ou algo assim.

Merda.

Eu te odeio, Pandora.

A Origem de GênesisWhere stories live. Discover now