38 - Unanimidade

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— É óbvio que ela tá escutando

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— É óbvio que ela tá escutando.

Eu me afasto do microfone, respirando fundo e com os batimentos chamativos demais. Jacques nota, descendo o olhar e acho que ela tem absoluta certeza que eu vou dar mais um passo e vou morrer do coração. Estou tão nervosa que não noto que ela está mostrando a tela do celular e que nessa tela está a conversa entre ela e Pandora — o contato salvo como Dorinha. Mesmo que a mensagem nunca tenha caído em Pandora e a sua foto ainda esteja lá.

E que nessa conversa tem Jacques dizendo algo em caixa alta. Algo como "Por favor, ligue a rádio!!! Acho que isso é uma declaração" e um "O quê?" confuso em resposta. E mais nada. Nada. Absolutamente nada. Não é uma declaração, foi uma sequência de palavras tolas sobre que pareceu uma declaração. Suspiro, indo até a caixa do violino, no chão. Mais convicção do que eu esperaria de mim mesma. Jacques me observa sem voltar para a rádio. Acho que ele está tão surpreso quanto eu.

— O que você vai fazer?

— Independente de tudo, vou entregar o violino. Bater na porta, deixar lá e ir embora. Não posso mais ficar com ele.

— Meia noite? — Ele sorri.

— É. Preciso ir. Obrigada pela disponibilização.

— Você invadiu meu quarto, boba.

Sullivan me observa esquisito, com cara de sono e sentado no sofá. Eu saio o mais rápido possível. É meia noite e alguns minutos insignificantes. Ainda sim, tem gente. Gente acordada. De olhos bem abertos. Nenhum cansaço, mesmo que, como manda a tradição, estejam voltando pra casa. Se você vai a uma festa em qualquer dia do ano, é normal voltar no dia seguinte. Se você vai a uma no dia de São Nunca, volte assim que der meia noite (evitando perder a noção do tempo em coragem e respeitar o fim do barulho).

A casa de Jacques é bem mais perto de Pandora do que a minha. Isso era um motivo para... incômodos quando a gente era mais novo. Agora, é um meio facilitador de chegar até a casa dela tão tarde da noite e carregando um objeto valioso demais para ser perdido no caminho. Eu subo os degraus de madeira na entrada, passando pela pequena varanda da frente. Bato na porta várias vezes, apenas por precaução.

E Pam está esperando e abre rápido.

Só que... é sempre sobre querer, mas não se preparar para a coisa em si. Eu sinto o cheiro dela, emanando em mim enquanto queimo de vergonha por estar vendo Pandora me fitando depois de quase me declarar. Quase.

— Oi.

Oi.

E nós duas ficamos naquela troca. Eu respirando fundo, sentindo o cheiro dela, e ela me fitando, esperando eu falar. Mas tenho medo de sair tudo embaraçado e ela não entender. É por isso que respeito a nossa troca de olhares.

— Eu trouxe seu violino. É seu. É um presente. Ele já está há muito tempo com uma dona fajuta e merece ir para a verdadeira. Sim, era a maldita surpresa que eu tinha antes de tudo. Foi a tia Jô que me ajudou a escolher e eu não te dei antes porque seria vergonhoso e não queria ser patética agora por a gente ter voltado a tão pouco tempo. Só que... parando pra pensar, eu não deveria ter receio de tomar atitudes vergonhosas que não vão machucar ninguém quando já agi sem pensar tantas vezes.

A Origem de GênesisOnde as histórias ganham vida. Descobre agora