Xeque-Mate

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Sentei na cama quando o dia clareou. Eu estava devastada, completamente. Eu não andava, eu me arrastava. Minha cabeça parecia que iria explodir e mesmo eu me entupindo de remédios, a dor não parava.

Voltei a Baltimore para fazer a liberação do corpo, mas quando eu cheguei, o caixão já estava lacrado e pronto para remoção. Steve havia feito aquilo, não queria que eu visse o estado em que Chis ficou.

Liguei para todos os familiares dele, os que eu conhecia pelo menos. Christopher era órfão, de modo que eu só sabia da existência de alguns tios, primos e um irmão que ele não falava há mais de dez anos. Informei a morte dele, além do horário e em qual cemitério ele seria enterrado. Pedi que avisassem a amigos e ao restante dos familiares.

O enterro ocorreu à tarde, quase perto da noite chegar. Chris adorava o pôr do sol e eu pensei que ele gostaria que fosse nesse horário. Haviam poucos familiares dele, alguns primos e alguns tios apenas. O irmão chegou por último, eram parecidos até. Me cumprimentou e desabou ajoelhado ao lado do caixão. Foi uma das piores cenas da minha vida. Pedia perdão, implorava aos gritos para que Chris o perdoasse por tudo. Por todas as brigas, por todos os anos longe e se amaldiçoava por ter esperado a hora da morte para fazer aquilo. Eu não aguentei continuar, estava me matando aquela cena. Pedi para que meu pai me levasse até em casa, porque eu não havia ido de carro. Não estava bem para dirigir.

Minha família insistiu para que eu fosse passar uns dias em casa, mas eu não aceitei. Dianne e Meredith já eram duas mocinhas, tinham dez anos. Alex havia acabando de completar vinte e um. Cursava o primeiro ano de medicina e disse que seguiria meus passos. Eu era a irmã mais orgulhosa do mundo, ainda mais porque vi como ele era. Nunca achei que se interessaria por uma faculdade, ainda mais naquela área.

Me despedi da minha família e subi ao apartamento. Queria ficar só.

Cheguei por volta das sete da noite e paralisei ao entrar. Foi como se eu estivesse vendo um filme passar diante de meus olhos. Chris saiu da cozinha, com uma travessa de pipoca nas mãos. Jogou-se ao meu lado no sofá e me aninhou em seus braços. Estávamos assistindo todas as vinte e seis temporadas de Os Simpsons. Vimos o sol nascer naquele dia e como por um milagre, não fomos chamados para nenhuma emergência. Parecia que o mundo conspirava a nosso favor. Adormeci em seus braços, mas ele continuou assistindo e rindo como um bobo. Ele adorava aquilo e eu adorava estar com ele.

Soltei a maçaneta quando me dei conta do que estava acontecendo. Aquela habilidade maldita, que eu herdei de Andrei e Frederico, estava entrando em ação outra vez. Eu estava fragilizada e acontecia, geralmente, quando eu estava assim. Alguma coisa a ver com o emocional. Me afastei lentamente da entrada da casa e respirei fundo, tentando me acalmar.

Caminhei até o quarto e abri meu guarda-roupas. Procurava algo leve para vestir, na esperança de também me sentir mais leve, mas eu sabia que seria impossível. Enquanto eu procurava, vi um vestido de renda que eu havia usado no nosso primeiro encontro. Assim que toquei o tecido, eu tive outra visão.

Christopher estava sentado diante de mim, em um restaurante onde jantamos na primeira noite. Falava comigo sobre cirurgias encefálicas e sobre o funcionamento cerebral. Eu adorei aquilo porque ele era um homem muito inteligente. Adorava trocar experiências e quando comecei a falar sobre o coração, ele nem sequer piscava. Dizia que o cérebro era parceiro do coração. Foi a cantada mais boba que eu já ouvi na vida, mas me fez rir. Me fez ter curiosidade em conhecê-lo melhor. Me fez amá-lo.

Soltei o vestido e me afastei. Aquelas lembranças acabariam me enlouquecendo. Caminhei para longe dali, mas acabei esbarrando em uma das cômodas do quarto. Ao tocá-la a visão veio à tona.

Eu a arrastava enquanto Chris colocava a outra próxima da cabeceira da cama.

— É, acho que assim está bom — respondeu ele e eu segui para perto. Chris me segurou pela cintura e me abraçou pelas costas. — Foi a última coisa a ser posta no lugar.

ImortalWhere stories live. Discover now