|Capítulo 7|

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O chá quente de erva doce com limão durante a noite fria esquenta o meu corpo, traz uma sensação de renovo -uma coisa que eu precisa. Como em silêncio o biscoito de água e sal que foi distribuído entre as pessoas ainda acordadas, já que a maioria já dormia profundamente.

Olho o mar de corpos à minha frente e vejo que alguns dos rostos que eu reconhecia não estava mais presente, por terem sido liberados pela manhã ou durante o almoço. Começo a observar os seus ferimentos, alguns foram mutilados, ficando sem as pernas, outros, os braços; por sorte um ou outro apenas perdia um membro do corpo. Não era uma imagem fácil de se ver, porém eles ainda estavam vivos. Lutavam a cada alvorecer por suas vidas, além de se lamentarem pela desgraça que aconteceu à eles.

Por um instante eu me sinto ingrata por querer a morte, enquanto várias vidas foram perdias, tiradas de maneiras cruéis e frias e, se tivessem chance de falarem uma única coisa antes de morrerem, eu não suspenso a possibilidade de ser: "Eu gostaria de continuar vivo, mesmo dilacerado inteiro, porque eu veria a minha família envelhecer, realizarem seus sonhos. Eu estaria lá com eles, vivendo parte de tudo isso e não seria apenas uma lembrança registrada nas memórias das pessoas pelo tempo". Mesmo assim, eu não posso menosprezar o meu sofrimento, as minhas lágrimas, desprezar o que eu sofri.

Não podemos comparar os traumas de outros, porque cada um sabe a sua própria dor, o que teve que fazer para poder suportar a própria cruz... Para alguns o sofrimento não é nada, apenas uma marca na pele irrelevante, mas para outros, ele pode ser o fim. Para mim, ter sido violentada foi o meu limite, e eu sei disso, porque eu sinto que não tenho mais forças para continuar de agora em diante.

Contenho a lágrima de meu olho, não que chegava a doer meu rosto ainda pelas surras que levei, muito pelo contrário por já estar melhorando, mas não em uma velocidade tão rápida quanto desejava; eu apenas não quero me sentir fraca. Não desejo atrair olhares em minha direção e ser "digna" de pena pelo o que eu passei, não estaria certo. Eu não fui a primeira a sofrer este tipo de violentação e, infelizmente, sabendo no mundo onde vivo, estou longe de ser a última... Com isso, não é certo todos chorarem comigo pelo o que estou passando, enquanto há outras pessoas em condições piores do que eu.

Meus olhos continuam vagando pelo vasto cômodo até repousarem em meu vizinho, que estranha estranhamente silencioso. Será que eu fiz algo para ele? Não dou prosseguimento aos meus pensamentos e focalizo de vez em seus ferimentos. Eu não sabia a sua profundidade, mas pelo o que eu notara anteriormente, ele não estava mais com dificuldades em se locomover, se mexer...

Ao mesmo tempo que o meu rosto estava desinchando e os ferimentos físicos sumindo em minha pele lentamente, nele acontecia o mesmo, porém parecia ser bem mais rápido do que o meu. Talvez não tenha sido tão grave quando eu imaginava.

-O que você fez? -pergunto na esperança de quebrar aquele clima estranho entre nós. Rustan me olha devagar, subindo os olhos ao encontro dos meus e eu repito o que falei antes, caso ele não tenha entendido: -Como você se feriu para estar aqui?

-Sabe, no dia que te conheci, depois que fui embora, liderei minha companhia para capturar um bloco de apartamento. Os alemães estavam muito bem posicionados, perdemos dois tanques no ataque e mais alguns soldados. Foi quando eu pedi apoio de artilharia. Acho que estávamos muito perto ou foi erro do meu operador de rádio ao dar as coordenadas da posição inimiga... -sua voz não chega a subir, mas se transforma em uma pensativa, relembrando do que vivera para chegar até aqui.

Eu não consigo imaginar o que ele passou, o que todos passaram para estarem hoje neste hospital... Cada um carrega uma verdadeira batalha e um triunfo glorioso de superação -de que a vida não os derrotou em meio a todos os desafios lançados.

Amor a Toda ProvaOnde histórias criam vida. Descubra agora