|Capítulo 32|

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Ficamos por um longo período nos olhando até que ela, por fim, começa a andar em minha direção com certo tédio, com a expressão cansada e arrogância. Os olhos mortais dela perambulam entre a minha face e a de Rustan, como se fôssemos os inimigos ali, os impostores que a impediam de viver - Rustan, de certa forma, já era mesmo por ser um soldado soviético, porém, eu, talvez, na visão dela, ela me considera pior do que eles. E eu não entendia o por que disso.

- Ainda está viva? Eu jurava que eles te matariam quando... - eu arregalo os olhos e minha boca se abre perplexa com suas palavra. Eu escutava a voz dela e ainda não acreditava no que ela me dizia.

- Beike! - eu exclamo exasperada, interrompendo a sua fala. - Como pode ser tão cruel? Você estava lá, viu o que eles queriam fazer comigo e fugiu! Você me abandonou!

Grito relevando para Rustan uma das pendências que me impediam de seguir em frente. Não era somente pela situação na qual vivia, mas por ela, depois de 6 anos comigo, ter-me largado para aqueles homens desfrutarem de meu corpo e alma. Mesmo nunca tendo sido próxima a ela, eu achava que poderia contar com ela, por buscar água, comida, vestes melhores para o frio, uma vez que eu a mantinha viva! Contudo, eu fui enganada por ela, pela minha inocência, crendo que minhas ações bondosas alcançariam o seu coração e ela teria algum apego sentimental. Eu só fui um objeto em suas mãos, e quando ela viu que não teria mais utilidade, deixou-me sem nem olhar para trás.

- Era a minha vida ou a sua. Apesar de não estar vivendo no momento um luxo na qual sempre sonhei, eu não permitiria ser desonrada e humilhada por essas pragas vermelhas! - ela cuspe mais uma vez no chão, aos pés de Rustan demonstrando seu completo ódio e desrespeito com o seu inimigo.

Ele se mantinha calmo, mas eu sabia que sua paciência teria um fim e ele não permitiria mais que ela falasse daquela forma com ele. Só continuava quieto porque sabia que aquele assunto era meu e eu não o chamaria para me ajudar - não ainda.

- Mas é uma baita ironia, aquele que te estuprou, agora é o homem que você ama. Amar - ela solta uma irada diabólica, rindo de sua própria fala sem muito nexo para mim -, essa é uma palavra forte. Desde quando começou a se prostituir com o inimigo? Depois que eles de deturparam, perdeu o juízo das coisas?

Ela anda mais um passo e perde a compostura, com o corpo desequilibrado e não aguentando nas pernas. Ela ergue a mão para mim, porém, pisca várias vezes parecendo ter esquecido o que iria me dizer para agredir-me.

Olho para a prima de meu pai mais atenta do que antes e reparo em traços que minha raiva não estava me permitindo enxergar: Beike estava bêbada, não tanto, mas o suficiente para falar asneiras e todas as mágoas que guarda em seu coração. Finalmente eu comecei a conhecer quem é Johanna Beike.

Ela se aproxima de mim e cai desmaiada nos meus pés. Viro meu rosto para Rustan procurando alguma ajuda no que fazer naquela situação tão inesperada. As vestes dela eram novas, porém, já estavam gastas, rasgadas; o seu cabelo bem mais embaraçado e sujo sem encontravam - lembro-me que ela é uma mulher bem vaidosa com a aparência e estar assim é o fundo do poço. Em sua pele via-se marcas estranhas, vermelhas como se algo se prendeu em seus braços - até eu entender que eram mãos fortes agarrando-a.

- O que aconteceu com ela? -pergunto a Rustan, examinando a mulher caída como se ele fosse entender. Porém, com o andar dele pelo apartamento, algo me dizia que ele sabia sim do que se tratava.

- Leah, desde quando a guerra se deu o seu início, todas as pessoas buscaram por abrigos, proteção, ou fugiram para o exterior, mas você precisa se lembrar que tanto ir quanto ficar restou uma consequência: a sobrevivência - olho para ele, observando o maxilar rígido e a postura tensa, ele ficava assim quando não queria me revelar alguma coisa. No entanto, para a minha surpresa, ele continua em uma voz baixa e pesarosa: - Para sobreviver, você é obrigado a fazer qualquer tipo de coisas, das quais muitas vezes não se orgulha. A maioria das mulheres que não tem condição para encontrar comida, abrigo ou água, começou a se prostituir em troca dessas condições aos soldados. Estes soldados tem mantimentos e podem facilmente furtar um pouco de comida e água em troca de um prazer carnal, porque, a senhorita não faz ideia do inferno que é estar diariamente naquele campo de guerra e não encontrar algo para escapar desta realidade.

Amor a Toda ProvaWhere stories live. Discover now