|Capítulo 47|

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Rustan Abromowitz

10 de Junho de 1945

Dias depois eu reencontro com Ted no vilarejo e aproveitamos para conversar mais. Aquela amizade singular, no momento, parecia ser por interesse e curiosidade por sermos tão diferentes um do outro em língua, culturas, gostos, comida... Desta vez, quando cheguei no vilarejo somente com alguns homens para fazer a vigilância rotineira, eu os dispensei para seguirem os seus postos para poder dialogar um pouco mais com ele.

Falávamos sobre tudo o que vimos e presenciamos na guerra, mas sem dar muitos detalhes sobre nossos armamentos e recursos, pois mesmo não sendo inimigos, também não poderíamos tratar como amigos - aos olhos dos generais. Apesar disso, nós trocamos momentos de risadas e dores sobre vidas e perdas que acompanharam nossas trajetórias para chegarmos aqui. Somos motivos de orgulho para nossas nações, contudo, eu notava que ele também carregava dentro de si duvidas sobre os nossos bem-feitos à guerra e se decerto teve utilidades maiores em prol do fim das mortes.

Ted era parecido comigo em alguns aspectos e em outros completamente o oposto, mas nós nos dávamos bem. Por ele ser o único a conversar - fora Leah, Beike e Johannes - em alemão por aqui, eu sentia necessidade em aprimorar a minha fala e explorar o outro lado do mundo através das lembranças proporcionadas por ele a mim. Era como viajar sem sair do lugar.

Conversávamos sobre tudo naqueles poucos minutos que tínhamos, mas fazíamos valer a pena, porque tinha que existir uma razão para tudo o que passamos na vida. A vida não pode ser apenas isso: nascer e morrer. Entre esses dois períodos precisa existir vida

Discorríamos assuntos sobre as mulheres, eu não sei bem como chegamos neste ponto, mas adentramos nele sem haver retorno e fomos mais afundo. Ted me contou que se apaixonou e se casou com uma americana, após deixar o país e ter que recomeçar no exterior. Ele levou toda a família para lá e começaram a trabalhar um pouco aqui e ali com diversos gêneros de trabalhos, a fim de sustentar a casa. Quando ele atingiu a idade maioritária, se inscreveu para o exército com o propósito de ajudar a família e se vingar daqueles que os expulsaram de sua terra natal. 

Ele me disse que até agora não se sentiu vingado, uma vez que esse sentimento se tornou frívolo com o peso da morte de muitos inocentes nos meios de seus planos. Sendo assim, passou a seguir uma nova conduta: sobreviver a esse inferno para qual fomos enviados e, se possível, salvar uma vida, apenas uma, para se sentir diferente aos demais.

- E até então, eu venho ajudando os necessitados, que não conseguiram escapar do país... Apesar de não me entenderem pela minha língua e rejeitarem as vezes a água que ofereço e comida, eu busco entregar o meu melhor a eles, pois não tem culpa das coisas pelas quais estão passando - ele me responde com os braços cruzados e a testa franzida, como se estivesse incomodado com alguma coisa, na qual eu não sou capaz de compreender em sua expressão. - Eu não me orgulho de minhas ações do passado e sei bem que não poderei apagá-las de minha vida, porque são partes de mim, mas eu também sei que posso fazer novas todas as coisas de minha vida. Não sou um conjunto de normas e regras, cuja obrigação exclusiva é seguir o que pregam. Tenho sentimentos, Rustan, vontades e desejos que quero cumprir, e muitas delas o exército não permite. É difícil querer fazer o bem quando existem leis te proibindo de semear coisas boas. Mas também está escrito na Bíblia que teríamos aflições e o que seria isso, caso não fosse uma das aflições do mundo? Em querer fazer o bem a outra pessoa, mas não poder por causa da visão dos outros em cima de suas ações?

Enquanto ele falava eu refletia o que vinha fazendo e se seguia um caminho bom e correto. Cheguei a conclusão que tomava o norte correto, mas a trajetória seria longa ainda e teria longos e tubulosos desafios pela frente.

Amor a Toda ProvaWhere stories live. Discover now