XIX.I - TEMPLO DE GUERRA

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O teto abobado era ilustrado com cenas das Guerras Cósmicas: grandes dragões-negros lançavam fogo contra seres titânicos, e suas dimensões excediam escorriam pelas paredes em mosaicos lustrosos; esbeltas torres flutuantes sitiavam estruturas colossais, que lançavam contra elas raios iridescentes tão magnificamente representados que ameaçavam cair sobre o próximo que lhe atravessasse o caminho. Aqui e ali via-se a figura diminuta de Junéfera, a princesa éraë que deixara Virmíria junto ao grande drache azul e desempenhara feitos grandiosos naquela guerra que ainda era observada no céu noturno na forma da Grynpdokrae, a Nébula Verde.

No fim da nave, como uma escultura disforme e escurecida, crescia do chão o crânio de um antigo drache, os dentes retorcidos e pontiagudos projetando-se da mandíbula escancarada, sob a qual o simples altar do templo jazia, e lá se pôs o velário, à frente de todos, e pediu para que tomassem seus lugares. Flanqueando o corredor central, divididos pelo tapete esmaecido estendido entre o portal e altar, Vinst notou pequenos monólitos enfileirados; sem saber como proceder, fez o mesmo que os companheiros: colocou-se diante de uma daquelas estatuetas toscas e esperou. Ao cabo de alguns instantes o sacerdote iniciou a palestra, e sua voz, alta e retumbante, ecoava de forma gutural pelo séquito disposto à meia lua atrás dele.

— Junéfera, a mais nobre dentre a nossa raça, cuja alma, eu vos afirmo, infinitamente valente e honrada, teve a grandeza e alegria de encontrar — pois bem sabemos pelas Escrituras que a Animação encontra o Corpo e não o contrário, como pregam os sem-pais! Não teria Ela, filhos e filhas de Arkik, tido também este mesmo momento no qual vos encontrais agora, o que dizeis? — dizeis, dizeis, dizeis, repetiu o séquito dissonante. — Era a Princesa das Princesas, filha da Mestra dos Desejos e vivia numa ilha de paz em uma época caos. Era em Guerras: é o legado da antiga Inória, bem sabeis, homens e mulheres de Blorijke. Quem dentre vós nunca ouviu o nome de Castarón, o Enfermo — um homem de sua época, sanguinário e violento, que atentou contra a própria casa? Como explicais vós tal época, na qual um homem enforca os próprios filhos — crianças, eu vos lembro! — nas torres de sua morada? Não choram ainda as malditas ruínas de Cast'ronjém, se houvestes, como eu, o infortúnio de ter posto os próprios olhos na desgraça que se tornou aquela cidade? — desgraça, desgraça, desgraça. — Doméria, Terânia, Kaier, Gária, Këalia— — Blorijke! Os novos reinos de Era expandiam-se contra os outros numa torrente de sangue e morte: Era em Guerras!

"Junéfera, que não fazia parte daquele mundo hostil à vida, produto dos homens daquela época, tomou conhecimento de todo o sofrimento causado por mãos humanas e sentiu-se miserável por ser parte da nossa raça. Uma raça passível ao erro e à guerra como apenas nós podemos sê-lo. Infinitamente sábia, a Princesa das Princesas bem sabia que tomar lados só traria mais sofrimento e guerra, então fez o Grande Desejo de que temos direito: virou-se à mãe, a Mestra dos Desejos, e pediu que Lhe concedesse o Seu! A Jovem queria que Lhe fosse mostrado o fim das guerras em Era, pois já não conseguia regozijar-se do mais fresco dia de primavera, ou do nascimento do mais belo dentre os animais, sem ter a felicidade usurpada pelo homem que causa dano ao seu semelhante. A mãe, sabendo das implicações da decisão, tentou dissuadi-La, contando-Lhe dos perigos e percalços que seguiam de perto o Grande Desejo. Os caminhos do Desejante são obscuros uma vez que se decida por alterar a Vontade Única, mesmo tendo tão nobre desejo — é bom trazer essas palavras no coração!

"A jovem Junéfera não deixou-se abalar, meus mais honrosos homens e mulheres de Vulkermónt. Oh, não!, muito pelo contrário, eu vos digo: foram os perigos que fizeram-Na externar o seu desejo, pois viu grande verdade em tudo aquilo. Algo tão alto e valoroso quanto a paz não seria concedido senão mediante a um custo alto e valoroso. Essa é a lei! Vede que maravilhosa visão tinha A Jovem, guerreiros, vede! E que sublime era Sua maneira de pensar: manifestai-vos, vós que discordais e vos faremos agora mesmo balançar pelo pescoço sobre os pináculos de Vulkermónt! Não seria este o momento em que vos encontreis, como vos havia antes este pobre velário perguntado, guerreiros? Dizei! Lá estava A Jovem, nos bosques mágicos que nos escreveu na Seugferat, onde os frutos davam à altura da mão e os patos cediam de bom grado sua carne aos caçadores. Lá vivia Ela até a verdade do mundo Lhe tirar a paz. Lá Lhe foi revelado, através do véu que cobre a face da natureza, o grande drache azul, Rhwaz'ár, fruto da Vontade Única, o qual Ela, destemida e determinada como era, tomou como companheiro de viagem e partiu na escuridão do mundo para sua viagem cósmica. Através de portais mágicos e mundos perdidos a Jovem viajou em busca da Nébula Verde, e lá seus grandes feitos voltaram a Mente do Pai a nosso pequeno muito, envolto em guerras. A própria Justiça foi estabelecida naquela ocasião, e o grandioso Arkik pôs cada coisa em seu lugar — é a Justiça! À Jovem foi dada a Arca Negra e por fim nos foi enviada de volta, a Era!

VIRMÍRIA I {REVISÃO}Onde as histórias ganham vida. Descobre agora