XVIII - CALENDÁRIOS CÓSMICOS

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E lá foram os dois: atravessaram a alameda de um lado a outro e adentraram numa ruazinha estreita sob um arco de ferro no qual se lia Largo do Boticário, onde homens e mulheres caminhavam em seus gorros verdes entre as casinhas baixas e delicadas. As fachadas, que recuavam alguns passos, eram tomadas por vinhas selvagens, das quais as lojinhas mal se destacavam, e nelas liam-se plaquinhas como Poções & Elixires, Herbário Verde, ou mesmo Águas de Cheiro & Loções: algumas possuíam vitrines suntuosas e ostentavam balanças de ouro, frascos de todos os formatos e antigos livros alquímicos; outras, porém, não passavam de simples balcões repletos de poções multi-coloridas, por vezes borbulhantes e iridescentes, do verde florescente ao violeta mais vibrante. Os herbalistas — exímia classe de coletores de ervas e preparadores de poções — apoiavam-se no cotovelo, os olhos observando os transeuntes dentre a montoeira. A pavimentação da ruela era parca e irregular e quebrava o ritmo dos palafréns, que pisavam ora nas lajotas de pedra, ora nos tufos de grama.

— Que local adorável, capitão!

— Como sinto-me bem em passear por essas bandas que tanto me lembram de minha Domera Kais. Mas incomoda-me um tanto esses insetos a zumbir! — respondeu o capitão, afastando do rosto um grande besouro negro.

— Mas que mal fazem os bichinhos?, eu pergunto. Veja como voam contra a brisa, e em pares! Têm mesmo muito trabalho aqui: as flores que nascem entre as vinhas e lajotas. E com que magia brilham as hortênsias violetas! Como explicar essa pequena-primavera desses nossos reinos, capitão, senão pela magia?

— Ignoro como tal mudança tão abrupta pode suceder-se em dias apenas como experimento agora tão ao sul. Talvez o solo, o que me diz? Pode conter propriedades que não temos em outros lugares de Era.

— Não tente procurar explicações nas ciências do homem, meu capitão. Vejo algo de inexplicável e sublime nessas terras de cá: magia natural, é como é, como a que desempenhavam os locis antes, bem antes. E conhecedor como sou do norte e dalém, afirmo em bom tom que não deixaria o sul para viver em qualquer outro lugar de Era!

A ruazinha abriu-se de repente no alto da ladeira, dando espaço a um largo arborizado encerrando um modesto ampulhetário, de onde viam, pairando sobre os telhados de argila cozida e musgos, os grandes marcos da cidade: a colina da citadela erguia-se na direção de onde haviam vindo os dois cavaleiros, o círculo disforme de muralhas enclausurando as torres escuras e retorcidas — à exceção da fascinante torre magíera, que ostentava sua cúpula de cristal; de outro ponto à direita subiam contra o céu as duas torres díspares da grande Velaria de Vulkermónt, o mais antigo marco humano naquela cidade outrora governada por inores; por fim via-se ao longe o Ampulhetário, numa ilusão quase perfeita que o punha colado à Velaria, mas que, na verdade, estavam separados por vielas labirínticas e emaranhados de casas — como bem sabia Vinst.

Os sobrados caiados, tomados por vinhas e trepadeiras, formavam as fachadas do Largo do Boticário, e seguiam um jardinzinho bem cuidado até o grande palácio da guilda daquele ofício, que se destacava bem ao fundo, com grandes portas reforçadas com rebites e torreões de pedras verdes. De lá saíam e entravam homens e mulheres trajando capas escuras e gorros verdes.

— Capitão Vinst! — chamou um homem que acabava de descer da escadaria do prédio e caminhava em sua direção. Vinst reconheceu Teriá. Em seu encalço veio correndo um jovem pajem puxando pelas rédeas um velho cavalo malhado, ao que o acólito lhe ofereceu umas moedas e pôs-se novamente em direção ao capitão, as rédeas na mão. Trazia consigo uma bolsa à tiracolo, tilintando com o peso de frascos; o rosto imberbe ostentava oclinhos meia-lua e um sorriso alegre, e disse: — Há quanto tempo, capitão! Nem parece que pernoitamos ambos na citadela, não é?

VIRMÍRIA I {REVISÃO}Onde as histórias ganham vida. Descobre agora