XII - NO MAR DE GELO

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Já era fim de tarde quando atingiram a foz do rio. O Mar de Gelo, de águas escuras e revoltas, saudou-os com grandes ondas que quebravam contra as falésias e grandes rochas dispersas pela costa. As nuvens assumiram um tom plúmbeo e não demoraram muito para despejar chuva sobre o navio, permeada por por granizos erráticos; chocavam-se contra o convés com baques ocos e três ou quatro lamparinas quebraram-se com o impacto das pedras de gelo. Temendo pelas velas, Elder ordenou para que as abaixassem, e o Viúva quedou-se à deriva na tempestade.

— Onde está Vinst?! — exclamou Eloés enquanto descia escada de cordas do mastro principal. — Precisamos dele! Chame-o, Elder.

— Será que não está sentindo a tempestade sob os pés? — acrescentou Sime com ironia, dando nós na corda em torno de uma haste curta na amurada da embarcação.

— Está tudo sob controle — gritou Elder por detrás do timão. — Se não estivesse — e interrompeu-se de súbito, mas continuou: — Se não estivesse, o capitão viria ele mesmo!

Os nautos, cada qual envolto em sua grossa casaca de viagem, eram lançados de um lado para o outro no convés, ao ritmo das ondas; subiam e desciam os lances de escada entre a popa e proa, levando cordames daqui para lá e prendendo ganchos aqui e ali. A cabeça da serpe por pouco não escorregou para fora do navio, tal era a violência do mar, e teve de ser amarrada no mastro anterior. Soark, com o nariz retorcido, maldizia a cada degrau a falta de homens para conduzir o navio e, acima de tudo, maldizia o próprio capitão.

— Pague um maldito escudeiro ou um pajem com o seu ouro se for muito trabalho para você, não é problema meu, sor fuinha — gritou Sime ao homem enquanto trepava no mastro para desenrolar uma corda. — Ou dois, se lhe aprouver. Mas cale essa boca!

A noite fechada, escura e fria, como eram nos invernos naquela região, pegou-os à deriva. O granizo havia cessado — enfim! — e a chuva dava tréguas de quando em quando; os raios, porém, começaram dardar luz contra as massas negras de nuvens e o estrondo reverberava sobre as águas. Elder, cujo rosto marcado pela fadiga ainda conservava algo de resolução, anunciou o descanso e os nautos dividiram-se turnos de vigia. 

Através da cortina de chuva podia-se ver um farol na margem, brilhando forte como uma estrela.

— Parece-me que ainda não estamos tão longe da terra — exclamou Ester, os cabelos ensopados por todo o rosto. — Ainda podemos nadar até lá se algo der errado.

— A mim não agrada tampouco ter o menino no comando. E a história do capitão é uma farsa, ouçam o que digo — assumiu Horas. — Viram-no ontem à noite? Pois nem eu! Estava é por aí com alguma mere— — e interrompeu-se, escolhendo melhor as palavras: — Estava por aí a beber do bom vinho e fumar seu dondaï, e hoje sente-se terrivelmente mal, é o que digo! E vi duas grandes caixas da erva logo mais cedo: agora sei como o capitão passará seus dias sua folga — e riu.

— Pois sabemos onde ele estava ontem — rebateu. — E não falo de Elder: só o que pesa contra si é a juventude, nada mais. É um bom capitão e conduz com maestria, é o que digo — e Dan lançou-lhe um olhar atravessado, mas não encontrou com os dela; a moça continuou: — O que quero dizer é que esse Mal— —

— Não venha com essa agora, menina! — exclamou Rutrek do outro lado do convés, em seu besteiro. — Vejo que os vulkers povoaram sua cabecinha com cantigas e guerras.

— Que seja! — assumiu Ester. — De qualquer forma acalma-me saber que estamos próximos da terra.

— Seríamos tragados por nagas para algum reino no fundo do mar antes que pudéssemos boiar! — respondeu Dan-do-Norte, sombrio; fazia rondas ora a estibordo, ora a bombordo, a escrutinar as águas com a luz pálida das lanternas a óleo — ínfimas contra a escuridão do mar. — Ou pelo próprio leviatã!

VIRMÍRIA I {REVISÃO}Onde as histórias ganham vida. Descobre agora