Capítulo 34 Inesperadamente

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Dois meses se passaram, e eu já estava me acostumando com a ideia de que sim, Rebecca havia ido embora e eu não podia mudar isso. Que independe de tudo que vivemos juntos, de todas as alegrias, aventuras e dificuldades. Tudo aquilo era passado e eu deveria seguir em frente e viver a minha vida. Além dos jogos virtuais, a música sempre me acompanhou naquele momento difícil. Embora algumas músicas me lembrassem muito o que vivi com Rebecca. De alguma forma, também me ajudavam a escapar daquela realidade e a me concentrar nos estudos. Pois o ano letivo estava acabando e a provas finais chegando. Eu só queria me formar, nada mais tinha importância. Estava terminando o segundo ano do ensino médio, depois ainda teria o terceiro ano e a faculdade. Eu tinha muito o que me ocupar, e ficar pensando em uma pessoa que havia me deixado não ajudava em nada. A verdade, é que eu estava começando a gostar da minha solidão. Eu passava as noites em claro jogando ou vendo séries, ouvia minhas músicas e estudava. Aos poucos estava voltando a ser a mesma pessoa que eu era antes de começar a sair com Rebecca. Eu sentia muita saudade dela, muita mesmo, afinal, ela era o amor da minha vida. Mas... a solidão tem suas vantagens. O solitário não terá seu coração partido.

(...)

Em uma quinta feira, Cris chegou na escola animada demais para quem foi mal nas provas a semana toda. Eu não ouvia muito bem por conta da música alta nos fones o que ela tagarelava com Tiago enquanto subíamos a escadas, para ir para a sala de aula. Até que tive que tirar os fones dos ouvidos, pois percebi que ela falava comigo.

— O que você acha? — perguntou Cris.

— Desculpa, não ouvi — disse mostrando os fones que havia acabado de tirar do ouvido.

— É uma boa notícia, eu acho — disse Tiago.

Olhei para Cris, e esperei ela me dar a tal boa notícia.

Nós estávamos na frente da sala, esperando uns minutos até a professora chegar.

Cris ficou um pouco nervosa no início, acho que era pelo modo que eu a olhava. E logo começou a falar.

— Eu falei com a Rebecca ontem.

Por fora eu fiquei calmo com se aquela informação não me afetasse. Mas por dentro, sentia um aperto no coração e vontade enorme de gritar. Não podia acreditar que depois de tanto tempo ela procuraria a Cris, não a mim.

— E o que ela disse? Como ela está? Quando vocês conversaram? — perguntei sem jeito, como se não ligasse.

— Hoje de manhã. E ela está bem — respondeu Cris. —, disse que está estudando lá na Itália, e que é bem difícil. Mas, que ainda não se acostumou com as pessoas de lá e sente muita saudade da gente e da sua família.

— Ela falou alguma coisa sobre o Arthur? — perguntou Tiago.

— Só disse que sentia saudade dele e se sentia mau por ter ido embora de repente.

— Só isso? — perguntei.

— Sim. Nós não conversamos por muito tempo. Mas fiquei surpresa por ela ter me respondido só agora. Depois de dois meses.

— Sim, é muito estranho — disse Tiago.

— Vai ver ela ficou sem o celular — disse Cris.

— Vai ver, o pai dela proibiu que ela se relacionasse com as pessoas daqui — disse Tiago.

Revirei os olhos aproveitando que eles não olhavam.

— Se o pai dela fosse cruel desta forma — disse eu. — Ela não iria morar com ele. Rebecca nunca aceitaria esse tipo de coisa. E vamos parar de falar desta garota. Tudo que eu quero é esquecer que um dia fiquei com ela — disse impaciente.

Os dois se entreolharam tristemente. E não falaram mais nada sobre Rebecca durante o dia.

A verdade é que saber que ela havia respondido as mensagens de Cris, me deram esperança de que ela também respondesse as minhas. Que dissesse que estava arrependida por tudo e voltaria a me ver. Mas é claro que isso não aconteceu.

Passei o resto da tarde checando as minhas mensagens, me certificando que meus amigos não desconfiassem que aquela notícia fez aceder uma faísca de esperança no meu peito. Que depois de horas, voltou a se apagar.

Mais tarde, na chamada da última aula, quando a professora chamou por Luís. Uma das suas amigas revelou a real causa de sua ausência.

— Ele está no hospital, professora — disse Débora, parecendo muito abalada. — Ninguém sabe dizer exatamente o que aconteceu. No quarto dele estava tudo revirado. E quando a mãe dele entrou no quarto o encontrou deitado na cama com a prateleira de prêmios de futebol, esmagando a sua cabeça. Eu sei que é um pouco estúpido, alguém colocar uma prateleira pesada na parede de cabeceira. Mas a mãe dele disse que ela estava bem firme.

Todos ficaram muito espantados com a notícia e perguntaram como Luís estava. Embora estivesse no hospital não era nada grave, ficaria bem sem sequelas. Ninguém conseguia entender como aquilo aconteceu. Mas eu sabia perfeitamente o que havia ocorrido, era óbvio que se tratava de mais uma vingança de Rebecca. Certamente havia vingado a noite em que aquele infeliz quase me matou. O que me lembrou que para isso Rebecca veio até a nossa cidade, o que significava que ela estava mais perto do que eu imaginava. E a verdade é que eu não tinha certeza se queria vê-la.

Cheguei em casa, jantei com a minha mãe. Que percebeu que eu não estava bem.

— Como foi o seu dia? — perguntou ela, levantando a comida até a boca.

— Tudo tranquilo — respondi, não a olhando nos olhos.

— Você não me engana. A última vez que te vi desanimado desta forma foi quando a sua namorada se mudou.

— Só estou cansado — respondi, me levantei e coloquei meu prato na pia, aquele era o dia da minha mãe lavar a louça.

— Imagino como você deve sofrer por ela ter ido assim — comentou ela.

— Eu estaria mentindo, se dissesse que todos os dias, não fico me perguntando o motivo dela não ter sequer me avisado que iria se mudar. Que isso não me machuca mais, que eu a esqueci. Seria o maior mentiroso do mundo se dissesse tudo isso. Mas sabe de uma coisa, mãe. Não vale a pena. Já estou cansado de sofrer, de remoer tudo isso. Eu só queria minha paz de volta.

— Pode parecer que vai doer para sempre, filho. Mas um dia essa dor vai passar. Tudo sempre passa. O tempo sempre cura — disse ela.

— Espero que sim — afirmei bebendo um copo de água.

Minha mãe assentiu.

— Boa noite — disse eu, andando até ela e beijando seu rosto.

— Boa noite, filho. Tenta dormir mais cedo hoje.

— Sim, mãe — respondi.

Era óbvio que eu não iria dormir cedo, e ela sabia disso.

Entrei no meu quarto e tranquei a porta. Meu gato Bruce veio até mim e se esfregou nas minhas pernas. O peguei no colo e andei até a janela do meu quarto.

Lá fora, uma noite clara me lembrava Tenebris. E o céu estrelado me revelava novamente a constelação que não pode ser contada com exatidão.

Me sentei na poltrona e fiquei acariciando os pelos macios de Bruce, enquanto ele se espreguiçava no meu colo.

Pensei em dar um tempo aquela noite. Sem jogos, sem amigos. Só eu, meu gato e meus fones de ouvido. Tudo isso seria bom para relaxar.

E isso que fiz. Peguei meu celular, fone de ouvido, Bruce e voltei para a poltrona.

Coloquei para tocar a minha playlist de Coldplay, respirei fundo e fiquei olhando pela janela enquanto acariciava Bruce.

Minutos depois, fui interrompido. Uma mensagem de Cris.

"Arthur do céu! Tenta mandar mensagem para a Rebecca. Talvez vocês se acertem!"

Apenas respondi: "Nada pode ser mudado." E desliguei a internet do celular. Mas continue com o aparelho ligado nas mãos, até que involuntariamente entrei na galeria e vi a única foto que tinha do tempo em que estava com Rebecca. Na foto tudo parecia tão perfeito, tão simples, ela deitada ao meu lado. E eu lembro de sentir que nada poderia nos separar. Quão bobo eu fui.

O silêncio da noite, a brisa fria vinda da janela, o pelo macio do meu gato, a música calma nos ouvidos. Tudo me trazia paz. Eu só queria saber como se seguia em frente depois de perder um grande amor. Parecia que aquilo nunca iria passar e escutar a música Yellow não ajudava em nada, pois me lembrava quando Rebecca e eu fomos para a Amazônia e cantamos juntos.

Não importava o quanto eu tentasse evitar. Rebecca nunca sairia da minha mente, eu a via nos meus sonhos, nas músicas, e em tudo. Se eu visse qualquer coisa, por mais simples que fosse. Tudo me fazia lembrar de Rebecca. Eu estava enlouquecendo pela segunda vez por culpa dela. Já não suportava mais.

Tentei afastar aqueles pensamentos e voltei a olhar pela janela. A luz do quarto apagada, como eu costumava deixar por causa do PC sempre ligado. A luz da lua entrando pela janela e o perfume de jasmim. O que era normal quando Rebecca frequentava meu quarto, mas não naquele momento.

Fiquei surpreso e vasculhei com o olhar cada canto do meu quarto. Eu não poderia estar louco aquele ponto, pois não sentia aquele cheiro fazia meses. E aquilo só podia significar uma coisa...

— Oi, Arthur — disse Rebecca, em voz baixa, escorada na porta do meu quarto.

Eu não podia a ver muito bem por conta da parcial escuridão. Mas via que ela não tinha a mesma postura da Rebecca que eu conhecia. Ela estava encolhida, desviava o olhar e parecia mais pálida.

— Oi — respondi seriamente.

Não podia acreditar que depois de tanto tempo ela estava de volta. O que ela achava que eu era? Seu bobo? Alguém que suportaria ser o capacho dela? Não! Eu não faria novamente tudo o que ela queria! Não deixaria aquela garota brincar com meus sentimentos novamente.

Nunca pensei que poderia me sentir tão nervoso na vida. A visão dela na minha frente me causava uma covardia que eu não sabia explicar. Era como se eu a visse pela primeira vez. Como conversar com a garota que se gosta aos 10 anos. Como ver Rebecca toda noite e não ter ideia de onde ela iria me levar.

Por algum motivo, mantive o silêncio. Eu tinha um milhão de perguntas, um milhão de mágoas. E tudo que eu fiz foi ficar sentado no mesmo lugar, apenas a encarando.

— Precisamos conversar — disse ela, andando até mim.

A luz do PC a iluminou melhor, e eu pude ver ali na minha frente a pessoa que eu pensei que nunca mais veria na vida. A pessoa que eu mais amava no mundo e também a pessoa que mais me magoou. Ela vestia preto como sempre, um moletom maior do que ela, uma saia colegial e os velhos e surrados all stars pretos, que nos acompanharam todo aquele tempo.

Ela continuava a se aproximar lentamente, e a cada passo dela o aperto no meu peito ficava mais intenso.

— Eu sei — respondi, quando ela já estava na minha frente.

— Vamos sair daqui — disse Rebecca, me estendendo as mãos.

Olhei para as mãos que me convidavam a voltar no tempo, viver novamente tudo aquilo. E olhei para o rosto dela. Estava mais pálida, seus olhos estavam tristes e os cabelos azuis bagunçados. Pensei por um momento que ele estivesse sofrendo tanto quando eu. O que era uma grande bobagem. Se fosse por isso, ela teria vindo antes. Por isso hesitei em pegar em suas mãos e desvie o olhar para a janela.

— Eu entendo que você esteja com raiva — disse ela com voz de choro. — Mas eu posso explicar tudo. Por favor — pediu ela.

Voltei a olhar para Rebecca, meu peito doía ainda mais e eu estava segurando o choro. Eu sentia tanta raiva naquele momento, mas também estava disposto a saber os motivos que a levaram a me abandonar. Por isso, tirei Bruce do meu colo, levantei e peguei nas mãos frias dela. Sentir o toque fez meu coração acelerar como na primeira vez que nos beijamos. Então fechei os olhos, e os abri naqueles segundos que passamos teletransportando. Já nem me lembrava do brilho néon dos feixes de luz do Rio Azul. E os cabelos azuis de Rebecca fazendo contraste com sua pele pálida. Tudo era tão mágico, como se fosse a primeira vez.

Não me surpreendi em voltar para a cabana, afinal, aquele era o refúgio de Rebecca. Olhei em volta, os livros tinham uma camada grossa de poeira e teias de aranha. Andei até chegar no mural de fotos feitas com a câmera Polaroid. Fotos das viagens que fiz com Rebecca. Nós estávamos sempre sorridentes ou nos beijando. Tudo era tão perfeito.

— Onde está o seu cachorrinho, o Simba? — perguntei, quando me dei conta que ele não veio até mim, nem latiu do lado de fora.

— Levei ele para Tenebris. Estou morando lá agora — respondeu ela, pegando algumas coisas pequenas da cabana e colocando no bolso do moletom.

— Pensei que você estivesse morando na Itália?

— Muita coisa mudou — respondeu sem me encarar.

— Eu gostaria de saber o que aconteceu? Por que você não me disse que iria se mudar? E por que não veio me ver? — perguntei chateado.

— Eu sei que errei, tá legal? — disse chateada, ainda não me olhando.

— Só queria entender o que eu fiz para isso acontecer.

— Você não fez nada — disse ela, olhando para um elefante branco de porcelana e o colocando no bolso.

— Então por que você me abandonou? Por que quis me destruir? Quando tudo o que eu sempre fiz foi ficar do seu lado! — gritei.

— Eu nunca quis te machucar! Tudo que eu fiz foi para o seu bem! — gritou de volta.

— Não foi bem isso que você conseguiu! Por que, Rebecca? Por que você fez isso comigo? Eu te amo tanto. Eu aceitaria qualquer decisão sua, não precisava ter me jogado no lixo assim!

Ela não respondeu, apenas abriu a porta e saiu para fora.

Fiquei olhando pela janela, enquanto ela andava brava pela grama alta da colina. E se sentava na ponta do morro e ficou olhando para o vale.

Respirei fundo para me acalmar, enquanto ainda a olhava. O vento agitava seus cabelos e o sol os faziam brilhar. E pelo modo como estava sentada era visível que estava chorando.

Então sai atrás dela, pois afinal, eu estava naquele lugar atrás de respostas e não conseguiria ir embora sem elas.

— Rebecca — disse eu, de pé atrás dela.

— O que foi? Já quer ir para casa? — disse ela, virando seu rosto na minha direção.

Seus olhos estavam vermelhos, e ela secava as últimas lágrimas.

— Não. Eu quero que você me diga o que te levou fazer aquilo. Eu sei que deve ter um bom motivo — falei.

— Senta aí — mandou ela, batendo a mão no chão ao seu lado.

Me sentei e fiquei a olhando. Seus olhos azuis lacrimejavam e por algum motivo ela não me olhava nos olhos apenas para o vale.

— Aqueles estavam sendo dias difíceis — disse ela.

— Do que você está falando?

— Você disse que eu não me importei quando matei aqueles homens. Na verdade, me importei sim. E a culpa não me deixa dormir a tempos — disse ela.

— Isso não importa mais. Você mesma disse que fez aquilo para me proteger. Para nos proteger — disse eu, tentando fazer com que ela me olhasse nos olhos. — Não acredito que isso tenha te abalado tanto a ponto de ter me deixado.

— Isso nunca seria um bom motivo — disse Rebecca afastando os cabelos dos olhos. — Mas depois disso eu percebi o quanto te faço mal, de como você nunca estaria seguro ao meu lado.

— Isso não é justificativa, Rebecca!

— Eu seu, eu sei — disse ela, finalmente me olhando. — Mas foi a melhor alternativa que eu encontrei naquele momento. Você tem que entender que eu não estava bem. Minha vida estava um verdadeiro inferno! Eu não conseguia conviver com a ideia de ser uma assassina e de colocar a vida de quem eu mais amo em risco. E além de tudo, meu padrasto estava tentando me estuprar e minha mãe o defendia. Você entende agora? Tudo o que eu queria era sumir!

— E por que não me disse tudo isso? Nós poderíamos ter arranjado uma alternativa. Você poderia ter confiado em mim.

— Mas eu te disse. Naquela noite que o Luís quase te matou. Eu disse que sentia culpa. Que minha vida estava uma merda. Eu disse, Arthur! Eu disse que não era boa o suficiente para você. Que sempre trouxe desgraça para a sua vida. E depois que aquele desgraçado quase te matou, foi quando eu percebi que era tudo culpa minha. Que você ficaria muito melhor sem mim.

— E só por isso achou melhor sumir sem me esclarecer nada. Apenas me deixar aquela carta idiota?

— Claro que tudo isso me fez pensar em sumir. Mas eu não queria me afastar de você. Meu plano era sumir daquela cidade, daquela vida. E a carta serviria para você mostrar para as pessoas que eu já planejava sumir. Embora te deixar não estivesse no plano. Eu pensava que estando longe. Nós poderíamos continuar a nos ver em segredo. E nada de ruim iria acontecer novamente. Só que eu não contava com algo maior — disse tristemente.

— Maior?

— Sim. Na manhã do dia que fomos no bar. O dia começou péssimo. Logo manhã, meu padrasto invadiu meu quarto. E minha mãe o pegou. Mas você acha que ela fez algo? Até parece! Quando contei tudo para o Dimitri, o mesmo ficou furioso e disse que iria me levar para a escola naquele dia. Contei para a minha mãe e ela deixou. Mas a verdade é que eu não suportava mais aquela vida, estava farta de me prender em tudo aquilo que só me fazia mal. Quando olhei pela janela meu padrasto me olhava com muito ódio. Dimitri percebeu que eu não estava bem e perguntou se eu não queria morar com ele. E eu concordei, pois mesmo morando do outro lado do mundo. Eu poderia te ver quando eu quisesse. Mas quando eu falei isso, Dimitri ficou sério e disse que tinha algo muito importante para me contar — disse rapidamente e fez uma pausa.

— O que era tão sério?

— Ele disse que estavam acontecendo problemas no Rancho Skinwalker. Problemas sérios, do tipo que colocavam Tenebris em risco. Ele me explicou que depois que eu tive contato com o Rio Azul, eu fiquei ainda forte e conectada com toda aquela energia. E por isso, toda vez que eu teletransportava, um pequeno portal se abria no Rancho Skinwalker. O que quase causou uma tragédia. Porque algumas crianças de Tenebris fugiram e foram para o rancho. Por pouco não foram capturadas pelos cientistas de lá. Se não fosse Dimitri e o meu avô se arriscarem. Tenebris podia estar perdida agora.

— E foi por isso que você me deixou? Para proteger sua amada Tenebris e poder sair de casa? Mesmo assim, Rebecca. Não vejo motivos para você ter ido sem me dizer nada.

— Eu fui pelo seu bem, você não entende? Naquela noite que fomos para o bar eu já estava com muito medo de teletransportar para longe. Por isso, fomos naquele maldito bar. E você quase morreu. Isso me abalou muito. Na manhã seguinte, minha mãe veio discutir comigo por causa do meu padrasto e passou a manhã me chamando de vagabunda. Pois uma vizinha fofoqueira ficou sabendo do que eu havia feito na noite passada e contou tudo para a minha mãe. Aquilo foi a gota d'água para mim. Deixei ela gritar sozinha e liguei para o meu pai e ele disse que já estava indo me buscar. Enquanto ele não vinha eu escrevi a sua carta e arrumei as poucas coisas que eu iria levar. Pensei em me despedir pessoalmente além da carta no livro. Mas quando cheguei na sua casa você ainda estava dormindo e muito fraco. Então apenas deixei o livro, como uma falsa despedida. Voltei para casa, me despedi do meu irmãozinho e fui embora com meu pai. Para nunca mais voltar.

— E nunca mais voltou.

— Naquele mesmo dia eu já estava morando na Itália com meu pai. Feliz por ter me livrado daquele inferno. Eu havia deixado aquela carta para você mostrar para as pessoas que eu havia te amado muito, mas ela não significa que eu queria te abandonar. Naquela mesma noite, eu pretendia ir te ver e falar tudo o que havia acontecido. Mas Dimitri não me deixou teletransportar, ele disse que era perigoso para Tenebris. E isso, passei a noite chorando. Pensei em te mandar mensagem, porém lembrei que a carta já era o bastante. Mas eu não me dei por vencida. Passei uma semana perguntando para Dimitri se podia ir te ver. E a resposta dele foi me levar para Tenebris e me convencer a passar esses dois meses lá. Porque era melhor para Tenebris que o Rio Azul não fosse ativado no outro mundo. Além de tudo isso, o que mais me entristece é saber que de alguma forma aquela carta se tornou real.

— Mas isso é horrível, Rebecca! Ele te manteve prisioneira todo esse tempo?

— Eu não fui prisioneira. Minha família fez o que era melhor para Tenebris.

— E só agora você conseguiu me ver? Eles sabem disso? — comentei.

— Eu precisava esclarecer tudo com você. Eu sai de Tenebris hoje de manhã e mandei mensagem para a Cris. Perguntei como você estava, se me odiava. E ela disse que não.

— E olha que eu tentei. Porque o ódio cura o amor, como você disse uma vez. Mas foi impossível.

— Eu sei — disse Rebecca, acariciando meu rosto enquanto sorria.

— Mas agora está tudo bem. Vamos voltar a ser o que éramos — disse eu animado.

Rebecca começou a chorar e me abraçou.

— O que foi? — perguntei surpreso.

— Nada pode ser como antes. Tudo mudou, meu amor. Eu sempre fui uma bomba ambulante na sua vida. E agora as coisas estão ainda piores. Com a crise dos portais sendo abertos em Tenebris, você nunca estaria seguro comigo.

— Eu não quero segurança, quero você!

Rebecca levantou uma de suas mãos na altura do rosto. Imediatamente a mão começou a emanar a energia do Rio Azul enquanto Rebecca a olhava curiosa.

— Está vendo isso? Essa energia aumenta a cada dia dentro de mim. E você já presenciou o estrago que isso pode fazer. — Disse olhado nos meus olhos. — Sabe o que eu mais temo? Ver você morrendo nos meus braços e tudo sendo minha culpa.

— O que você está querendo dizer com isso?

— Eu te procurei hoje para falar com você, para esclarecer tudo. Não foi para ficarmos juntos. Eu vim me despedir. É o melhor, Arthur. Mesmo que me doa, você está muito melhor sem mim.

— Não! Não! — gritei inconformado. — Eu nunca vou ser feliz sem você!

— Vai sim. Eu sei que vai — disse ela, pegando nas minhas mãos. — Eu juro que independente de quão longe eu esteja, eu sempre vou te amar e quero que você seja muito feliz.

— Não diga isso. Eu não posso ficar sem você — disse chorando.

— E eu não posso ser egoísta a ponto de arriscar a sua vida mais uma vez. As coisas estão difíceis, meu amor. Meu povo está em guerra com os cientistas que estão fazendo de tudo para entrar em Tenebris, agora que tiveram contato com aquelas crianças. E o melhor que eu posso fazer é ficar em Tenebris. Isso pode levar anos, não quero que você deixe de viver por minha causa. Eu já te fiz muito mal, não suportaria te ver sofrer novamente.

— Eu estou sofrendo agora.

— Mas vai ficar bem, vai por mim. Você ainda vai ser muito feliz. Feliz de uma forma que eu não posso te fazer. Tenho certeza que um dia você será um grande homem, vai conhecer uma garota maravilhosa, vai se casar com ela e construir uma família linda. E quando olhar para trás, irá se lembrar de mim. E com um sorriso no rosto vai pensar em como fomos felizes juntos, como passamos por momentos maravilhosos. E vai valorizar a felicidade que sua família irá proporcionar, pois se lembrará que nada que é bom é eterno.

— Não diga isso, Rebecca. Se eu for me casar um dia será com você — disse aos prantos.

— Arthur, olhe para mim — disse ela, com as duas mãos em torno do meu rosto. — Eu só quero o melhor para você, quero que siga em frente e nunca se esqueça de quão felizes nós fomos e das boas lembranças que temos juntos.

— Uma vez minha mãe me disse o melhor que as pessoas podem nos deixar são boas lembranças — disse tristemente.

— E você sem dúvida está em todas as minhas melhores lembranças — disse ela sorrindo travessa.

— Eu te amo tanto, Rebecca. E mesmo necessário tudo isso? Nós podemos dar um jeito. Estou disposto até em me mudar para Tenebris como você.

— E como fica a sua mãe e seus estudos, Arthur? Além do mais, eu não quero te por em risco novamente.

— Entendi — respondi tristemente. — Então, isso é um adeus?

— Sim — disse chorando. — Eu imaginei que doeria. Mas não tanto assim — disse Rebecca, chorando.

Comecei a chorar e a abracei fortemente. Não demorou muito para que começássemos a nos beijar. Posso dizer que foi o melhor e mais doloroso beijo da minha vida. Cada segundo com ela nos meus braços, se tornaram uma eternidade. Eu queria ficar sentado na ponta daquele colina para sempre. Queria que as coisas não fossem tão complicadas, queria que Rebecca fosse uma garota normal como eu. Mas, pensando bem, se ela fosse como eu, não seria a minha eterna Rebecca.

— Eu sempre vou te amar — falei quando nossos lábios se separaram.

— Eu também sempre vou te amar, meu bem — disse ela, secando as minhas lágrimas. — Mas você precisa seguir sem mim. Quero que você seja muito feliz. Pois se você ser feliz, eu também estarei.

— E como vai ser a sua vida? — perguntei.

— Provavelmente passarei anos em Tenebris. Me tornando um deles, aprendendo sobre aquele mundo, me acostumando com a falta da luz do sol, protegendo o portal e me tornando uma herdeira digna para o trono. — Sorriu enquanto chorava.

— Eu também quero que você seja muito feliz — falei.

— Eu vou tentar, prometo — disse sorrindo, mesmo que seus olhos mostrassem uma emoção contrária.

— Se um dia tudo melhorar me procura, por favor — pedi.

— E se você já tiver uma família? Mulher e filhos. Não quero estragar a sua vida. Acho que já fiz estragos o suficiente.

— Tudo bem, mas me prometa uma coisa — disse pegando nas mãos dela. — Pare de se culpar por ter estragado a minha vida. Pois isso nunca aconteceu. Tudo o que você me deu nessa vida foram momentos inesquecíveis e felizes. E a liberdade, que era algo que eu não conhecia. Antes de você minha vida era um tédio e eu não me dava conta. Só quando você se foi que eu percebi o quão vazia é a minha vida  Meu amor, você foi a melhor coisa que já me aconteceu. É a minha luz. Eu lamento muito por ter chegado ao fim.

— Assim como foi na nossa vida passada. Lembra que o monge disse? — perguntou ela.

— Sim. Talvez não estamos destinados a envelhecer juntos. Invés disso, viver o melhor da vida um com o outro, mesmo que seja por pouco tempo. E depois disso evoluímos.

— Talvez seja o triste destino que nos aguarda — concordou ela.

— Quando você vai definitivamente para Tenebris?

— Hum, talvez amanhã — respondeu Rebecca.

— Então vamos aproveitar ao máximo nossa última noite — disse eu, me levantando rapidamente e estendendo as mãos para ela.

— O que você quer fazer? — perguntou Rebecca, ainda triste.

— Quero te fazer uma pergunta — falei.

— Qual? — perguntou confusa.

Me virei e olhei em seus olhos tristes

— E se durante todas as noites você pudesse ir para qualquer lugar do mundo, onde iria primeiro?

— Eu iria para o primeiro lugar, onde tudo começou — respondeu ela se levantando. — Tóquio. — Sorriu.

Peguei em suas mãos e a beijei. Quando abri os olhos estávamos novamente no naquele mesmo beco em Tóquio. E naquela noite, fizemos tudo como se fosse a primeira vez. Mas achamos pouco comer no Moomin House Café. Naquela noite eu era mais do que um companheiro de café. Por isso, aproveitamos para ir no máximo de lugares possíveis e tiramos o máximo de fotos possíveis com a câmera Polaroid. Las Vegas, Londres, Tuvalu, Havaí, Amazônia e terminamos andando por uma praia na Grécia, enquanto o sol nascia no horizonte.

— Essa foi a melhor e a pior noite da minha vida — disse Rebecca, enquanto andávamos de mãos dadas pela praia.

— A última das melhores lembranças — comentei.

— Vou te guardar para sempre aqui — disse ela levando a mão até o coração.

E eu a beijei.

Quando separei nossos lábios não estávamos mais pisando na areia molhada da Grécia, e sim no piso frio do meu quarto.

— Boa noite, Arthur — disse ela, ainda me abraçando.

— Precisa mesmo ir? — perguntei.

— Meu pai já deve estar me esperando para declarar aos tenebrianos que enfim, eu serei oficialmente um deles. E antes de ir, eu ainda quero comprar um estoque infinito de tinta azul para cabelos. Mesmo que acabe com todas as minhas economias.

— Espero que um dia, o portal de Tenebris não cora mais risco de ser descoberto por cientistas e você possa voltar para mim.

— Eu não posso garantir nada, meu amor. Mas lembre-se, estou fazendo isso pela segurança de Tenebris, que não estará segura enquanto eu estiver circulando por esse mundo. Mas não terá um dia, um minuto sequer que eu não estarei pensando em você. É provável que eu nunca mais volte. Por isso, meu bem. Viva a sua vida, faça isso por mim — pediu ela, com os olhos lacrimejando.

— Eu farei — afirmei.

Rebecca sorriu travessa da forma que eu amava. E eu a beijei novamente. Até que chegou um momento que deixei de sentir seus lábios quentes nos meus. Abri os olhos ela não estava mais nos meus braços. Seu único rastro foi o cheiro do perfume no ar e uma breve névoa azulada.

Dando conta da minha solidão, fui me sentar na poltrona. Foi quando descobri um último presente de Rebecca. Algumas fotos daquela e de outras das nossas noites em claro. Nossas fantásticas aventuras pelo mundo, a melhor fase da minha vida.

Me sentei na poltrona e fiquei olhando cada detalhe das fotos. Eu as guardaria para sempre, assim como faria com a lembrança de Rebecca no meu coração. Pois é verdade, que nada nem ninguém será eterno e o melhor que as pessoas podem nos deixar são boas lembranças. E Rebecca se tornou inesquecível.

ETERNAWhere stories live. Discover now