Capítulo 11 A Terra da Rainha

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Segunda feira, já entrei na van escolar sentindo que aquele seria um dia complicado. As coisas haviam mudado em grandes proporções na minha vida. Alana já não era uma simples amiga e Rebecca, passaria seu primeiro dia sendo minha amiga e de Tiago. Isso era contra o acordo inicial de agirmos naturalmente na escola. E, com as coisas mudadas, teríamos que ter o máximo de cuidado para não comentar sobre nossas viagens perto de outras pessoas. O que mais me preocupava não era a discrição que Rebecca e eu teríamos que ter. E sim, como Alana iria reagir a presença de dela. Eu sempre senti uma pitada de antipatia da parte de Alana por Rebecca. Por isso, eu teria que ter cuidado. Pois as duas eram completamente diferentes, uma era a calmaria e a outra era o caos. E era o caos que tirava de mim os sentimentos mais sinceros. Eu era outra pessoa com Rebecca, embora não mostrasse, e muitas vezes fosse o chato do rolê. Era com ela que eu me divertia de verdade, sem medo. Na verdade eu sempre confiei nela, mesmo nas situações que eu pensei que ela poderia me matar. No fundo eu estava me divertindo. Era meu verdadeiro eu que viajava com Rebecca durante as madrugadas. E esse Arthur, deveria se conter na escola e principalmente perto de Alana.

Assim que cheguei na escola fui recebido por Tiago. Ele trazia um sorriso de orelha a orelha. E me dava os parabéns por ter beijado uma menina. Para mim aquilo havia não havia sido grande coisa, já para Tiago era o acontecimento do ano.

Entramos na escola, subimos as escadas e lá em cima, próximo a porta da nossa sala e escorada pelos ombros nas barras de segurança, estava Rebecca. Olhando para baixo, quando nos aproximamos ela nos cumprimentou com um soco de mãos para cada um.

— Você vai andar com a gente hoje? — perguntou Tiago à ela.

— Sim — respondeu rapidamente. — Eu não esqueci do amigável convite feito por dois caras maneiros — disse sorrindo, olhando para mim.

— Você joga muito bem — comentei, me referindo ao domingo.

— Ah, obrigada — disse ela afastando o cabelo da testa. — Mas vocês são muito bons. Eu lutei para me manter. Só lamento ter jogado pouco. Eu estive ocupada. Meu pai resolveu aparecer. E também inventei de fazer essa merda no cabelo. Agora só me resta esperar crescer o suficiente para eu poder colocar para o lado e esconder.

Desde que coloquei os olhos nela eu percebi que havia algo diferente, mas só percebi quando ela falou. Rebecca havia cortado a franja na altura das sobrancelhas. Havia ficado bonito, nada muito marcante, ficou natural no rosto dela. Agora ela parecia um personagem de Anime com os cabelos longos e coloridos e uma franjinha fofa.

— Eu quis mudar — continuou ela. — Quando uma mulher quer mudar de vida ela muda o cabelo. Eu gosto do tom azul, então cortei a franja. Mas só consegui ficar ridícula.

— Ficou legal! — disse Tiago. — Está parecendo uma Anime!

Achei engraçado que ele pensou a mesma coisa que eu. Mas pelo menos não falei em voz alta.

Rebecca olhou para mim, e tive que dizer alguma coisa.

— Você está bonita — disse eu, e Rebecca sorriu satisfeita.

— Quem está bonita? — disse Alana atrás de mim.

Me virei assustado e dei de cara com Alana. A baixinha estava me olhando furiosa e sua amiga Cris estava mais interessada em olhar para Rebecca.

— A franja da Rebecca — respondi rapidamente. — Olhe, ficou legal! — Sai da frente para que Alana pudesse ver melhor.

— Hum. — Ela respondeu.

— Nossa! Ficou muito linda! — disse Cris, correndo para passar a mão nos cabelos de Rebecca.

— Obrigada. — Rebecca sorriu. Mas eu percebi que ela estava desconfortável.

— Adorei a franja! Combinou com o seu rosto. Ficou muito estilosa — continuou Cris.

Eu sempre notei que Cris gostava de Rebecca, talvez tivesse uma certa fascinação pela garota de cabelos azuis. E Alana não gostava muito disso. Pois tinha ciúmes da amiga.

O sinal tocou e entramos na sala de aula. Alana insistiu em se sentar ao meu lado e Tiago se sentou com a Cris. E Rebecca ficou sozinha na classe atrás de Tiago e Cris.

A professora demorou à chegar. Então ficamos conversado por um tempo. Alana não tirava os olhos de mim. E não soltava as minhas mãos. Eu fiquei um pouco sem jeito pois estavam todos olhando. Olhei para Rebecca que desviou o olhar. Tiago sorria como um bobalhão. E percebi que Cris fazia o mesmo com a Amiga.

— Quando vocês vão oficializar o namoro? — Cris perguntou.

Eu fiquei assustado, não esperava que as coisas andassem tão rapidamente.

— Ainda vamos esperar um pouco. Eu tenho que conhecer os pais do Arthur e ele tem que conhecer meu pai — respondeu Alana sem me consultar.

— É isso, Arthur? — perguntou Tiago.

— Sim — respondi. Não havia muito a ser dito.

Ficamos um tempo em silêncio e Alana continuou a me acariciar. Até que ela colocou os olhos em Rebecca.

— Por que você não está com as suas amigas, querida? — perguntou olhando para Rebecca, que estava em silêncio.

— Rebecca é nossa amiga agora — disse Tiago.

Alana olhou para mim seriamente.

— É verdade. Ela até jogou com a gente no domingo — disse eu.

— Como assim? — Alana indagou escandalizada.

Rebecca vendo que a garota iria surtar decidiu se manifestar.

— Pode ficar tranquila, queridinha. Eu não vou roubar seu namoradinho — disse Rebecca, com os pés sobre a mesa do lado da sua e com as costas na parede e olhando com desdém para Alana.

— E a propósito — disse eu nervoso. — Rebecca e eu já fomos melhores amigos à uns anos atrás. Nossa relação nunca passou disso. Eu gosto da Rebecca. E se você quiser ficar comigo vai ter que aceitar que a partir de hoje ela vai andar no nosso grupo! — Tomei coragem e falei o que sentia.

Ninguém iria me fazer de bobo. E eu não iria me afastar de Rebecca por um capricho de Alana. Ela teria que me aceitar como eu era.

— Está bem... Está bem... Eu não vou atrapalhar a amizade antiga de vocês — disse chateada e cruzou os braços.

Olhei para Tiago e ele só balançou a cabeça e disse:

— Que merda.

Olhei para Rebecca e ela apenas mexeu os lábios, eu li quando ela disse. "Fala com ela."

Eu me aproximei de Alana, segurei em suas mãos e sussurrei no seu ouvido:

— Rebecca é minha amiga e sempre vai ser. Mas você é minha quase namorada. E eu gosto muito de você.

Ela melhorou da cara feia na hora.

— Sério? — perguntou ela.

— Sim. — Sorri.

Ela me abraçou e não reclamou mais. Até a professora chegar, Cris ficou conversado com a Rebecca e Tiago a acompanhou, enquanto Alana e eu ficamos abraçados. Só notei que ela ficou um pouco desconfortável quando Luís chegou — atrasado como sempre — e olhou para nós dois juntos. Decidi iguinorar aquele idiota.

No recreio,  Rebecca nos acompanhou até o pátio e se sentou na grama de baixo de uma árvore conosco. Alana tinha parado de implicar com Rebecca, mesmo assim continuou não trocando uma palavra com ela. Ao contrário de Cris, que cada vez conversava mais com a nossa nova companheira. E Rebecca ficou feliz em ficar conosco.

Tudo estava indo bem. Tiago e eu estávamos falando dos jogos que jogávamos, para as meninas. E Cris se interessou em jogar também. Então convidamos ela para jogar de madrugada com a gente. Convidei Alana também, mas ela disse que não gostava.

Porém, nossa paz foi interrompida quando as antigas amigas de Rebecca, Débora e Natália se aproximaram.

— O que vocês querem aqui? — perguntou Rebecca, permanecendo sentada ao lado de Cris e olhando com desdém para as garotas.

— Queremos conversar com você — disse Débora.

— Não temos nada para conversar — disse Rebecca, virando o rosto para o lado.

E Natália se aproximou e se abaixou perto de Rebecca.

— Sentimos sua falta, amiga. Vem, vamos sair daqui. Você merece andar com pessoas melhores.

— Pessoas melhores?! — Rebecca levantou rapidamente e olhou escandalizada para as duas. — Vocês se consideram pessoas melhores do que eles? — Ela apontou para a gente. — Primeiramente, não me chame de amiga, pois nunca fomos. Eu até as considerava, mesmo que as vezes eu ficasse farta da quantidade de futilidade que vocês duas falam. Mas amigas, vocês nunca foram. Pois na primeira oportunidade de me apunhalar pelas costas, vocês o fizeram. Acham mesmo que sou burra? Burras são vocês, que só me usavam para tirar boas notas. E se revessavam para se pegar com o meu ex, que eu sei. Eu sei que vocês se aproveitaram que eu não posso sair de noite, e me traíram. Todos vocês! — bradou furiosa.

— Nossa! Nervosinha! Vai bater na gente agora? — Débora provocou.

— Claro que não — Rebecca respondeu tranquilamente. — Eu não vou sujar minhas mãos esgoelando duas galinhas.

Rebecca disse séria. O que não impediu que Tiago, Alana, Cris e eu nos jogarmos no chão para rir.

As meninas ficaram sem jeito. E tentaram se defender.

— Eu não sei porque viemos fazer as passes com você. Uma menina tão ridícula e pobre. E sobre o seu ex... Nós duas pegamos ele, sim. E agora não mas. Pois ele tem outra peguete secreta. E essa ele não quer que ninguém descubra — disse Natália.

— Sim, e pelo visto essa é bem especial. Pois ele largou todas as outras e agora só pega ela todas as noites — disse Débora, debochada. — Em segredo — murmurou.

— Se vocês acham que a vida intima do Luís me interessa, estão enganadas. Eu estou pouco me lixando para ele. Quero que se foda. — Rebecca disse indiferente. — E é melhor vocês seguirem o caminho de vocês. Aqui vocês não tem nada para fazer.

As meninas sorriram uma para a outra e saíram.

— Quem será que é a nova peguete do Luís? — comentou Cris.

— Sei lá, mano. Só parece que a coisa é brava para essa menina. Pois se não ela não seria secreta. — Tiago debochou.

E Cris sorriu. Olhei para os dois e senti que ambos tinham uma forte conexão chamada "deboche."

— Isso não me interessa em nada — disse Rebecca. — Só fico feliz em ter descoberto o quão podre aquele cara é. E feliz que me livrei daquele traste.

— E agora você tem bons amigos — comentou Tiago.

— Verdade. — Ela sorriu. — Eu me sinto feliz com vocês. São pessoas legais. E muito melhores do que eles. Fico feliz por ter sido convidada por esses dois para sermos amigos. — Ela olhou para Tiago e eu.

Depois do recreio a aula foi normal. E assim o resto do dia. Quando cheguei em casa, fui direto para o meu quarto largar minha mochila, e depois vi que meu pai e minha mãe estavam jantando em silêncio e eu os acompanhei. Em seguida, ajudei a minha mãe com a louça e depois fui tomar um banho.

Quando entrei no meu quarto ainda de toalha, pois havia esquecido de pegar uma roupa. E me assustei quando acendi a luz e me deparei com Rebecca olhando os meus livros. E mesmo de costas ela falou comigo.

— Você gosta mesmo de Harry Potter e Sherlock Holmes. O que acha de ir para um lugar que você fique mais perto deles? — disse ainda de costas.

E se assustou quando se virou e me viu só de toalha tampando só a parte de baixo do meu corpo.

— Eu acho ótimo! — Eu sorri da cara que ela fez.

— Está bem, pernas bonitas — disse desviando o olhar. — Coloque as roupas mais quentes que tiver. Pois hoje à noite vamos para Londres. E já que aqui estamos na primavera. Lá é outono e ainda é bem frio. Mas anda logo, que eu vou dar uma volta enquanto você se veste. Já volto.

E desapareceu.

Ela me chamou de pernas bonitas? Olhei para as minhas pernas. Não tinham nada de mais. Desviei esse pensamento da minha mente e decidi não perder tempo, fiz o que ela mandou. Coloquei a calça de abrigo mais pesada que tinha, dois casacos de lã, uma jaqueta de couro preta, uma touca preta e um cachecol. Na hora fiquei com calor. Então iria servir. Assim que terminei, me sentei na cama para esperar por Rebecca. Eu estava animado para ir para Londres. Eu não tinha mais receio em sair com a Rebecca, na verdade era a melhor coisa da minha vida. Eu acordava e dormia pensado na próxima vez que eu viajaria com ela. Ela me tirava da monotonia, era a única pessoa que me trazia uma felicidade que eu não sabia explicar.

Não demorou muito para ela chegar. Rebecca apareceu próximo a minha janela vestida com uma calça de jeans azul escura bem apertada, botas pretas de couro e uma jaqueta de couro bordo. Ela também usava um cachecol preto e uma touca preta como a minha.

— Que cara de bocó é essa? E você vai para Londres descalço? — Ela sorriu e olhou para os meus pés.

Olhei para os meus pés e me senti envergonhado. Corri e vesti dois pares de meias e calcei meus tênis.

— Está pronto?

— Sim. — Me levantei e andei até ela, que estava de mãos estendidas e eu as peguei.

Sorri quando senti o calor das suas mãos nas minhas. E olhei nos olhos azuis de Rebecca que brilhavam como estrelas.

— O que foi? — perguntou sorrindo.

— Nada — respondi timidamente.

— Fala — insistiu.

— Eu estou animado para ir para Londres e... — Não tive coragem de dizer.

— E? — indagou Rebecca.

— Você está muito bonita e hoje foi um dia muito bom. — Sorri timidamente.

— Que fofo! Obrigada. E eu também achei que hoje foi um bom dia. E gostei muito dos seus amigos. E principalmente quando você disse para a sua namoradinha ciumenta que você não vai deixar de ser meu amigo. Fiquei orgulhosa da sua coragem.

Apenas sorri.

— Mas não vamos perder tempo. Vamos para Londres e lá conversamos — disse ela rapidamente, apertou minhas mãos e teletransportou.

Desta vez não fechei os olhos, queria aproveitar o máximo daquele momento. Em meio aos fleches azul néon que eu podia ver, eu sentia que ela sorria. E suas mãos apertavam as minhas como se nunca mais fossem se desprender.

Chegamos em um lugar parcialmente escuro. Logo, Rebecca não deixou de segurar minhas mãos e me levou para um lugar mais iluminado onde haviam poucas pessoas. Poucas mesmo.

Estava muito frio, e mesmo agasalhado eu sentia o frio intenso. Olhei em volta e estávamos em um lugar de tijolos, pouco iluminada como em um filme de época. Ou como...

— Aqui é uma estação de trem! — exclamei. — Quando sai o expresso para Hogwarts? — Brinquei.

— Quando chegarmos na estação certa — respondeu divertida.

— Vamos nos jogar de cara em uma parede? Não acho uma boa ideia.

— Só vem.

Ela me puxou pela mão e corremos por um tempinho até que ela parou.

— Olha! — disse ela.

Olhei para uma parece e lá tinha uma placa escrito "Platform 9 3/4" Era a estação que levava para Hogwats. Como nerd que sou, fiquei muito feliz e não me contive, tive que olhar mais de perto.

— Lamento meu caro, Sr. Arthur. Mas nós não podemos ir para uma escola de bruxos, pois somos trouxas. E lamento lhe informar que nos últimos tempos Londres esteve estranha. Uma onda de crimes misteriosos vem amedrontado a cidade. Temos que fazer algo — disse Rebecca se aproximando e me olhando misteriosa.

— O que está em nosso alcance, Senhorita Rebecca Luz? — perguntei entrando na brincadeira.

— Sozinhos não podemos fazer nada. Antes temos que encontrar o homem mais astuto de Londres. O Sr. Sherlock Homes. Que por hora, se encontra desaparecido — disse destemida.

— E a senhorita sabe onde ele se encontra? Tendo que ele esteja desaparecido. Não deve estar em sua residência no apartamento número 221B da Baker Street — disse eu.

— Felizmente, meu caro. Eu tenho uma ideia de onde ele pode estar. Gostaria de me acompanhar?

Eu não aguentei e sorri quando ela me estendeu o braço como um homem do século passado.

Rebecca me levou até um canto onde ninguém poderia nos ver e teletransportou.

Chegamos em um beco escuro. E ela me chamou para sairmos dali.

Eu a acompanhei até uma rua. Era uma noite ainda mais fria ao ar livre. Mas isso não impedia as pessoas de estarem animadas nas ruas londrinas.

Chegamos até um amontoado de pessoas, quando Rebecca parou na frente de um bar que também pode ser chamado de pub inglês. Que na fachada estava escrito "The Sherlock Holmes". Notei que haviam mesas no lado de fora. Mas devido ao frio todos os clientes estavam dentro do bar.

— Ali possivelmente o encontraremos — disse Rebecca. — Mas antes de entrar tenho que te dizer algo muito sério, Arthur.

— O quê? — perguntei tirando os olhos da bela fachada e olhando para a minha companheira.

— Nós somos menores de idade e não temos visto para estar nesse país. E naquele lugar é óbvio que exista pessoas bêbadas. Por isso, temos que ter cuidado em nos expor de mais. Quando eu viajava sozinha eu sempre cuidava disso. Pois se alguma autoridade nos pega, e pede nossos documentos ou tira alguma foto. A gente toma no cu. Como vão explicar dois brasileiros que sumiram de uma hora para a outra e apareceram presos em Londres?

— É verdade. Temos que tomar cuidado — concordei. — Mas se é assim não seria melhor não entrarmos em um lugar que podemos ser descobertos.

— Fica tranquilo, eu já sou conhecida naquele pub. Eu tenho um amigo barman que sempre me deu bebida sem pedir documentos. E o melhor... Ele é brasileiro — disse ela. — Vamos entrar! — Pegou minha mão e me levou para dentro do bar.

Lá dentro era muito melhor, mais quente e acolhedor. E havia um número considerável de pessoas.

Olhei em um relógio de parede e era meia noite em Londres. E eu lembrei que quando sai de casa ainda era nove horas. Então provavelmente eu veria o sol nascer em Londres.

Rebecca me levou até o balcão. Onde um rapaz bem vestido com uma barba bem feita servia as bebidas.

— Bela noite, não é mesmo, Felipe? — perguntou Rebecca, se debruçando sobre o balcão. E pela maneira que o cara olhou para ela era visível que ele gostava de Rebecca.

— Boa noite, My Lady — disse ele. — Gostei do que você fez no cabelo. Ficou ainda menos padrão.

— Fico feliz por ser diferente das outras — disse ela.

— Sim, a beleza muitas vezes é uma ditadura — comentou ele, enquanto organizava alguns copos.

— E eu estou pouco me importando com a ditadura da beleza. — Ela sorriu para ele e olhou para mim. Que estava sobrando na conversa. — Esse é Arthur — disse ela. — Ele é meu melhor amigo. E veio me visitar aqui em Londres.

— Está gostando da cidade? — perguntou.

— Sim, muito — respondi me aproximado ainda mais de Rebecca. Aquele cara olhava estranho para ela.

— Eu já estou aqui faz três anos — continuou Felipe. — Minha família se mudou para Londres e eu tive que trabalhar para manter a renda.

— Aqui me parece um bom lugar. Essas pessoas são muito educadas — comentei olhando ao redor. Onde as pessoas bebiam e conversavam baixo.

— É sim. Eu adoro trabalhar aqui... Mas enfim? O que vão pedir? — perguntou Felipe.

— Dois espumantes. Para mim o de sempre, uma dose grande e para o meu amigo uma menor. Ele não está acostumado. E coloca tudo na minha conta — pediu Rebecca.

Felipe foi buscar o "nosso" pedido e eu fiquei olhando curioso para Rebecca.

— O que foi? — perguntou ainda debruçada no balcão.

— Não era você que não bebia, que achava ruim? — indaguei.

— Você está se referindo à Las Vegas? — disse olhando para o balcão.

— Sim.

— Ah. Quando aquilo aconteceu eu estava alterada, caso você não tenha notado. E eu não bebo quando estou alterada. É para o bem da humanidade. Mas agora eu estou bem. O álcool não vai me deixar mais louca do que já sou. E mais uma coisa. — Ela me olhou. — Não leve a serio tudo que eu digo. Principalmente quando eu estiver louca, atirando coisas de penhascos. E eu também não gosto de cerveja — disse olhado para frente.

— Está bem — respondi sorrindo.

E ela sorriu também.

— Pensei que você fosse certinho ao ponto de não beber.

— Eu não sou de encher a cara. Mas já bebi, sim — disse eu. — Você ainda não me conhece, Rebecca.

— Eu não conheço nem a mim mesma. Como vou julgar você? — gargalhou. — O bom de viver é mudar!

— Aqui está — disse Felipe, nos entregando as bebidas. — Não envergonhem nosso país fazendo merda por aí.

— Pode deixar. — Rebecca respondeu.

Ela me entregou meu copo e pegou o dela que era duas vezes maior do que o meu. Em seguida, andou até uma mesa próximo a uma janela. Eu me sentei ao seu lado e começamos a beber.

— E como foram as coisas com seu pai? — perguntei, tentado puxar assunto.

— É melhor não conversamos sobre isso em público — respondeu e em seguida tomou um gole do espumante.

— Está bem — disse e continuei tomando a minha bebida.

— Mas podemos falar sobre você, aqui. Como foi com a Alana no domingo? — Rebecca perguntou.

— Ah, foi legal — disse em voz baixa.

— Foi tão ruim assim?

— Não foi ruim. Foi bem legal.

— Como foi? Ela te beijou?

— Sim. A mãe dela nos deixou sozinhos do shopping e tomamos um sorvete. E enquanto estávamos olhando o filme ela me beijou — respondi um pouco envergonhado.

— Que clichê — disse ela, olhado para o copo quase vazio. — Garanto que você se diverte muito mais comigo.

— Eu me diverti muito com ela. Mas com você...

— Comigo? — Ela arqueou a sobrancelha.

— Com você eu não me sinto tão pressionado, eu consigo me divertir sendo eu mesmo. Mesmo que as vezes eu reclame, você me faz bem. Me tirou na monotonia. Já com Alana eu morro de medo de fazer ou falar algo que ela não goste e ela nunca mais olhe na minha cara.

— Então você gosta mesmo dela... Está apaixonado?

— Acho que sim... Eu ainda não sei lidar com isso. Sinto que ela é a menina certa. Que vai me fazer feliz.

— Isso está errado — disse ela, não me encarando.

— Por quê?

— Simples. Não associei sua felicidade em estar ou não com alguém. As coisas nunca acontecem como a gente planeja. E se você não quiser se decepcionar, não crie muitas expectativas. Pelo menos enquanto você não tiver certeza de nada. Você ainda está conhecendo essa menina. Ela pode ser diferente do que você vê.

— Eu sei que não devo me iludir. Mas Alana é uma boa pessoa. E ela me ama.

— Quando uma pessoa faz você se moldar para ficar perto dela. Está pessoa  é egoísta.

— Não diga isto. Ela não é egoísta! Ela disse que me ama! — respondi escandalizado.

— Fique calmo, Arthur. Não estou te jogando contra ela. Apenas estou usando como base uma frase que eu li. E que me fez repensar um pouco.

— Que frase é essa? — perguntei enquanto tomava o último gole.

— É de um filósofo alemão chamado Friedrich Nietzsche. Eu li algumas coisas dele. E a frase que mais me instigou foi essa: "Todo amor é próprio. Pense naqueles que você ama: cave profundamente e verá que não ama à eles; ama os sentimentos agradáveis que esse amor produz em você. Você ama o desejo, não o desejado". E é sobre isso que eu me refiro. Quando você sente que tem que ser uma pessoa diferente só para agradar aquela menina. Você espera que ela goste de um Arthur forçado, que talvez não exista. E quando você supre as expectativas dela. Ela diz que te ama. Quando na verdade ela ama a alegria que você dá para ela, e não necessariamente você. E se isso mudar e ela ver que você não supre mais as necessidades dela. Puft! Acabou o amor. Porque duvido que ela iria te suportar reclamando toda hora como eu suporto. Por isso, mostre o Arthur de verdade para ela. Não uma versão que pode te sufocar. Não deixe de ser você mesmo. Não há nada de errado nisso.

Eu não soube o que responder. Rebecca estava certa, aquilo era para se refletir. Mas o amor sempre foi algo muito complicado para um mero mortal entender. Então decidi perguntar.

— Já que você se acha tão esperta. O que é o amor sem egoísmo?

— É a aceitação de todas as falhas — respondeu rapidamente. — No amor sem egoísmo, a felicidade do outro é a sua. E você ama como a pessoa é, sem ter que molda-lo à você. O amor é respeito, sem cobranças absurdas. E a base de tudo é a confiança.

— Você tem uma ideia muito boa sobre o amor — comentei.

— Mas é claro! — gargalhou. — Só pensei no oposto de todos os meus casos amorosos. E está aí! O amor como deve ser!

Rimos juntos e notamos que estávamos ambos de copos vazios. Eu senti que o álcool estava começando a fazer efeito no meu organismo. E pela cara de Rebecca, no dela também. Então ficamos rindo de uma piada sem graça por mais um tempo. Até que Rebecca se levantou, pegou minhas mãos e me levou para o meio do bar.

— O que você está fazendo? — Eu estava bêbado mas não estava sem noção.

Ela tampou o rosto com o cachecol.

— Vamos dançar! Cubra o rosto com o cachecol. Assim nossas identidades continuarão secretas caso alguém nos filme — disse ela, agitando nossos braços e colando nossos corpos.

Cobri meu rosto com o cachecol. E ela continuou dançando.

— Não tem música, Rebecca — alertei.

— Uma vez um alemãozinho chamado Nietzsche disse: "Aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música". Feche os olhos e ouça, Arthur. Ouça a nossa música — disse ela, encostando a cabeça no meu peito e me conduzindo a dançar em círculos.

Ela soltou minhas mãos e abraçou meu tórax. "Coitadinha, está de porre." Pensei. E então a abracei. E continuamos a dançar.

Olhei em volta e rostos curiosos nos encaravam. Mas eu não podia fazer nada. Rebecca me segurava com força. E na verdade eu não me importava com o julgamento dos outros e decidi passar aquela vergonha da melhor maneira possível. Peguei uma das mãos de Rebecca e a girei como em uma valsa. Ela gargalhou e acompanhou. Dançamos olhando um nos olhos do outro. E naquele momento tudo perdeu o som. Só existiam Rebecca e eu. E as poucos, enquanto dançávamos. Eu pude ouvir a música. Só voltei para a realidade quando ouvi as palmas. Olhei em volta e todos no bar nos aplaudiam. Fiquei envergonhado, mesmo assim abracei Rebecca.

— Dançar diminui o frio — disse ela, assim que se afastou e tirou o cachecol do rosto quando notou que ninguém mais olhava para nós.

Então fiz o mesmo. Descobri meu rosto.

— Eu percebi — respondi sorrindo e ainda segurando suas mãos.

Ela olhou no relógio e em seguida para mim.

— Já passamos uma hora aqui. Quer conhecer outro lugar?

— Claro. Eu vou onde você quiser — respondi sorrindo.

Ela aproximou seus lábios do meu ouvido e disse:

— Vamos ser os donos do tempo.

Ela abriu a porta do bar e gritou um Good Morning para todo mundo. E me arrancou pela mão lá de dentro.

Rebecca correu para trás de um monumento no meio da rua e lá teletransportou.

Surgimos em um lugar ainda mais escuro a única luz vinha das vidraças na frente. E olhando melhor, logo notei que aquilo era o próprio relógio. Me aproximei e olhei a paisagem entre as vidraças e os ponteiros, que eram maiores do que eu imaginava. Eu vi um céu enuviado que estava claro devido a lua cheia que aparecia quando as nuvens a descobriam. A torre do relógio tinha um brilho dourado que refletia no lago a frente. Juntamente com uma bela ponte que ficava próximo ao Big Ben.

— Aqui é fantástico! — disse eu quando Rebecca se aproximava.

— Verdade. — Ela olhou a paisagem e sorriu. — E temos sorte sabia? Pois só ingleses podem visitar esse lugar. Se a gente fosse dois turistas normais. Teríamos que nos contentar com a visão lá de baixo.

— Isso é incrível! — Olhei para fora. — Você é incrível! — Olhei para Rebecca.

— Eu sei. — Ela sorriu divertida, se aproximou e me abraçou. — Eu deveria ter vestido mais casacos.

Eu percebi que ela estava congelando e a abracei.

Olhei mais uma vez para a paisagem e lá no fundo vi uma roda gigante com luzes vermelhas. Ela era enorme.

— Que legal aquela roda gigante! — comentei.

Rebecca levantou o rosto e me sorriu travessa.

No mesmo instante ela teletransportou para uma das cabines da roda gigante. Que estava em movimento. Mas as únicas pessoas que estavam nela eram Rebecca e eu.

Rebecca estava sentada ao meu lado e continuava sorrindo travessa.

— Você é doidinha! — Brinquei.

E ela deu de ombros e olhou para o rio abaixo.

— Por que essa roda gigante fica girando a noite inteira se ninguém anda nela? — perguntei.

— Essa é a segunda maior roda gigante do mundo, que se chama London Eye. Ela é tipo a Torre Eiffel de Londres. Ela fica bonita perto do Rio Tâmisa, não acha? — Rebecca me olhou. — E eu não sei porque ela fica ligada a noite inteira.

— Já que estamos sozinhos você pode contar como foi com seu pai?

— Sim — disse ela. — Primeiramente, Dimitri é um cara estranho. Não que seja feio. Meu pai é um cara bem forte e bonito até. Ele é loiro e tem os olhos azuis como os meus. Ele fala muito bem português, para a minha surpresa. E fala inglês e alemão, além do italiano. Ele me disse que tem uma fabrica de sapatos em Roma. E que seus pais eram americanos. E que mora na Itália desde criança. Eu perguntei o que fez ele vir para o Brasil na época que ele conheceu a minha mãe. E ele disse que era por causa das fábricas de calçados no nosso estado. E que ele foi embora sem saber que minha mãe estava grávida. E o resto eu já te contei. Que ele olhou as redes sociais e me encontrou.

— Mas o que ele tem de estranho? Pelo que eu estendi ele é um cara boa pinta e tem dinheiro.

— Ele é meu pai! O que mais ele poderia ter de estranho? — respondeu rapidamente. — Ele pode ser estranho como eu. Eu tenho que investigar a vida dele. Se ele tiver algum dom como eu. Imagina? Eu teria as respostas do porque eu consigo me teletransportar.

— Ele falou ou fez algo suspeito?

— Não que eu tenha notado. Ele foi muito atencioso comigo. Não sei se estranhei por não estar acostumada. Na verdade eu estou muito desconfiada. Mas pode ser tudo paranóia da minha cabeça. — Ela passou as mãos no rosto.

— Fica tranquila e investiga a vida dele, se isso acabar com as suas duvidas — sugeri.

— Eu vou fazer isso. A partir de amanhã. Eu ia te contar. Amanhã vou chegar na sua casa as onze horas. Vou tirar duas horas para investigar Dimitri e depois a gente viaja.

— Isso deve ser meio assustado. Imagina se você descobre algo bem sinistro sobre ele?

— Nem me fale. Eu já estou começando a ficar receosa.

— Você receosa?

— Sim. Você acredita que ele me convidou para passar um mês em Roma com ele? Mas minha mãe não deixou, claro. Ela disse que embora ele seja meu pai. Nós não o conhecemos bem.

— Ela está certa.

— Eu sei... Mas não quero viver com essa dúvida. Daqui a pouco ele some e eu não encontro nunca mais. E enquanto ele estiver por perto eu consigo seguir o rastro dele para teletransportar.

— E como isso funciona?

— O quê?

— Esse negócio de rastro?

— Eu não sei explicar. E como se fosse um sexto sentido ou um olfato apurado. Eu posso sentir onde estão as pessoas. É muito confuso. Nem eu entendo.

O efeito da bebida estava passando e já não me sentia mais tonto. Olhei para o horizonte no Rio Tâmisa. E vi que breves raios solares surgiam no horizonte.

— Já está quase amanhecendo aqui — comentei.

— E no nosso fuso horário é quase duas horas da manhã — disse Rebecca, me mostrando o relógio de pulso.

— Isso é bom. Podemos aproveitar bem a noite londrina e nem ficamos cansados.

— Já cansei daqui. Quer ver o nascer do sol em um lugar que turista bem alto?

— Do Big Ben?

— Não. De cima de uma ponte.

— De novo o perigo. — Olhei seriamente para ela.

— E você acha mesmo que eu vou te deixar cair e perder meu melhor amigo, a única pessoa que eu confio? — disse divertida.

Eu sorri.

— Já que você me considera tanto assim eu vou. E vou reclamar menos a partir de hoje. Eu prometo.

— Se você quiser mudar, faça isso por você. Tudo bem. Por mim não faz mal continuar a ser o mesmo moleque chato.

Eu peguei as mãos dela.

— Vamos para a tal ponte.

Ela sorriu e teletransportou.

Chegamos em um lugar muito frio, onde uma brisa soprava com força. Rebecca ainda segurava minhas mãos. E devido ao frio ela se aproximou do meu corpo para se esquentar.

Mesmo com a escuridão parcial, eu conseguia ver bem onde estávamos. Eu via o Rio Tâmisa abaixo. Onde um barco passava as pressas. Rebecca e eu estávamos perto de uma das torres que a ponte possuía e do outro lado à alguns metros havia uma segunda torre exatamente igual. Olhei para cima e vi que elas eram conectadas por duas pontes menores. Eram belas torres. Pareceriam de castelo. E eu vi que possuíam janelas, com certeza daria para entrar.

— Podemos entrar em uma das torres? Aqui está muito frio — sugeri.

— Claro — respondeu ela tremendo de frio.

Rebecca teletransportou abraçada à mim.

Aproveitando que estava próxima, me abraçou e logo estávamos dentro de uma das torres. Ficamos olhando para a paisagem da pequena janela. Dentro da torre não havia nada de interessante. Porém fora a paisagem era exuberante. Além do Rio Tâmisa e de prédios novos e antigos. O sol começava a exibir seus primeiros raios.

Devido ao frio Rebecca continuou a me abraçar. Seu calor e perfume de jasmim deixavam aquele momento ainda mais belo. E eu poderia viver mil anos naquele momento que eu nunca reclamaria. Londres era o lugar que havia inspirando meus livros e filmes favoritos. Mas eu não estava vivendo nada parecido. Estava vivendo a minha própria aventura, ao lado de Rebecca.

Meus devaneios foram interrompidos quando ela levantou, o rosto e me fitou novamente com aquele olhar travesso. Suas bochechas e lábios estavam vermelhos devido ao frio, e isso a deixava ainda mais bela, em seguida rumou novamente para a paisagem.

— O sol já está nascendo — comentou ela.

— E eu ainda não estou com muito sono — respondi. — Isso é engraçado.

— É claro — disse ela olhando para o relógio. — Não está com sono porque no Brasil ainda é duas horas da manhã. E agora em Londres e cinco.

— As horas me parecem um pouco paradas por aqui — comentei.

— Tem razão. Até as oito horas está tudo fechado na cidade. E faz tanto frio — disse ela.

— Quer ir para outro lugar? — perguntei olhando em seus olhos.

— Eu iria te perguntar isso agora... Você não quer ir para casa? Acho que já nos divertimos o bastante por hoje. E eu queria aproveitar isso para tirar um tempo para espionar meu pai. Saber o que ele faz de madrugada. Você me entende?

— Claro, perfeitamente! — Eu sorri. — Vamos para casa. Ai eu aproveito para jogar o resto da madrugada. Garanto que Tiago deve estar fazendo isso.

— Está bem. Vamos para casa. E já vamos pensado na viagem de amanhã. Tem algo em mente? — ela perguntou ainda abraçada à mim.

— Tudo menos frio — respondi.

— Está bem — disse alegre. — Vou pensar em uma bela praia no oriente e amanhã vamos nadar um pouco.

— Perfeito — respondi.

Ela sorriu e se afastou um pouco. Segurou minhas mãos e teletransportou.

Em seguida estávamos novamente em meu quarto.

— Então, até amanhã — disse eu.

— Até. — Ela me abraçou e em seguida desapareceu na escuridão do meu quarto deixando apenas o aroma de jasmim e uma rápida neblina azulada.

Meu celular estava na escrivaninha. Não havia nenhuma mensagem de Alana a não ser um "Boa noite" mandado à muito tempo. Mas em compensação haviam muitas de Tiago, me convidando para jogar. Então liguei o PC, respondi as mensagem e passamos o resto da madrugada jogando. Eu só esperava que Rebecca tivesse sorte em descobrir algo sobre o seu pai.

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