Penúltimo Capítulo

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O dia raiou e Quitéria acordou com o barulho de batidas na porta do bordel. Com certeza era Custódio vindo buscar Francine para leva-la embora. Levantou e vestiu o roupão de cor roxa; desceu as escadas vagarosamente apoiando a mão esquerda no corrimão de madeira.

Foi abrindo todas as trancas, parecia satisfeita. No momento em que a porta foi aberta algo surpreendente deixou a dona do bordel sem reação; na sua frente estava Matilde, de saia até os joelhos e com uma camisa abotoada até o pescoço.

- Se você veio aqui pra tentar me prejudicar, saiba que eu...

Matilde tentava olhar para dentro do estabelecimento.

- Vivi muita coisa aí. – Disse Matilde.

Quitéria virou o rosto para trás.

- Pois é, vivemos.

As duas ficaram ali por um tempo, sem falar nada, apenas se encarando. Recordaram os momentos dentro daquele lugar, das brigas, dos puxões de cabelo e do reencontro das duas após muitos anos de distanciamento. Nunca foram amigas, elas se odiavam, no entanto, um dia, um acerto tinha de ser feito entre elas.

- Posso entrar? – Pediu Matilde.

- Eu não posso crer que você queira entrar aqui depois de todos esses anos. – Era visível a surpresa de Quitéria com o pedido de Matilde.

- Pois creia Quitéria. Hoje eu enxergo esse lugar como um antro de pecado e perdição, mas eu vim daí. Fui puta. Levava vários homens de uma só vez para o meu quarto, mas me arrependi. Errei ao condenar você e as meninas.

A escuridão do local ofuscou um pouco a visão de Matilde acostumada com o sol do paraíso, estranhou a penumbra assustadora do universo pecaminoso da prostituição.

- O bar, o lustre, as mesinhas. Tudo continua igual. Só mudaram algumas coisas. – Disse Matilde.

- Verdade. – Falou Quitéria.

De repente as meninas começaram a surgir. Algumas com cara de sono, outras assustadas com a surpreendente visita.

- Oi meninas?! – Disse Matilde ao avistar as garotas.

Elas nada responderam, pareciam hipnotizadas.

- Vamos. Digam pelo menos um bom dia. – Ordenou Quitéria.

Ninguém obedeceu. Quitéria insistiu.

- Estou mandando. – O tom de voz era mais alto.

- Não precisa. – Falou Matilde. – Insultei muito a cada uma delas. Elas não precisam ser educadas comigo, pois eu fui muito mal educada com todas elas.

As duas subiram até os quartos. Quitéria colocou a mão em uma das portas, essa pintada de vermelho.

- Lembra-se desse quarto, Matilde? – Questionou Quitéria.

- Mas é claro. Aí dentro tem muita história. – Respondeu Matilde visivelmente emocionada.

Caminharam pelo corredor acarpetado. As paredes eram brancas, recentemente pintadas.

- Este aqui é o meu quarto. Gostaria de conhecer? – A cafetina parou em frente a uma porta de cor roxa.

- Sim. – Disse Matilde.

Quando a porta foi aberta Matilde ficou admirada com a decoração. Uma cama enorme de casal, almofadas, um guarda-roupa grandioso. Dentro do móvel, várias roupas, sapatos, sandálias. Tudo muito bem arrumado e organizado.

- Aqui é onde eu descanso para aguentar as noites.

- Quarto bonito.

- Se você não tivesse feito aquilo, provavelmente ele seria seu.

- Concordo contigo. Mas eu nunca levei jeito pra tomar conta de mim, imagina só comandar todas aquelas meninas. Aguentar crises de tpm, brigas entre elas, administrar o bar, a música, e eventualmente expulsar sujeitos sem noção.

As duas pararam por um instante. Depois sentaram na beirada da cama e ficaram ali por horas jogando conversa fora; lágrimas e risos, finalmente a paz estava selada.

Na parte de baixo do bordel as meninas conversavam, mas interromperam os bochichos quando no alto da escada surgiu Quitéria e Matilde. Desceram as escadas, Matilde do lado direito e Quitéria do lado esquerda, Matilde de cabelos negros e curtos, Quitéria de cabelos loiros e compridos. Quando chegaram à parte de baixo do salão foram recebidas pelas meninas ainda com olhares duvidosos.

- Eu posso te pedir um abraço? – Disse Matilde humildemente. Nem de longe parecia aquela mulher de ar arrogante de tempos atrás.

Quitéria abriu os braços. Matilde foi lentamente se aproximando, o rosto coberto de lágrimas, um sorriso foi surgindo em seu rosto. Braços enlaçados, corpos unidos; finalmente Matilde e Quitéria faziam as pazes.

Em nome do paiWhere stories live. Discover now