Capítulo 14

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Matilde deixou a igreja antes das outras pessoas. Do lado de fora ajeitou a alça da bolsa no ombro direito, ergueu o corpo roliço e passou a andar. Poucos passos depois e ela para na frente do bordel. Cospe no chão e passa a sola do sapato de salto alto para disfarçar, porém, não dá tempo. Quitéria estava ali, na porta de seu estabelecimento, de braços cruzados olhando o movimento da rua, dos carros que passavam de um lado para o outro, da fumaça dos ônibus e do barulho ensurdecedor das crianças que brincavam na praça sob os olhares atentos de pais, mães e avós.

Matilde baixou a cabeça e buscou esconder o rosto quando percebeu de quem se tratava. Quitéria ergueu o pescoço e puxou na memória quem era aquela mulher. Na hora veio à lembrança de uma mulher de corpo bonito, seios grandes e rosto milimetricamente desenhado, seu nome era Matilde, a mulher que ela tinha conhecido dentro daquele bordel. Matilde era uma das moças mais requisitadas, chegando a atender a três clientes de uma só vez; era insaciável sexualmente.

Matilde. Cinquenta e três anos de idade. Metade da vida foi puta, metade da vida de puta foi uma verdadeira filha da puta.

- Quanto tempo Matilde, lembra-se de mim? – Perguntou Quitéria.

Matilde olhou para os lados, sua cabeça mexia de um lado para o outro, parecia perdida, na realidade, ela estava mais do que perdida. Toda a farsa apresentada dentro da igreja estava indo aos poucos por água abaixo. Ela não respondeu, sustentou o silêncio, segurou a vergonha, e suportou a urina que ameaçava descer pelas pernas.

- Porra Matilde, sua filha da puta! Você some, não dá mais as caras. O que aconteceu contigo?

- Eu, eu não conheço você criatura do demônio. – A voz de Matilde era um fio de quase nada, ela não saia. Ela não sentia medo, só não queria ter seu passado revelado para o resto dos irmãos da igreja.

Homens e mulheres, todos bem vestidos foram se aproximando; eles comentavam sobre a reforma da igreja. Matilde tentou em vão se esconder, mas já era tarde. Seus irmãos a olharam, incrédulos com a cena que ali se desenhava. Quitéria apenas sorria timidamente tentando controlar o riso.

- Como não conhece Matilde. Tu trabalhaste nesse bordel há muitos anos. O povo aqui precisa saber o quanto você era requisitada.

A multidão se fez em volta cercando Quitéria e Matilde.

- Você é uma louca! Você está falando o nome do senhor Jesus em vão e isso é pecado. - Diz Matilde.

Quitéria se enfurece:

- Eu não mencionei o nome de deus, sua louca! – Vociferou Quitéria.

Finalmente o barraco estava armado. De um lado do ringue, representando a impureza estava Quitéria, do outro, Matilde, a representante da moral e dos bons costumes; a pessoa que desejava fechar as portas do bordel.

- Eu vou mandar derrubar essa espelunca! – Falou Matilde, apontando para a entrada do bordel.

Quitéria riu alto.

- Não vai não, Matilde. Você pode ter engordado, ficado com a pele enrugada, deixado de se maquiar igual a uma puta, mas você tem o cheiro desse lugar.

- Não diga blasfêmias sua pecadora. – Rebateu Matilde.

Custódio e Cláudio assistiam incrédulos. Dentro do bordel as meninas ouviam a discussão. Trancada em seu quarto, Francine observava tudo pela fresta da janela. Como ela poderia imaginar, que a senhora encrenqueira, que adorava uma confusão, xingar as meninas, era na verdade uma ex- garota de programa.

A confusão foi se estendendo. Insultos eram atirados. O furdunço só teve fim quando o Pastor Cláudio interveio.

- Parem! – Disse ele calmamente.

Quitéria recuou, entretanto, Matilde avançou acertando um tapa do lado direito do rosto de Quitéria que nada fez, apenas botou a mão no rosto vermelho. Os dedos de Matilde ficaram marcados na face da dona do bordel. A dona do bordel, nada fez, ficou quieta, pois imaginava quais seriam as intenções daquela mulher. Conhecia seu instinto vingativo, seu caráter duvidoso e o quanto ela seria capaz para destruir o seu negócio. Sim, o bordel era o sustento dela, mas não só dela; lá moravam muitas meninas, a maioria expulsa de casa pelas famílias e encontradas nas ruas. Era naquele lugar de paredes de cores berrantes, de quartos simples, porém, aconchegantes que elas dormiam e trabalhavam.

- Eu vou acabar com você! – Gritou Matilde. Aqueles que a conheciam se assustaram com o seu comportamento.

Cláudio se aproximou dela e a pegou levemente pelo braço.

- Venha comigo Dona Matilde, por favor. – Exigiu Cláudio.

A multidão foi se dispersando. Quitéria voltou para o bordel, o coração pulando no peito e lágrimas escorrendo em seu rosto, a raiva era enorme. Cláudio e Matilde caminhavam em direção à igreja. Lá dentro os dois teriam uma conversa esclarecedora.

Em nome do paiNơi câu chuyện tồn tại. Hãy khám phá bây giờ