☾ 20

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Por mais que tentei não mostrar o quanto aquela revelação tinha me afectado, a minha mão não recebeu a mesma mensagem e deixei deslizar o copo para o chão onde ele partiu de imediato. Isso não apareceu afetar em nada o comportamento do meu pai.

- Fico admirado que tens conseguido quebrar o feitiço... Nem o teu irmão conseguiu descobrir muito menos conseguir esconder-me que o tem tentado fazer. Mas isso fez com que a minha esperança em ti não tivesse completamente perdida. Talvez a minha filha ainda tivesse algum potencial no final das contas. 

Ouvi-o atentamente enquanto o acompanhava com o olhar.  Ele não mostrava arrependimento, para além disso ainda parecia interpretar toda aquela situação como se tivesse a testar-nos. Não queria admitir a mim mesma, mas o seu comportamento estava a causar ainda mais medo do que eu pensei alguma vez ter.

- Por isso eu tenho esta proposta para ti. Como te deves lembrar agora com as tuas memórias de volta, antes tínhamos conseguido arranjar um noivo. Podemos voltar a esse ponto como se nada tivesse acontecido e voltas para esta casa.

Engoli seco. A minha boca estava seca e sentia que estava presa naquela poltrona. Não esperava que ele já soubesse da volta das minhas memórias muito menos que agisse daquela maneira. Levantei-me tentando não mostrar o quanto as minhas pernas estremeciam.

- Como é que consegue agir dessa maneira calma com esta situação? Apagou parte da vida da sua filha tentando moldar o modelo "perfeito" que tem em mente como se isso fosse uma táctica normal usada por pais e quer que eu apenas mude voluntariamente para o ponto onde paramos?

- Eu estou calmo porque não há razão de eu estar nervoso ou irritado. Eu admito o meu ato e continuo acreditar que aquela foi uma das melhores medidas que tomei para te corrigir. Talvez o único erro que tomei foi colocar-te na academia juntamente com aquele miúdo Scratch. Subestimei a eficácia do feitiço. Disso eu peço desculpa. 

- Tu pedes desculpa por eu ter conseguido arranjar uma saída? Por ter recuperado a parte da alma que me faltava?

- Não vamos nos precipitar. Aquele feitiço não retirou nenhuma parte da tua alma, apenas isolou memórias inúteis no fundo da tua mente.

- Mas era como me fazia sentir. Eu sentia-me incompleta e por isso também não conseguia chegar ao meu potencial máximo.

- Não sejas tola. Se a falta daquela memórias te causou alguma coisa, foi apenas num sentido de melhoria.

Comecei a andar dum lado para o outro no escritório tentando não olhar para a cara do meu pai para assim conseguir manter a minha calma. 

- Eu não consigo acreditar em si. Sempre soube que não gostava tanto de mim como gostava do meu irmão mas nunca pensei que pudesse ser tão cruel.

Ele dá uma pequena gargalhada.

- Gostar, amar, sentimentos tão patéticos inventados pelos humanos. Eu tenho como missão ensinar e preparar ambos os meus filhos para representarem o futuro desta família. Se fui alguma vez mais severo contigo foi porque apenas achei que o precisava de ser. 

- Eu não sei porque é que tento falar consigo. 

- Mas vamos colocar melhor a situação, se não queres aceitar esta proposta voluntariamente, talvez com um pequeno incentivo consigas aceitar.

- Como assim um incentivo?

- Que tal... se não fizeres o melhor para a tua família e como parece que só realmente te importas com a segurança daquele rapaz, se não te casares com o teu pretendente, eu próprio me encarregarei de caçar Nicholas Scratch até colocar o seu coração num jarro de vidro sobre a minha secretária. 

- Está... está a ameaçar-me agora?

- Interpreta como quiseres. 

Ele dá um grande gole na sua bebida e vira-se de frente para a lareira deixando-me a olhar para as suas costas. O problema é que eu sabia que aquela não era uma ameaça vazia. Eu sabia que ele era bem capaz de o fazer e ainda me servir a cabeça dele. Por isso não havia outra opção, pelo menos por agora.

- Okay, eu aceito casar-me com o meu pretendente se o Nicholas ficar fora disto.

O meu pai pousa o seu copo na mesa e anda na minha direção. Ele toca no meu ombro.

- Boa escolha.

Depois disso sai do escritório. Fechei os meus olhos inspirando pela primeira vez desde que entrei no escritório. Sai também do escritório e andei em passos firmes e rápidos até o meu quarto mantendo a minha expressão intacta. Ao entrar no meu quarto de imediato fiz um feitiço que praticava desde os meus 14 anos que trancava a porta e isolava o barulho do meu quarto. 

Finalmente deixei-me cair na minha cama e as lágrimas caíram. Não tão desesperadas como pensei que iam sair mas num choro silencioso e contido. O Nick tinha razão eu devia ter planeado melhor toda esta situação porém se o meu pai já sabia nada poderia ser feito.

Mas uma questão se levantava.

Como é que ele sabia que as minhas memórias haviam voltado?

Não tinha sido o meu irmão porque eu consegui perceber que quando lhe contei, foi a primeira vez que ele ouviu falar sobre isso e sabia que não tinha sido o Nick. Já tinha passado a altura de duvidar da sua lealdade. 

Outra questão era como eu iria sair desta? 

Eu sabia que não iria casar realmente com aquele pretendente, simplesmente não podia. Eu via o quanto a minha mãe era manipulada e infeliz e eu não podia me tornar naquilo. 

Enquanto pensava nestas coisas senti que o feitiço tinha-se quebrado. Sentei-me na cama e voltei a fazê-lo porém segundos depois ele voltava a desfazer-se.

Isto era obra do meu pai, ele deve ter  colocado qualquer encantamento que não me deixava isolar o quarto.

Era como se ele apenas tivesse a espera que eu caísse direitinha na armadilha dele. Dei um pequeno grunido de raiva e derrubei tudo o que a minha velha prateleira tinha tentando acalmar toda aquela raiva que acumulava-se no meu sangue.

Ouço um leve bater na porta. 

De seguida uma folha de papel é passada por debaixo da mesma.

Eu sei que não me ouvirias então precisei de escrever. Eu contactei o Nick e ele vai fazer uma projecção astral às 8h amanhã quando eu e o pai (como bem sabes) estaremos a treinar. Irei-me certificar que ele não sabe.

Ps: Cuidado a mensagem vai se destruir logo que acabares de ler.

No momento que li a palavra "ler" a folha transformou-se numa chama fazendo com que eu de imediato a largasse sentido as minhas mãos quentes. 

Ele tinha razão eu não o iria ouvir , mas talvez devia ter deixado o meu orgulho de lado. Ele tinha alguma coisa para me dizer antes de eu entrar no escritório e parecia sério. Será que ele sabia que o pai sabia? Mas assim ele precisava de saber também e eu tinha a certeza que ele apenas soube quando eu lhe contei.

Tantas perguntas e incertezas passavam pela minha cabeça baralhando a minha mente recentemente curada. 

Apenas sabia naquele momento que só desejava estar nos braços do Nick enquanto adormecia.


Sweven [Nicholas Scratch]Where stories live. Discover now