– Vamos só assistir à novela, por favor – disse controlando minha voz embargada o máximo que podia e afastei sua mão.

– O que for melhor pra você – Henri disse parecendo incomodado ou triste por não conseguir me ajudar mas às vezes existem coisas que realmente não tem muito o que fazer para ajudar, apenas deixar a vida levar.

Longos minutos de silêncio se seguiram até eu perguntar as horas.

– Dez e meia – Henri respondeu e me revirei na cama, pela primeira vez em algum tempo tirando os olhos da televisão somente para focá-los na parede branca ao meu lado.

Mais um longo período de silêncio.

– Eu não queria que tivesse sido assim, queria ter feito algo para te ajudar, qualquer coisa, por mais idiota que fosse – ele disse meio do nada e me voltei para ele com uma expressão indignada e confusa. Aquele idiota realmente achava que não havia me ajudado de forma alguma? – Lis, aquela noite na praça eu... Ai caramba.

Um frio percorreu minha espinha quando vi que o motivo dele ter se calado estava parado bem na porta, de braços cruzados, com os cabelos loiros bagunçados e os olhos violeta irritados, tristes, preocupados e confusos – tudo ao mesmo tempo – focados em mim.

– E-eu... Eu acho que vou deixar vocês sozinhas – Henri disse e, mentalmente, implorei para que ele não fizesse isso, mas ainda assim ele se levantou e sorriu meio sem jeito para a mulher molhada de chuva.

– Obrigada por cuidar dela – ela disse e Henri encolheu os ombros.

– N-não foi nada – gaguejou e eu soube somente pela sua fala que ele estava tão assustado quanto envergonhado.

Assim que ele saiu, o sorriso de minha mãe desapareceu e ela voltou a me encarar.

– Que merda você e seu irmão fizeram dessa vez, garota? – Ela perguntou e, silenciosamente, me preparei para a minha morte.

◈◇◈

Por mais que aquele quarto frequentemente mergulhasse no mais puro silêncio desde que eu chegara ali, este fato nunca havia me incomodado tanto quanto agora que minha mãe estava ali, sentada no pé da minha cama com os olhos baixos – e eu não sabia se era por preocupação, por culpa, por raiva ou talvez até fosse somente por distração.

– Bom, eu fui burra – foi tudo o que ela disse depois de que pareceu uma eternidade calada e franzi as sobrancelhas. – Você mentiu para os policiais, não é? Ladrão nenhum invadiu a casa.

– E-eu...

– Eu não deveria ter deixado vocês sozinhos, eu tive sonhos e vi coisas lá, coisas ruins – minha mãe disse quase que num sussurro de tão baixo. – Me desculpe Lis, eu não imaginava a gravidade do problema, achei que fosse só mais algum morto amargurado ou desocupado com o qual eu já estava acostumada a lidar. Devíamos ter ido embora.

– Você... O que foi que você viu?

– Sonhei com uma mulher, uma moça triste, com olhos e cabelos claros, me disse que deveríamos sair porque ali não era lugar para os vivos e muito menos para crianças como vocês – ela respondeu e eu soube instantaneamente que ela falava de Evelyn, mãe de Abelle e ex-esposa de Victor. – E o tempo inteiro eu vi uma garotinha com você, te acompanhando. Desde que estávamos na estrada ela já estava junto, sentada ao lado do seu irmão no banco de trás.

– Abelle – eu deixei escapar e engoli em seco, vendo minha mãe dar uma risada amarga.

– É, você repetiu esse nome muitas e muitas vezes quando chegamos, e nunca parecia se lembrar ou ter noção do que estava falando. Eu deveria ter sido mais esperta, mas ignorei tudo isso porque estava cega, ou me fazendo como tal, porque tudo o que eu queria era que pudéssemos recomeçar como uma família feliz, estável e normal.

A Casa de BonecasWhere stories live. Discover now