Cap. 14

838 121 78
                                    

Eu vejo aquele olhar em seus olhos
Que me faz ficar cego
Me cortam profundamente, estes segredos e mentiras
Tempestade no silêncio

Sinta a fúria se fechando
Somos irmãs se esgotando
Nenhum lugar para correr de todo esse estrago
Nenhum lugar para se esconder de toda essa loucura

Ruelle – Madness

◈◇◈

Eu ainda estava com mais sono do que jamais pensara ser possível quando, depois de muito esforço, abri os olhos e me sentei.

Demorou alguns poucos segundos até que eu sentisse que havia alguma coisa errada, e mais alguns até que eu percebesse o que era.

Cocei meus olhos que ardiam por conta da sonolência, em seguida encarando com um susto as minhas próprias mãos.

Estavam pequenas demais, como mãozinhas de criança, e também estavam sujas e com as unhas quebradas e as pontas dos dedos manchadas com sangue seco.

Ao olhar mais ao longe, entendi o porquê: em uma pequena portinha que quase se camuflava no chão de madeira, haviam inúmeras marcas de arranhões e rastros de sangue por todos os lados. Era horrível e fazia meus dedos latejarem somente por lembrar, de algum lugar bem fundo daquela mente que não me pertencia, sobre o que havia acontecido para aquela sujeira toda ter ido parar ali.

Olhei em volta, tentando reconhecer o lugar mas, infelizmente, sem qualquer sucesso. Eu realmente não fazia ideia de onde estava apesar de, de alguma forma, ter consciência de que eu já não era mais totalmente Marliss.

O teto era baixo e coberto quase que por inteiro por teias de aranha. As paredes eram cobertas com um papel de parede rosa envelhecido com estampa de minúsculas flores brancas que quase sumiam sob os inúmeros desenhos infantis feitos com giz de cera.

Haviam palavras também, quase indecifráveis, que pareciam ter sido escritas por uma criança que ainda está aprendendo a escrever.

Vi em um canto um lampião a gás e tentei me aproximar para pegá-lo, mas fui barrada no meio do caminho e senti meu tornozelo doer.

Voltei ao meu lugar e observei confusa a corrente enferrujada que envolvia minha perna, provocando arranhões em minha pele mais pálida que o normal.

Sem poder fazer nada, apenas encostei na parede e me encolhi, de alguma forma sabendo que eu deveria somente esperar.

Depois do que pareceram horas, a portinha marcada com sangue e arranhões se agitou, e logo foi aberta com um rangido um tanto assustador.

Um homem surgiu logo depois, sem qualquer expressão, parecendo apenas entediado. Seus cabelos eram escuros e penteados para o lado de uma forma quase que perfeccionista. Ele usava óculos de grau quadrados e uma máscara e luvas brancas - dessas que se vê em hospitais, que poderiam estar perfeitamente limpas se não fossem por algumas manchas vermelhas quase imperceptíveis espalhadas.

Ele entrou no quarto e pude ver suas roupas elegantes, escondidas sob um avental branco também manchado de vermelho.

Ele colocou sobre o chão uma pequena tigela de metal com algo que parecia ser um ensopado dentro, ao seu lado deixou uma boneca realista mais do que perfeita.

Seus cachos ruivos brilhavam como cabelo de verdade e seus olhos castanhos pareciam me encarar, como se fossem piscar a qualquer momento. Seu vestido verde era lindo, realmente parecido com o vestido de alguma princesa de saída de um conto de fadas, e eu realmente queria me sentir encantada, mas algo dentro de mim me impedia, dizia que aquilo era ruim – talvez a parte da minha mente que não me pertencia totalmente, tudo parecia muito mesclado, misturado e confuso como uma pintura abstrata cheia de cores e formas que não combinavam em nada.

A Casa de BonecasWhere stories live. Discover now