Cap. 27

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Eu nunca vou te deixar no escuro
Eu te dei o centro do meu coração
O único que brilha uma luz em mim
Se você sair para algum lugar
Não importa o que você faça eu estarei com você
Como um navio afundando lá fora
Vou chegar até você antes que eu afunde também

Seafret – Sinking Ship

◈◇◈

O dia parecia mais frio e mórbido do que os outros e eu não sabia ao certo se era pelo céu nublado e pelo vento gelado que fazia meu rosto ficar dormente ou se era pela ausência de Eliel andando ao meu lado.

Coloquei as mãos nos bolsos do casaco e abaixei os olhos para o asfalto, mais uma vez tentando plantar em minha cabeça a ideia de que meu irmão estava bem. Idiota, eu sabia que não me convenceria com tanta facilidade.

Henri não havia dito uma palavra sequer desde que deixamos a casa, parecia ainda chocado com a informação de que o pai de Abelle matava crianças friamente para transformá-las em meros brinquedos. Eu não sentia um pingo de surpresa, alguma parte minha já esperava por isso – talvez a parte que, há somente alguns dias, eu havia percebido que estava conectada com Abelle de alguma forma.

Eu sentia que no fundo nós duas éramos iguais, mesmo sem ainda conhecê-la completamente ou saber com total certeza o que realmente havia acontecido à ela.

Sim, era o espírito de uma menininha que há sabe-se lá quantos anos estava presa naquela casa, uma menininha que todos que moraram lá tiveram medo quando deveriam mesmo era ter tido pena. Mas eu não podia jugar, eu mesma chegara a pensar que Abelle era quem queria causar mal, mas tinha algo mais, Victor estava lá, pronto para...

Para fazer o quê?

Era isso o que ainda me intrigava. O que ele queria com as pessoas que iam morar naquela casa? Ele já estava morto há décadas – talvez há séculos – e já deveria ter sossegado pelo tanto de crianças que havia assassinado.

Meu pulmão de repente ficou pesado e novamente senti vontade de chorar. Deus, eram crianças! Como alguém poderia fazer uma coisa daquelas sem sentir remorso algum? Com a mais pura frieza? E tratar a filha da forma que ele tratava... aquele homem definitivamente não era normal.

Respirei fundo e voltei ao mundo real, vendo que Henri já estava mais à frente conversando com um garoto que não parecia muito mais velho que o meu irmão. O garoto assentiu para ele e apontou para algum lugar ao longe.

Quando Henri se voltou à mim um sorriso esperançoso tomava seu rosto. Era mesmo o que eu estava pensando?

– Lis! Ele viu o seu irmão! Ontem, quando estava escurecendo...

– Ah, pelo amor dos deuses do sorvete, só vamos logo!

◈◇◈

Henri tentava me consolar mais uma vez enquanto eu, novamente, incorporava o bebê chorão e soluçava feito uma criança perdida, sentada na calçada com o rosto caído entre os joelhos.

– Calma Lis, a gente vai encontrar ele – Henri disse passando a mão pelas minhas costas e parando para me dar um abraço.

Como Henri? Como?! Pelo amor de Deus! Eu nunca vou encontrar meu irmão e minha mãe vai me matar – eu disse e tentei respirar fundo. – Não, claro que não, eu mesma vou me matar. Eu sou tão burra e idiota, nunca deveria ter deixado ele sozinho, isso é tudo culpa minha...

– Lis! – Henri gritou me chacoalhando pelos ombros e me dando um susto enorme devido ao fato de que eu nunca havia o visto nervoso ou irritado, aquele Henri era novidade para mim. – Eu sei que não é fácil, acredite, mas você se desesperar não vai ajudar em nada, você quer ter controle sobre a situação e, me desculpe, mas nunca vai conseguir se nunca aprender a se manter calma. Olha para mim – ele disse segurando meu rosto com as mãos e praticamente me obrigando a focar em seus olhos. – Respira devagar e com calma, você vai acabar tendo um troço. Fecha os olhos e foca nas batidas do seu coração que eu sei que deve estar mais rápido do que quando você corre.

A Casa de BonecasWhere stories live. Discover now