Cap. 3

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Tenho correntes em mim, minhas palavras estão presas
O medo pode fazer você se comprometer
Com as luzes acesas, é difícil de se esconder
Às vezes eu quero desaparecer

Foster the People - Houdini

◈◇◈

Fiquei em silêncio o tempo todo até chegarmos em casa, me perdendo em meus próprios pensamentos. Alguma coisa naquela senhora me deixava inquieta, não algo ruim mas como se ela soubesse de algo que não sei. Algo a ver com as bonecas, talvez?

Sorri e passei o dedo no vidro embaçado da janela, fazendo uma linha reta. Isso estava começando a ficar interessante. Eu tinha certeza que havia alguma explicação sobrenatural por trás de tudo. Ou será que eu só queria ter certeza? E... meus parabéns Lis, você conseguiu travar seu próprio cérebro.

Fizemos o mesmo caminho para voltar para casa, mas desta vez não vi a menina brincando, devia ter percebido que não faria bem à saúde brincar fora de casa com um frio daqueles. Ou devia ter voltado ao mundo dos mortos.

– Mãe – chamei e ela resmungou algo como "o que foi?" sem ao menos tirar os olhos da estrada, batendo as unhas no volante como um tique nervoso. Estava lembrando do pai de Eliel, da nossa antiga cidade, coisas que eu preferia que ela esquecesse. – O que você acha que pode prender os espíritos aqui na Terra?

– Hum... Eles podem não ter aceitado a morte ainda, ou serem muito apegados à algo neste plano, não sei. Existe uma infinidade de possibilidades, algumas mais idiotas e outras mais tristes e fáceis de acreditar.

Ser apegado à algo neste plano? Essa para mim parecia ser a hipótese mais plausível. Pelo menos para aquela garotinha.

Ah Lis, pare de ser louca. A menina pode muito bem estar viva, você que fica com essas paranoias de que tudo está ligado ao sobrenatural. Deixe as pessoas serem vivas em paz.

Suspirei e voltei a olhar pela janela, agora uma chuva suave caía e batia contra o vidro, desenhando milhares de pontinhos na superfície embaçada. Era tão bonitinho. Tentei pensar em algo além da chuva para me distrair, mas nada me vinha à mente, então virei para trás e comecei a torrar a paciência de Eliel, tirando toda a concentração que ele mantinha em seu precioso jogo.

– O que é isso? O que você precisa fazer para ganhar? Esse bicho pode te matar? Eita, morreu – eu disse rindo e ele me lançou um olhar psicótico que me fuzilaria se pudesse. – Posso jogar também?

– Não, você tem seu próprio celular – disse em tom monótono e levemente autoritário, não era louco de falar comigo como se eu fosse um de seus amigos.

– Mas no meu só tem The Sims, e não pega sem internet.

– Se vira.

Suspirei novamente e me joguei de costas no banco, encarando o teto. Sem ao menos reparar, comecei a cantarolar uma música qualquer de um desenho animado qualquer. Meus pensamentos estavam tão bagunçados e sem sentido que nem eu mesma os entendia, era complicado ser meio louca.

– Mãe – chamei mais uma vez e ela me olhou do mesmo modo que Eliel, porém era mil vezes mais assustador quando vinha dela.

– Meu Deus, Marliss! Pode parar quieta por um minuto?

Pensei por um momento, sorrindo e balançando a cabeça negativamente.

– Não, porque não tenho nada para fazer.

– Três ruas... Faltam três ruas, você vai sobreviver – ela disse e assenti.

Não sei porque concordei, não sabia se conseguiria, já estava começando a me coçar de tédio.

A Casa de BonecasWhere stories live. Discover now