6. This love came back to me

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27 de Junho de 2018, quarta-feira. – Moscou, Rússia.

Minha reação é uma resposta ao fato de eu não estar preparada para ter sido surpreendida daquela forma. O fato estava claro para mim de que tanto eu quanto Mats estávamos em diferentes momentos da nossa vida, além de sermos pessoas diferentes do que fomos um dia. Isso era o bastante para que eu não aguardasse uma atitude como essa. Seja lá qual foi a razão que o fez me conduzir aquele depósito escondido, não seria para perguntar sobre as fotos do jogo passado. Podia dizer isso apenas pela expressão em seu rosto de preocupação e nervosismo.

– Você tinha que dizer isso. – eu digo em um tom tão baixo que acreditei que ele não tinha escutado.

Porém Mats engole a seco e eu então percebo que sua mão ainda está na minha desde que entramos aqui. Um arrepio percorre a minha espinha, o suficiente para que eu o solte o mais rápido possível.

– Eu não consigo parar de pensar em você, Manu. – ele diz de repente.

Meu coração acelera e de repente eu fico tonta.

– Não consigo parar de pensar em você nesses malditos quatro anos...

As batidas do meu coração só se intensificam, tão rápido que consigo ouvi-las enchendo a minha cabeça, me causando náuseas. Olho para o armário sem portas a minha frente, atrás de Mats. Ele é de metal e eu pude contabilizar seis prateleiras nele. Elas estavam cheias de detergentes, sabões líquidos e em barra. Tentei me distrair observando as palavras escritas em russo em suas embalagens. Levantei o olhar para o teto, havia uma pequena mancha no canto, provavelmente o resultado de uma antiga infiltração. Olhei para o chão cinza, meus pés estavam começando a doer por conta do sapato apertado. Me concentrei naquela mínima dor e no zumbido que meus ouvidos ouviam, mas não foram o suficiente para que minha atenção fosse voltada para qualquer outra coisa que não fosse Mats.

– Manuela? – eu estava começando a me irritar por ouvir meu nome tantas vezes na voz dele em um espaço tão curto de tempo. – Você está me ouvindo? – a parte sensível de mim amolece ao ouvir seu tom de súplica. 

Fecho os olhos e respiro profundamente. Solto o ar e ouço o silêncio. Isso não é real.

– Você está me ouvindo? – ele pergunta novamente.

– Sim, Mats! – exclamo sem paciência. – Eu estou te ouvindo. Mas é tão absurdo que não consigo acreditar.

– Manuela... Mas é verdade. – ele diz em um sopro.

Olho para ele finalmente depois de tanto tentar evitar. Seu olhar é de tristeza, não consigo dizer se ele está prestes a chorar ou simplesmente sabe fazer uma boa impressão disso. Mas sinto algo quando o vejo, é como uma onda que me atinge com tanta força que não consigo respirar, mal consigo perceber o que é realmente que estou sentindo.

– Fala alguma coisa, por favor. – ele pede em um sussurro de súplica.

– O que você espere que eu fale? Pensei que as coisas estavam estabelecidas do jeito que estavam, Mats. Você aí e eu aqui. Por que isso agora?

Ele balança a cabeça e passa as mãos pelo rosto.

– Me desculpa. – sua voz sai rouca.

– Você fez a sua escolha. – sibilo, aquelas palavras embora ditas, não iriam ser ouvidas. Eu não tinha forças para aquilo. – Você apareceu com ela. E nós... Estava tudo acabado. E você ainda está com ela, tem um filho, um casamento. – passo as mãos nervosa pelo cabelo. – Por que de repente resolveu falar com a garota que foi apenas seu caso de verão? – cuspo as palavras com raiva, mas sei que não é apenas isso que estou sentindo nesse momento. 

Mats está sem saídas percebo nos seus olhos marejados, sua postura de cansado, e tudo que vejo é alguém que sabe que não tem mais respostas.

– Não faz isso agora. – eu digo – Não agora, quando tudo está bem.

– Me dá uma chance de te explicar o que aconteceu naquele dia, do que aconteceu durante todos esses anos. Por favor, Manu.

– Para de me chamar assim. – eu exaspero gesticulando com as mãos e me sentindo vulnerável com por conta da minha voz embargada.

Minha mente, meu coração e meu corpo sabem que quero ouvir cada palavra que ele poderia dizer sobre aquela situação. E sobre tudo que aconteceu depois. Pois tudo que eu sei é a minha versão, aquela que ficava em casa chorando copiosamente nos primeiros meses, aquela que tentava buscar sentir algo que fosse no mínimo semelhante ao que havia sentido com ele. Mas algo consciente e automático em mim diz que não, e eu sensatamente obedeço.

– Esquece, Hummels. Agora é tarde demais.

Quando fechei a porta daquele depósito e corri pelo corredor de volta ao meu quarto esquecendo totalmente o que eu vim fazer ali, um sentimento distinto, mas que eu sabia muito bem o que significava, me inundou. Estava ali o tempo como uma ferida coberta por um band-aid até o mesmo ser arrancado com força dando lugar a dor que nunca iria embora.

Mats ainda estava ali para mim como eu mais temia que ele estivesse. Ele estava em cada pedaço de mim, no meu coração na minha mente. Aquele maldito mês de junho quatro anos atrás ainda estava ali assombrando tanto a mim quanto a ele. E parece que isso o sucumbiu a ponto de fazê-lo enlouquecer. Porque aquilo só podia ser loucura. Tentar resgatar o que tivemos naquele momento era perigoso e errado. E por mais que as lágrimas que escorressem pelo meu rosto dissessem o contrário, teimosas o suficiente para me dizerem que tudo o que eu sentia por ele ainda estava de volta, eu teria que reunir todo o resto de sanidade que eu tinha para fazer a coisa certa e ficar longe.

Não lembro muito bem desde o momento que terminei de arrumar minhas malas, dormir por uns minutos e ficar acordada até o horário do voo chegar. Nem de como eu esqueci todo o meu medo de altura dentro do avião, nem de como um voo longo de algumas horas me fez ficar acordada o tempo todo. Em todos esses momentos só uma coisa pairava na minha mente, uma pessoa na verdade.

E quando cheguei em casa e senti aquela familiaridade de volta, que só quem volta para casa sente, me inundar que eu desabei ainda mais. Eu chorei enquanto tomava banho, enquanto tremia o queixo pelo frio, enquanto me esticava na ponta dos pés para pegar as caixas pesadas de cima do guarda-roupa porque uma força dentro de mim sabia o que estava procurando. Naquele momento ali eu lembrei de algo que meu pai me contou quando eu ainda era adolescente.

Lembro que o assunto veio fora de contexto enquanto tínhamos acabado de assistir um filme, era um drama familiar daquele que me faziam refletir e meu pai chorar, e eu virei para ele e perguntei "pai, você acha que o amor acaba?". Eu lembro da feição dele ficar vaga, o olhar dele a frente no trânsito enquanto voltávamos para casa, até ele quebrar o silêncio e falar sobre como o amor é um sentimento tão complexo que muitos podem ou não ter data de validade. Mas que havia um tipo que poderia acabar o tempo dos dois juntos, mas o sentimento ficava. Era um sentimento de "eu interromperia uma cerimônia de casamento por essa pessoa" segundo as palavras dele. Tão intenso, tão efêmero.

Fiquei me perguntando o caminho todo se era pela minha mãe ou não que aquele tipo de amor estava presente para o meu pai. Já para mim, jogada no chão com inúmeras fotos espalhadas ao meu redor – 2012, 2013, 2014 elas diziam em rabiscos no verso amarelado – eu me perguntava se Mats era aquele amor para mim. Até minhas mãos pegarem a foto que eu buscava. A foto do pôr-do-sol. A onda de nostalgia me atinge enquanto busco em seu verso para ver as palavras da Manuela de 22 anos quase que jogarem um balde d'água em cima desta aqui atual chorando mais uma vez.

"02.07.2014

Todas as coisas que eu queria ter falado a você."

Não sei se o que sinto por Mats seja o sentimento de interromper um casamento, literalmente falando, mas quando penso nele agora com 26 anos, depois de tantas coisas mudarem para nós, sinto um sentimento de isolamento. De que se eu já tinha coisas para falar para ele naquela época, eu teria muitas outras para falar agora. Eu só gostaria de deixar ir.

Lost Stars | Mats HummelsWhere stories live. Discover now