"Dalila, nós entendemos, e somos completamente à favor dessa campanha publicitária, mas talvez seja legal reformularmos o comercial, deixar menos explícito... Os clientes que estão reclamando, que estão pedindo o fim do contrato são peixes grandes. Um deles é a Subaru."

"Amiga, a gente não pode perder um cliente assim. Não esse tipo de cliente pelo menos."

Dalila coçou a testa.

"Valéria, se a gente tem cliente homofóbico desse jeito, é melhor perder sim. Eu não quero minha empresa vinculada à um tipo de cliente que rejeita algo só pelo conservadorismo."

"Eu sei, amiga. Calma. Não estamos falando que ele está certo, só que... devemos pensar melhor e talvez não abordar nada de assuntos que causam divisão de ideias, pelo menos não agora."

"Não! Agora é a hora de nos posicionarmos, enquanto empresa e enquanto pessoas. Um nazista homofóbico racista ganhou as eleições, gente! Se a gente não fizer nada, se nós, como uma empresa grande de seguros, a primeira do país, não dissermos nada sobre isso, vamos concordar com ele. E concordar com ele é algo que eu não vou fazer e eu não aceito que a minha empresa faça isso também. Eu sou lésbica! Eu, a CEO da Insurazo, uma lésbica. Eu exijo que esse comercial continue em todos os meios, e que mais comerciais do mesmo jeito sejam publicados. Eu exijo que a gente se posicione! Qualquer funcionário ou cliente ou sei lá mais quem que não achar bom, a porta é a serventia da casa. Nós somos uma das empresas que mais giram capital no país, se a gente se mostrar à favor da causa, outras empresas podem fazer o mesmo e talvez um dia, eu e muitas outros LGBT possam sair de casa sem medo de morrer." Dalila falava com o tom de voz bastante alto, de maneira que seu rosto começou a ficar vermelho de nervosismo.

"Calma, amiga. Calma. Ok. Você tá certa. Eu concordo com você. Letícia, não mexa no comercial. Continua divulgando e elabora um texto posicionando a Insurazo. Eu quero esse texto pra Dalila aprovar. Caetano, por favor, faz um levantamento dos clientes que encerraram contrato e vocês dois, pensem juntos num jeito de bonificar as empresas e clientes que lutem por essa causa." Valéria pediu com serenidade, sendo a chefe boa e com os pés no chão.

"A Subaru marcou uma reunião hoje à tarde para terminar o contrato, o que eu faço?" Caetano perguntou.

"Eles não podem cancelar o contrato se ainda não venceu a data. É quebra altíssima e eles tem multa pra pagar. Pelo que eu me lembre o contrato deles foi renovado ano passado." Dalila reclamou.

"Eles alegam que houve infração de termo por danos morais."

"Não, não teve. Isso não é dano moral. Que horas é a reunião? EU vou com você." Dalila perguntou.

"Às três e meia." Ele respondeu meio nervoso. Sabia que sua chefe podia ser bem irritada.

"Ótimo. Reunião encerrada. Bom almoço pra vocês." Ela abriu a porta e expulsou formalmente seus funcionários de lá.

Valéria abraçou-a forte quando ficaram sozinhas.

"A Subaru que se foda." Dalila falou.

"A Subaru que se foda." Valéria repetiu e beijou sua testa. "Não quer conversar mesmo?"

"Não... Vamos almoçar."


Quinta-feira, 4:30pm – consultório

Em pleno inverno, um dia muito ensolarado e quente sob São Paulo. Valéria estava correndo o dia todo na empresa, resolvendo todos os problemas com a questão dos novos comerciais, as reclamações de clientes, havia até entrevista com a imprensa. Ela usava um vestido preto florido longo, uma sandália com salto de cortiça e o cabelo preso em coque. Nem o ar condicionado da sala de espera conseguia diminuir seu calor. Ela estava no celular, andando de um lado para o outro e sua filha estava na mesinha de pintar, entretida, mas ainda cabisbaixa como no resto da semana.

"Oi, Lorena. Tudo bem?" A dra. Camila apareceu. "Vamos lá?"

Valéria ouviu a voz da doutora e colocou a ligação em espera.

"Dra. Camila. Oi, tudo bem? Eu preciso sair para resolver um probleminha, mas queria conversar com você depois... É rápido. Pode ser?"

Camila engoliu em seco e fez um grande esforço para sorrir.

"Claro. Pode ser sim."

"Obrigada. Tchau, meu anjinho." Ela deu um beijo na cabeça de Lorena e pegou o elevador novamente.

A ruiva tinha que ir ao banco liberar o pagamento dos funcionários e fazer uma curta reunião por vídeo conferência com o departamento de recursos humanos. Tudo aquilo lhe custou o tempo da consulta de Lorena. Quando ela voltou ao consultório, sua filha já estava na sala de espera, de novo na mesinha de pintar, mas dessa vez com a psicóloga pintando junto.

"Oi, Lolô. Demorei muito?"

"Oi, mãe. A gente acabou de sair."

"Lorena, você pode ficar aqui com a Cibele enquanto eu converso com a sua mãe?" Camila perguntou. "A Cibele sabe desenhar o Rei Leão."

"Sério? Tá bom. Desenha o Rei Leão pra mim, tia?" Cibele já tinha dado a volta no balcão e estava se sentando no chão ao lado de Lorena. Enquanto isso, Valéria acompanhou Camila até a sala.

"Então, doutora. Eu sei que ainda é muito cedo pra ver algum resultado, mas essa semana eu fiquei muito preocupada com Lorena. Ela ficou calada a semana inteira, e ela não é assim, sabe? Ela fala bastante, me conta das coisas, mas desde segunda-feira ela está muito quieta e, quando ela chegou da escola, na segunda mesmo, ela não quis nem jantar. Foi dormir direto. Eu aproveitei e olhei o caderno e agenda dela, como eu sempre faço. Estava tudo em branco. Só com os carimbos vermelhos da professora dela. Eu não sei o que eu faço! Além disso, a entrevista dela com a juíza pra decidir sobre a guarda vai ser em algum dia na próxima semana... Eu tô com medo de que ela fale alguma coisa que a juíza possa achar que, sei lá, ela não está bem comigo. Entende?" Valéria desatou à falar e quando mencionou o processo da custódia de sua filha, sua voz embargou e ela sentiu seus olhos marejarem. Camila também viu e entregou-lhe uma caixinha de lencinhos que tinha ao lado de seu computador, colocando a mão no ombro desnudo de Valéria e apertando gentilmente em consolação.

"Realmente, ainda é muito cedo pra te mostrar algum resultado muito grande, mas eu garanto que ela já melhorou. Essa semana foi difícil pra ela. Você teve a audiência sobre o divórcio, não foi?"

"Sim, mas ela não sabia. Eu não quis contar porque eu sabia que ela ia ficar chateada."

"Ela sabia, sim. E ela sabe da audiência com a juíza daqui alguns dias. Ela sabe tudo isso. Ela ouviu. Sua filha está muito triste com o divórcio e está com alguns sintomas de crise de ansiedade, por isso às vezes é difícil fazer a tarefa de casa ou se concentrar na escola e fazer a lição. Mas eu garanto que ela vai melhorar, ela já tem apresentado melhoras, em duas consultas! Isso é ótimo. Mas obrigada por ter me falado melhor sobre a questão da audiência com a juíza sobre a custódia. Eu vou trabalhar isso com ela semana que vem. Fique tranquila. Vocês vão ficar bem." Camila sorriu.

"Obrigada, dra." A ruiva abraçou a médica. Estava procurando algum conforto após ter tocado naquele assunto sensível e a médica abraçou-a de volta, um pouco desconcertada.

"De nada. Se tiver mais alguma dúvida, pode falar comigo."

"Obrigada." Valéria sorriu, pegou sua bolsa e saiu.

Ao ficar sozinha na sala, Camila massageou as têmporas.

"Eu preciso de álcool." Ela admitiu para si mesma e pegou o celular para marcar alguma coisa com Paul.

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She keeps me warmWhere stories live. Discover now