capítulo 4

3.2K 159 50
                                    

Um grande salão escuro. A única fonte de luz era um pequeno caminho de velas. Quando Valéria mexeu os dedos dos pés, com a intenção de dar o primeiro passo, sentiu o chão molhado e frio. Um chão negro tanto quanto a escuridão do local, mas que conseguia refletir um pouco de sua roupa branca. Ela notou que estava arrepiada e seu cabelo úmido, assim como o vestido de alça com algumas camadas esvoaçantes, como se tivesse passado por uma enxurrada. Deu alguns passos seguindo o caminho de velas e à medida que se aproximava de alguma coisa que não estava lá, ela ouvia uma música ficar cada vez mais alta, uma música que ela nunca tinha ouvido antes e que não parecia ter métrica ou melodia, era algo muito novo que estava tomando posse de cada célula sua, como se a cada pulso, uma onda de eletricidade envolvesse seu corpo inteiro. A eletricidade se transformou em dedos. Ao olhar para as mãos que lhe tocavam, começando pelo braço e acompanhando sua pele até a base do pescoço, ela via um corpo tomar forma. Não era um corpo masculino, mas ela também não sabia quem poderia ser aquela figura, afinal, a pessoa não tinha rosto. Num puxão, ela foi tirada para dançar. Nos primeiros momentos, sentia sua perna sucumbir, até que fosse finalmente embalada pela canção e pelos braços delicados e firmes que a conduziam. De repente, ela escorregou. O lugar estava claro, tão claro que seus olhos azuis doíam. Não havia água, nem velas, nem música, nem humana sem rosto. Não havia nada.

Valéria abriu os olhos imediatamente e ouviu o despertador de seu celular tocar sem parar. Ela estava ofegante e arrepiada. Normalizou a respiração antes de conseguir desligar o celular. Cinco e meia.

A ruiva levantou cansada e foi ao banheiro, molhou o rosto tentando esquecer o corpo sem face do sonho e escovou os dentes. Dobrou sua baby-doll e deixou-a no armário do banheiro, indo para seu closet. Dentre todos aqueles cabides, ela escolheu um terninho composto por uma calça pantacourt, um top cropped de amarração e o blazer que já estavam separados. Fez alguns rolinhos no cabelo apenas para mantê-lo ondulado e calçou sandálias, compondo o look todo preto.

Desceu para a cozinha e encontrou a mesa arrumada. Era estranho. Na noite anterior, se comprometeu a seguir as dicas da psicóloga e deixou tudo arrumado. Olhou pro lado de fora e seu jardim ainda estava escuro. Ligou a cafeteira e deixou o suco de sua filha em cima da mesa. Enquanto a máquina trabalhava, Valéria entrou no corredor novamente e seguiu para o quarto ao lado do seu. Lorena estava coberta até a cabeça, ela tinha esse costume desde bebê.

"Bom dia, flor do dia." Ela falou baixinho, enquanto sentava na cama, ao lado da menina deitada e descobria-a com cuidado.

Lorena abriu os olhos devagar, olhou para a mãe e fechou-o de novo.
"Levanta! A gente não tá atrasada hoje."

"Não quero ir pra escola hoje"

"Lô, de novo isso?"

"Eu não quero" A menina se virou de lado, mas Valéria a puxou com delicadeza.

"Tem que ir, hoje vai ser legal. Já é sexta-feira. Amanhã é sábado e você dorme mais." Enquanto tentava encorajar a filha, Valéria ia puxando-a, tentando fazer com que ela ficasse de pé.

Lorena começou a fazer manha, até que lágrimas começaram a escorrer de seus olhos e ela subiu no colo de sua mãe.

"Ei, que foi? O que aconteceu, meu amor?"

"Eu não quero ir. Eu quero ficar com você."

"Você teve um pesadelo? Porque você tá chorando, meu amor?"

"Porque eu não quero ir."

"Filha, eu não posso ficar com você. A mamãe tem um monte de coisa pra fazer. Além disso, tem que ir pra escola, ver seus amigos, aprender coisa nova." Valéria ia enxugando as lágrimas de sua filha e distribuindo beijinhos por toda sua cabeça. "Vamos fazer assim: você vai pra escola e a mamãe pro trabalho, à tarde, quando eu for te buscar, nós vamos pro cinema. Combinado?"

She keeps me warmWhere stories live. Discover now