Lorena saiu debaixo do cobertor.

"Se você já sabia que era eu, porque ficou fingindo?" Ela cruzou os braços em desafio, enquanto Valéria ria ao se deitar do lado da menina.

"Posso dormir aqui hoje?"

"Pode, mas é pra dormir." Valéria arrumou a filha embaixo do cobertor e colocou seu celular pra carregar, apagou a luz e abraçou-a pela cintura, entrando assim embaixo do cobertor também.

"Boa noite, mamãe."

"Boa noite"

Como todas as manhãs, aquela acordou como sempre: rápida. Valéria acordou e enquanto se vestia, acordou Lorena, que foi se arrumar para a escola. Ela desceu e ligou a cafeteira, abriu um iogurte para a filha e foi para a sala juntar suas coisas. Tomou sua xícara de café, escovou os dentes e as duas saíram voando, prontas pra enfrentar um início de trânsito na Marginal Tietê.

Mal deixou a filha no colégio e seu celular tocou, conectando-se imediatamente no circuito bluetooth do carro.

"Bom dia, Valéria."

"Oi. Dra. Aline. Aconteceu alguma coisa?"

"Olha, na verdade, aconteceu sim."

"Ai, meu Deus. O que foi?"

"Um procurador me entregou a pauta da audiência da senhora, na semana que vem, da determinação final do divórcio, e eu li o documento. Seu ex-marido quer brigar pela guarda da sua filha e ele apresentou uma certidão de casamento religioso anterior à data do seu casamento no civil."

"Filho da puta."

"Calma. Sobre sua filha, não tem com o que se preocupar, além da burocracia e das audiências que vão correr depois disso, mas a justiça te favorece e você não tem nada que leve o juiz à crer que a melhor opção é seu marido. Quanto à certidão de casamento no religioso, isso pode comprometer a divisão de bens. E ele pode pedir por uma pensão."

"Pensão?"

"É, é um direito de ambas as partes. Ele não queria assinar o divórcio, então é como se fosse uma garantia de que ele não vai sair perdendo. Você teria que oferecer dinheiro para ele por um tempo que só o juíz vai determinar."

"Tem algum jeito de eu não fazer isso?"

"Tem, se conseguirmos invalidar a certidão que ele apresentou."

"Como é que uma certidão de casamento religioso vale mais que um documento civil?"

"Dependendo dos casos e do que as testemunhas disserem. Infelizmente."

"Ele vai chamar a irmã dele. Puta merda. Você tem que invalidar isso. Eu não vou dar nada pra ele."

"Calma, Valéria. Dar uma pensão seria o menor dos seus problemas."

"Ele me traiu, dra. Aline! Ele me bateu!"

"É isso que você tem que dizer ao juiz. Tem alguma testemunha?"

"Tenho."

"Ótimo. Então vamos marcar uma reunião para nos prepararmos pra audiência. Pode ser na sexta-feira à tarde?"

"Ai, na sexta eu não posso. Tem a consulta da Lorena com a psicóloga."

"A audiência é na segunda-feira!"

"Mas eu tô com o horário apertado essa semana. Além de tudo, semana que vem tenho dois eventos corporativos." Valéria respirou fundo enquanto estacionava o carro na sua vaga de sempre no prédio empresarial. "Eu vou dar um jeito. Pode ser sexta-feira."

"Tudo bem, se eu conseguir outro horário, eu aviso."

"Ok. Obrigada. Bom dia" Ela desligou sem esperar a advogada se despedir e saiu de seu carro carregando pastas e sua bolsa nas mãos, enquanto checava os emails no celular da empresa.

A mesa em sua sala dava de frente para o elevador do andar e ela pode ouvir um pequeno alvoroço do lado de fora, levantando a cabeça de seus papéis para ver o que estava acontecendo, se arrependendo no momento seguinte. Era melhro ter ficado sem olhar.

Dalila tinha acabado de sair do elevador, seu cabelo estava amassado e úmido, ela usava um óculos escuros, sua roupa estava cheia de tinta, glitter e ela trazia sua bolsa toda aberta, um cabide nas mãos, enquanto se arrastava pelo corredor. Valéria segurou a risada e se levantou.

"Parece que alguém vai ter um dia bem difícil..." Ela riu, quando apareceu na porta da sala ao lado da sua.

Dalila havia jogado tudo o que estava em suas mãos na poltrona e estava com a cabeça baixa em sua mesa, com luzes apagadas e cortinas ainda fechadas.

"Me dá 5 minutos." Foi o que a loira conseguiu dizer.

Valéria riu e saiu. Ela sabia o que tinha que fazer, afinal, era corriqueiro ver Dalila daquele jeito, mesmo que nenhum de seus funcionários se acostumasse com aquilo. Ela foi até a copa e ligou a cafeteira, fazendo um café forte sem açúcar em poucos minutos. Também pegou do armário um anti-ácido. Quando voltou à sala de Dalila, a mesma já havia trocado de roupa, secado os cabelos e feito uma maquiagem básica para esconder as olheiras. Também tinha aberto as janelas, acendido as luzes e ligado o computador.

"Obrigada." Ela agradeceu pelo café e o remédio com o resto de voz que lhe sobrara.

Valéria riu de novo, se sentando na poltrona vazia. Um lugar vazio na sala de Dalila era difícil de se achar.

"Como foi a sua noite?"

"Eu não faço a menor ideia. Mas em algum momento eu consegui chegar em casa e olhar no relógio, pegar minhas coisas e vir pra cá."

"Uau." Valéria arregalou os olhos quando viu um objeto bastante estranho na bolsa aberta de sua amiga na poltrona do lado. "Desde quando você usa esse tipo de coisa?" Valéria pegou com a ponta dos dedos uma calcinha fio dental de dentro da bolsa.

"Não é minha." Dalila deu um sorriso debochado por trás da caneca de café e Valéria largou imediatamente a peça no lugar de antes, limpando suas mãos na poltrona.

"Eu queria tanto saber mais detalhes dessa festa."

"Até meio-dia, eu consigo algumas informações pra você." Ela olhou no relógio. "Eu tenho uma análise resposta de apólice pra fazer em 20 minutos via Skype. A sala de reuniões tá aberta? Você viu minha pasta?" Ela ficou em pé, revirando o lixão que costumava chamar de mesa.

"Dalila, como é que você consegue ficar sem dormir, encher a cara e fazer sabe-se lá mais o quê, e depois ir pra uma reunião de análise de apólice?"

"Eu sou cheia de talentos." Ela piscou, rindo. "Cadê a minha pasta, Val?"

"Eu é que vou saber? Bom, boa sorte aí. Passa na minha sala quando a reunião acabar." Valéria se levantou e foi saindo.

"Ei, falou com a psicóloga?"

"Falei. Marquei a consulta pra sexta-feira. Mas surgiu um pequeno problema. Depois te falo."

"Beleza."

Valéria estava lendo um documento infinito de liberação de crédito para uma microempresa quando seu celular pessoal tocou alto, assustando-a.

"Valéria Monteiro."

"Oi, aqui é a Dra. Camila, psicóloga."

"Ah, oi, dra."

"Bom dia, tudo bem? Eu estou atrapalhando? Eu posso ligar outra hora se preferir."

"Não, não. Pode falar."

"Me desculpe ligar assim, eu usei o telefone que entramos em contato ontem porque meu paciente de amanhã cancelou e surgiu um horário no final da tarde. Interessa?"

"Sério? Nossa, perfeito. Pode ser. Eu estava pra ligar e ver se tinha algum outro horário porque tenho um problema pra resolver na sexta-feira. Pode ser sim, ótimo."

"Perfeito, então! Amanhã, às cinco da tarde."

"Marcado. Marcadíssimo. Muito obrigada."

She keeps me warmWhere stories live. Discover now