Medo

84 15 21
                                    



Lara analisava André que procurava as palavras certas para começar a confessar seu crime. A mulher começou a ficar incomodada. Olhou para Murilo e o viu observando o empresário.

— Está tudo bem, André?

— Si-sim. Perdão... — ofegava levemente olhando para as mãos, sentiu a mão da advogada em seu ombro, mas ainda assim não conseguiu destravar.

— O gravador está ligado, André. Pode começar a falar quando quiser. — Lara disse impaciente.

Murilo abriu a pasta com o inquérito e leu de novo as poucas linhas escritas pelo legista.

— Carízia Perez, doze anos. Causa da morte: parada cardíaca causada por hipotermia. Lesões encontradas pelo corpo acusam violência física no rosto, braços, nádegas e genitália.

Lara engoliu saliva e se ajeitou na cadeira. A advogada se aproximou de André e perguntou:

— Deseja voltar outro dia?

— Não. — respondeu e levantou a cabeça. Tinha os olhos vermelhos e havia lágrimas em seu rosto.

Lara o analisou por uns segundos e apontou o gravador.

— Eu tinha dezessete anos. — Começou e despertou a atenção total de Lara, que começou a respirar com dificuldade. — Havia bebido muito. Não me lembro bem do que...

— Só um momento, André. — interrompeu, Valentina, a advogada. — Quero que cada letra do que o meu cliente vai dizer seja levada em consideração no final. — pediu e encontrou o olhar reprovador de Lara. — Por favor, continue.

— Eu estava apaixonado por ela. Mas ela nunca quis nada comigo. Eu só queria a atenção...

Lara prendeu os dentes. Sentiu a mandíbula doer ao prever o depoimento do empresário.

— Eu era um irresponsável, inconsequente. Bebi muito e acabei cometendo essa coisa terrível.

— O que você está dizendo, André? Seja mais claro, por favor... — Lara perguntou tentando se manter imparcial.

— Eu fiz isso. — disse olhando para a delegada.

O homem tinha o rosto vermelho e encharcado de lágrimas.

— Eu fiz isso com ela. Eu sou o culpado pela morte dela. Por tudo.

— Seja claro. Conte tudo o que fez. — pediu com a respiração presa e olhos vidrados nos dele.

— André, você aceita uma água? — Valentina perguntou vendo o estado do cliente.

— Não. — Engoliu saliva.

Lara pegou uma caixa de lenço e colocou à frente dele. De olhos semicerrados, ela o analisava. O homem beirava o desespero, tremia, mas se ela estivesse certa com relação ao ato cometido por ele, a última coisa que sentiria dele naquele momento seria pena.

— Se acalma e conta do começo. Para que possamos reabrir esse caso é preciso relevância. — pediu e suspirou soltando o ar pela boca.

André fechou os olhos tentando se lembrar do início de tudo, respirou fundo e recomeçou a falar.

Almir surgiu ao lado de Lara, que sentiu um arrepio intenso. Fechou os olhos e massageou a nuca. Quando abriu os olhos estava pronta para ouvir tudo o que André tinha para dizer.

O empresário contou tudo como se houvesse cometido o crime no dia anterior. Chorou de soluçar, arrependido. Fez caretas quando contou como amarrou a menina na árvore completamente sem roupa. Contou que havia bebido muito e por isso se sentiu motivado, mas jamais teve a intenção de matar a garota.

Aquilo não atenuava sua culpa ainda viva. Murilo estava pálido. Lara tinha os olhos marejados. A única pessoa presente naquela sala que não esboçou sentimento nenhum foi Valentina. A mulher já ouvira a história ao aceitar o caso de André.

A única preocupação de Valentina naquele momento era livrar o cliente da cadeia. Valentina foi mandada para acompanhar André a pedido de Richard.

— Você não pode ir sozinho, André. Está fragilizado. Sei que pretende pagar pelo que fez. Sua culpa não permite que fique impune, mas você precisa ir acompanhado de alguém. Ela o ajudará a pegar uma pena leve, condizente com o agora. Você se arrependeu. — garantiu o amigo de André.

Valentina explicou tudo a André e perguntou se era aquilo mesmo que ele queria. E o homem foi taxativo:

— Sim.

— Você vai acabar com a sua vida, André!

— Não existe mais minha vida, doutora. Prefiro viver pagando pelo meu erro a viver com essa culpa inteira. Eu sei que isso não mudará o passado, mas a minha consciência vai ficar um pouco mais leve. — disse antes de ir para a delegacia onde se encontrava naquele momento.

Depois do depoimento, André foi encaminhado para uma cela ali mesmo na delegacia.

Lara derrubou todos os argumentos de Valentina para que André fosse para casa e esperasse o julgamento em liberdade.

— Traga o habeas corpus e conversamos. — disse e voltou à tela do computador.

Murilo abriu a porta e a mulher saiu. O investigador voltou à sala e encarou Lara.

— Que porra foi essa, Lara? Estou chocado! Que sujeito repugnante. Pagando de bom moço. — disse demonstrando uma fúria contida até então.

— Eu também. Ele é asqueroso. E essa mulher é pior que ele. — disse se referindo a advogada pegando o telefone e digitando um número.

Almir permanecia de pé ao lado dela. Murilo pegou água em um bebedouro e tomou o líquido gelado enquanto analisava o que acabara de ouvir tentando recuperar a respiração que acelerou.

André estava deitado na cama da cela. Sentiu algo gelado ao seu lado e se afastou pensando ser a parede, quando se virou viu Carízia encarando-o enquanto ofegava tremendo de frio. O homem se afastou apavorado. A menina caminhou tremendo e com dificuldade até ele. Tinha a pele levemente roxa azulada devido ao frio que sentira.

— Socorro! — gritou o mais alto que pôde e sentiu a pequena mão da menina em seu abdome.

Sentiu todo o medo que a menina experimentou quando estava prestes a ser amarrada naquela árvore naquele fatídico dia. Aquela sensação de impotência o fez tremer e temer o pior. Não existia vontade própria apenas o medo da menina, a vontade de correr para os braços do pai, que a esperava em casa. Apenas a vontade de ficar perto do fogão a lenha que era usado para se aquecer além de cozer alimentos.

Carízia o fez conhecer também o medo que sentia quando ele se aproximava dela na escola. Os soluços e gritos de André ecoaram pelo local dando-lhe a falsa esperança de que alguém o ouviria e o salvaria de ser morto.

O homem se segurou na grade da cela e gritou novamente. Carízia passou a congelar o peito dele, que começou a tremer e a sentir dores características do frio intenso.

O tom de pele de André começou a ficar cinza azulado. O homem caiu no chão completamente trêmulo e gelado, convulsionando. 

AlanaOnde histórias criam vida. Descubra agora