Capítulo XIV: Sobre as Estações

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As noites de luto duraram séculos, principalmente para Mikhail. Após a devastação da perda repentina de Gregor, o homem aderiu a silêncios prolongados. Durante o tempo que passava em casa, geralmente, era possível encontrá-lo sentado no canapé, com os olhos de nuvem estáticos nas sombras do assoalho. Ninguém conseguia a atenção de Mikha por muito tempo quando ele entrava no estado do silêncio reflexivo, suas respostas não podiam tomar tonalidade mais vaga, suas reações sempre demonstravam uma tristeza vazia e, vez ou outra, quase podia-se perceber um princípio de choro.

Escreveu, passadas duas semanas do falecimento de Nasekomoyev, uma carta pesarosa a Katherina, após isso, voltou ao isolamento e foi vivendo sozinho cada uma das fases do luto, sem jamais se permitir comentar uma única palavra sobre Gregor, ou mesmo lamentar em voz alta.

Uma manhã de feriado, após o desjejum, Mikha puxou uma cadeira e passou o dia diante da janela do apartamento, dedicado apenas ao vazio. Parecia que todas as coisas dentro de casa, embora estivessem em seus devidos lugares, encontravam-se bagunçadas... aquele tipo de bagunça que impede o indivíduo de tomar qualquer atitude que não seja observar e entristecer-se com o caos impossível de escapar. Quem dera pudesse Mikhail colocar no lugar, uma a uma as coisas em seu íntimo... quem dera pudesse aceitar a morte de um amigo e seguir em frente sem o medo das próximas esquinas. O ceifeiro sussurrava palavras de desolação que não podiam ser facilmente ignoradas e transformavam mesmo os transitantes na rua moscovita em fantasmas de semblantes pintados de cinza... como se tivessem dormido em um borralho. O tempo apenas corria, rumo ao inverno, então, o inverno correria rumo a uma breve primavera que antecederia um verão árido e voltaria-se à morte outonal. Um ciclo eterno, que duraria toda a vida de Mikhail.

O dilema com Anya e Pasha já passava raramente por sua cabeça que mais se via perdida no seu aspecto mortal do que nas linhas de seus erros, acertos e dúvidas... não havia saída outra além de aceitar a realidade constrangida que caiu no ambiente desde o instante em que Pavel mudou-se para aquele apartamento.

Anya também se deixou tomar, nos primeiros tempos, por certa melancolia mediante ao falecimento de Gregor. A lembrança de Nasekomoyev lhe vinha constantemente na cabeça, de relance, como o clarear de um raio que anuncia o som estrondoso do trovão. A senhora dedicava ao morto toda sua gratidão, afinal, poderiam, agora, estar todos em covas se não fosse a intervenção do oficial. Além disso, ela sempre se viu compadecida daquele tristonho sentimento de devoção que Gregor dedicava a qualquer um que lhe abrisse um espaço na vida. Como todos na casa, porém, Anya já estava calejada com a morte, por isso, quando os pensamentos sobre o falecido lhe vinham à mente, ela apenas suspirava pesarosa e seguia, sem jamais deixar que o luto a dominasse.

Os maiores laços de Gregor ainda eram com a família de Mikhail, e por mais que Pasha, como todos, se sentisse agradecido, qualquer luto que pudesse vir a aparecer era diminuído pelo peso do diálogo nas escadarias... o diálogo com o militar. Tudo lhe soava muito suspeito, desde o falecimento em si até a estranha aparição daquele vizinho que tratou de explicar detalhe por detalhe, para depois jogar sobre Pavel as questões sobre sua suposta vida como um militar. Isso preencheu o homem de uma sensação sufocante, a certeza eminente de que estava em apuros. Ainda assim, não foi capaz de comentar uma única palavra sobre o assunto com a família e resignou-se à tortura solitária de esperar por uma consequência. A qualquer momento chegaria alguém para prendê-lo, alguém que descobriu toda a farsa de seu serviço militar inexistente.

Com o tempo, é claro, o evento caiu no esquecimento. Os afazeres do dia tomaram conta do pensamento de Pavel Iurievitch pouco a pouco e conforme as semanas passavam, diante à falta de qualquer coisa que denunciasse um provável problema, acreditou que no poder de seu exagero nervoso e, portanto, seguiu indo para o trabalho e se dedicando mais aos problemas cotidianos.

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