Capítulo I: Os Trilhos do Trem

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Foram três longas semanas em uma locomotiva.

Dentro desse espaço de tempo, Pavel Iurievitch passou pelas mais diversas situações, pelos mais diversos mundos perdidos dentro do gigantesco território soviético, até chegar ali: a estação de Yaroslavlsky, a mais movimentada de Moscou.

Tratava-se de um prédio gigantesco, de forma que, Pasha acostumado com construções minúsculas, arregalou mais os olhos, já estupefatos anteriormente pelo vislumbre distante da cidade através da janela do trem, quando as árvores brancas sumiram do horizonte crepuscular e as cúpulas distantes ergueram-se em saudação ao rapaz atento, que não conseguia tirar os olhos da imensidão que ameaçava esconder-se ao findar da luz do sol.

No momento em que desembarcou junto a mais dois soldados, Pavel foi engolido pelo som do apito da locomotiva, pelo barulho constante das vozes, pelas palavras aleatórias e perdidas que seus ouvidos captavam. Até o piso da estação lhe era glorioso, tudo pulsava, não existia silêncio e Pavel, mais um homem no meio de tantos, viu-se tomado pela mesma sensação que tinha ao encarar as estrelas: a ideia de viver em um universo vasto, em um mundo onde suas tristezas e inseguranças eram minúsculas, onde ele dividia o protagonismo com cada alma ali presente, de forma que suas ações ocorriam em conjunto.

O rapaz cruzou os braços junto ao peito, como se abraçasse a si mesmo em reação a correria que ao mesmo tempo encantava e desnorteava seus sentidos, acostumados com a quietude. Não sabia para onde ir ou como proceder agora que encontrava-se em seu destino... no peito pulsava o coração agitado: a volta repentina da tempestade que até minutos atrás, ainda encontrava-se apagada em seu interior.

Se durante muito tempo Pasha não sentiu melancolia ou alegria, agora os dois sentimentos duelavam em seu ser... duelavam e ao mesmo tempo beijavam-se como amantes opostos, intensos e iguais.

Mas ainda não sabia o que fazer, para onde ir ou se deveria esperar por alguém ali. Pavel mordeu o lábio inferior, apertou mais os braços contra o peito inflado e dedicou um instante a reconsiderar tudo o que antecedeu sua chegada. Desta reflexão concluiu que na verdade, em nenhum momento de sua jornada soube exatamente como proceder.

Começou, primeiramente, com a abordagem, o marco zero do estranhamento, quando ele e o grupo de fugitivos foram parados pelos soldados. Aquele dia, que relembrado agora no mundo corrido da capital, parecia a Pavel uma cena imaginada de um livro, não a realidade... ele entregou-se às memórias, às recapitulações que tanto evitou após a morte de Tatyana.

Pasha voltou para casa, para o campo distante, para aquele momento em que deixou os oficiais o guiarem até o acampamento dos soldados, montado na parte leste da vila grande, próximo  do caminho para a mina de carvão.

Não dormiam em barracas, o frio tornava impossível aquele tipo de instalação, ao invés disso, ocupavam as isbás desabitadas dos arredores e as usavam ou como centros de reunião ou como dormitório.

Primeiramente, os militares conduziram Pavel até a casa onde montavam-se os escritórios e lá ele foi apresentado oficialmente ao superior daquele batalhão: o capitão Goldiak, um homem de traços semitas, de semblante muito sério, além de parecer, constando a situação de sua mesa, alguém extremamente organizado.

O senhor fumava um cigarro quando Pasha entrou na sala. O rapaz, pouco tempo depois de avaliar aquele com quem conversaria, notou que Jacob Goldiak não fumava pelo simples prazer do tabaco, mas para conter o motivo de suas unhas roídas quase até a carne; a causa da inquietude dos pés sob a mesa e os olhos mais arregalados do que o comum.

Por um breve momento, Pavel viu-se naquele homem, como quem observa a semelhança entre dois irmãos... sofriam ambos do mesmo mal, afinal, conheciam as desventuras dos momentos de pânico, quando a mente inquieta perde o controle. Lá estavam os sinais do desespero, chamado depois pelos estudiosos de patologias reais, mas que no ambiente em que viviam os dois, só podia ser comparada a tristeza comum e a fraqueza vã.

Um Conto do LesteWhere stories live. Discover now