Capítulo XI: Sobre os Anos e os Crimes (Parte 2)

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20 de maio de 1934, República Socialista Soviética da Rússia.


Camarada Gregor Dmitrievitch Nasekomoyev

Primeiramente, deixe-me tranquilizá-lo. O homem que lhe entregou esta carta é um dos soldados de meu batalhão. É um rapaz que goza de minha total confiança, uma vez que, não enviaria esta carta através de um camarada qualquer. De qualquer forma, como o amigo deve saber, as coisas começaram a rolar escada abaixo.

Gostaria que esta carta viesse como forma de lhe dar boas notícias, mas minha intencionalidade aqui não é outra senão pedir ajuda.

Você possui bons contatos. Preciso que os convença de que nunca simpatizei com nenhum inimigo do estado (ultimamente, vem sido espalhado o boato de uma suposta ligação entre minha figura e Trotsky nos anos pré e pós-revolucionários). Como você bem sabe, a unica vez que encontrei pessoalmente com o dito, foi nas épocas de luta contra os brancos e tal encontro só se firmou diante a minha patente como Capitão do Exército Vermelho¹.

Tenho ficado mais recluso, conto apenas com os homens de meu batalhão original (aqueles que confio). Minha esposa acaba de ter um menino, temo pela vida de meus amigos de luta e de minha família. Por favor, Gregor, em nome dos velhos tempos, faça o que estiver ao seu alcance, tenho vivido de crise em crise (lembra-se de minhas crises?).

Eu agradeço desde já.

Jacob Goldiak.

Stalingrado, 13 de março de 1934

Nasekomoyev suspirou pesadamente. Olhou ao redor. Estava em casa, acabara de chegar e surpreendeu-se ao encontrar um soldado esperando-lhe na porta do prédio. O rapaz entregou uma carta e partiu, sem dizer muito, sem apresentar-se. Depois disso, Gregor subiu os degraus até seu apartamento e sentou-se no sofá antes de abrir o envelope e fazer a leitura.

O oficial acendeu um cigarro, as mãos tremiam mais que o comum. Lembrava-se de Goldiak quando mais novo (nos anos que antecederam a revolução, quando o capitão escondeu-se na casa de Gregor), a forma como as crises afetavam o homem, a forma como continha os gritos contra o travesseiro, como tremia de um medo absurdo e, desesperadamente, chorava como criança sem motivos aparentes. Após algum tempo, conseguiram controlar, mas Jacob sempre foi diferente... tinha os nervos alterados, como Gregor costumava dizer.

A luz fraca e a noite fria, a neve começava a derreter, mas ainda via-se o mundo sob aquela perspectiva de início de primavera. A mesa de centro continha todo o tipo de quinquilharia... pequenas inutilidades. Os cadernos de Katherina, postos ao lado de Gregor, sobre o sofá. Sentiu uma fisgada de preocupação lhe tomar o peito, depois dos eventos daquela manhã... a visita de um senhor importante, a ameaça velada, "vote a favor da medida... é um conselho, camarada", dissera o homem. Nasekomoyev possuía um bom nome nas altas esferas, era reconhecido, nunca nutriu uma inimizade sequer... todos o admiravam (ou sentiam pena). Nunca foi alvo de ameaças tão diretas até aquele dia... o mesmo dia em que recebeu a carta de Golkiak, um amigo... um amigo que não poderia ajudar... assim como não pôde ajudar Petyr Karev.

Com a mão cheia de cicatrizes, Nasekomoyev pegou o cinzeiro, que jazia sobre a mesinha. Bateu a cinza do cigarro logo após uma tragada longa. Passou, novamente, os olhos pela carta de Jacob, perdeu-se na caligrafia cursiva do antigo companheiro de revolução. Podia sentir o pânico escondido, não só das frases, mas também atrás dos traços que formavam as letras... meio tortos, rasurados inúmeras vezes, como se fosse um rascunho mal-feito.

O silêncio atordoador tomava conta do apartamento, só existia o vento lá fora, o vento e a sensação de solidão naquele mundo áspero. O que poderia fazer? Os tempos mudavam, Gregor conhecia a vida de forma a poder afirmar que um presságio estranho vagava pela realidade.

Um Conto do LesteWhere stories live. Discover now