Capítulo IV: Notícias de Moscou

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Dezembro de 1916

Pavel Iurievitch observava a palidez prateada que cobria o espaço onde, nas estações mais quentes, os campos se erguiam.

Após a tempestade da noite anterior, toda vegetação remanescente tendia um pouco para o lado, devido ao vento forte que afligira a região. Os pinheirinhos congelados e a falta de verde faziam com que o caminho percorrido há mais de um ano parecesse irreconhecível, de forma que o rapaz de quase onze anos não sabia ao certo quanto tempo faltava para que ele e os dois homens ao seu lado vislumbrassem as cúpulas da casa dos patrões.

Pasha encolhia-se em seu casaco muito largo, este que um dia pertencera a Iuri e no qual Tânia fizera uma bainha grossa para que o filho pudesse usar o agasalho sem se enroscar nas mangas muito compridas.

A lã de boa qualidade não deveria ser desperdiçada.

O trenó lutava contra a neve na estrada. A dificuldade dos cavalos e do guia em manter-se no curso era visível. Pasha voluntariou-se para aquela expedição a casa dos Karev, levado pela curiosidade e pela vontade de rever Mikhail Andreyevitch, e assim, constatar se o dinheiro já lhe mudara a cabeça.

Por volta das nove horas, o cocheiro, que agora conduzia o trenó, apareceu na aldeia sob ordens do patrão e recrutou três homens para ajudar em um acidente ocorrido na casa durante a noite anterior. Ao que parecia, com a tempestade, parte do telhado desgastado pelos anos cedeu e ameaçava cair sobre o assoalho. Era preciso que se improvisasse uma viga e que aliviasse o peso da neve sobre as telhas.

Pasha ofereceu-se no mesmo instante, disse não ocupar espaço, além de ser mais leve e ter mais facilidade de subir na casa sem castigar muito mais o forro e as telhas afetadas.

Desta vez avisou Tânia e pediu-lhe permissão.

O garoto se encontrava em uma idade onde se cresce muito rápido, e agora, faltando um mês para seu aniversário, já tinha altura de um pré-adolescente, bem como conhecia muito mais sobre o que estava ao seu redor, embora, diante ao caos pré-revolucionário, as coisas tendiam a mudar justo no momento em que ele passava a compreendê-las.

A crise piorou, a fome piorou. Pelos boatos que ouvia, nem mesmo os Karev se encontravam em situação confortável e os movimentos rebeldes cresciam cada vez mais. Mesmo ali, mesmo em sua vila, organizou-se uma greve, que acabou não saindo do papel, pois apesar dos espíritos revoltos, o medo das consequências ainda existia.

Ah! Lá estavam as cúpulas! Escondidas embaixo de seu xale branco.

Pavel Iurievitch desembarcou junto aos outros e logo, colocaram as botas na neve funda, para chegar a porta lateral, que dava na cozinha.

Uma empregada lhes serviu chá quente - que que se constituía basicamente em água escaldante adoçada, mas que era muito bem recebida pelas entranhas resfriadas pelo vento polar. Esperaram ali pelas ordens e pelas ferramentas necessárias, e após recebê-las foram averiguar o estrago.

Impossível não notar os reflexos da situação atual na casa.

Quando se hospedou ali anteriormente, Pasha viu o local em seu resplendor completo e agora, o corredor espiado pela janela há mais de um ano se encontrava desgastado. O pó se acumulava nas poucas mesinhas de madeira que restavam - as demais provavelmente tiveram como destino o fogo.Já não existiam tapeçarias e a maioria dos quartos foi lacrado, para economizar na calefação.

Antigamente, se preparava a casa para o inverno. O telhado era reforçado, as janelas passavam por um cuidadoso processo onde se colocava massinha de giz em suas frestas para que o vento não entrasse e todas as lareiras, bem como a estufa no porão, ficavam acesas e consumiam quanta lenha fosse necessário.

Um Conto do LesteWhere stories live. Discover now