Quando estava a somente alguns centímetros da menina, travei, sem saber o que fazer. Eu deveria apenas abordá-la e perguntar sobre tudo como se fosse a coisa mais normal do mundo? Bom, eu não sabia se tinha coragem o suficiente para isso – na verdade eu duvidava muito que tivesse –, então apenas me aproximei da forma mais lenta e discreta possível, sentindo que meu coração poderia saltar pela boca a qualquer momento.

Porcaria, Marliss. Deveria ter ficado na sua e apenas procurado pelo seu irmão como qualquer pessoa normal, mas não, vamos ir até um espírito que já morreu a séculos para encher ele de perguntas, nada melhor, não é mesmo.

Ah cacetada, era só o que me faltava, eu a beira de um ataque e meu subconsciente me importunando com coisas óbvias.

– Você veio atrás de respostas, não é? – A garotinha disse tão repentinamente que dei um pulo para trás com o susto. – Ele não está aqui, nenhum deles está, você precisa voltar.

– E-eu... Queria saber mais...

– Quer saber mais sobre o que aconteceu? Tudo bem, isso não me surpreende – ela disse baixinho em um tom suave, nada parecido com a Abelle agoniada e assustada com a qual eu me encontrara em pesadelos e visões. – Viens, vou te mostrar algo.

Apesar dos passos lentos, Abelle parecia saber muito bem para onde estava indo, então apenas a segui, ignorando o fato de as minhas pernas estarem moles e trêmulas feito gelatina.

– Você sabe... sabe onde eles estão? – Perguntei receosa, imaginando que não fosse receber resposta alguma, mas Abelle suspirou e meneou a cabeça.

Je n'aime pas traiter avec ça... – ela murmurou como se estivesse falando sozinha e suspirou demoradamente outra vez antes de responder. – Sim, você verá.

Após mais alguns minutos lentos e silenciosos de caminhada, Abelle parou em frente a uma lápide específica, abaixando a cabeça como se estivesse triste ou incomodada, e levando as duas mãos róseas de encontro ao peito.

– Minha mama e meu papa estão aqui, eu deveria estar com eles mas... Papa me escondeu junto aos outros – ela disse com a voz carregada e rouca, ajoelhando-se em frente à enorme pedra de mármore onde estavam gravados os nomes e datas:

"Abelle Rose Le'Clair - ✩ 13/04/1866 - ✟ 24/12/1875

Evelyn Rose Le'Clair - ✩ 02/07/1845 - ✟ 13/04/1866

Victor Le'Clair - ✩ 30/12/1836 - ✟ 25/12/1875"

– Isto é...? – Perguntei e Abelle apenas balançou a cabeça afirmativamente.

– Ou pelo menos deveria ser, mas nunca encontraram o meu corpo, somente o de papa da minha linda mama, mas você vai encontrar, assim como o seu irmão e os corpos de todas as crianças também – ela disse e quando abri a boca para fazer mais perguntas, a menina gesticulou para que eu me abaixasse ao seu lado. – Não posso te mostrar nada sem que você consinta, então me responda, você quer ver?

– E-eu... eu não sei – sussurrei mordiscando o lábio inferior, tensa e em dúvida.

Todas as visões que Abelle me mostrara haviam sido assustadoras e tinham apenas piorado a situação, me deixando em pânico ao invés de me fazer entender melhor o que se passava. Eu tinha medo de que o que ela iria me mostrar desta vez fosse pior do que tudo que eu já havia visto desde que eu agora sabia sobre as bonecas humanas de Victor.

Olhei para o lado esperando que Abelle me incentivasse ou pelo menos desse um palpite sobre o que fazer, mas ela apenas continuava com a cabeça baixa, os cachos loiros cobrindo o rosto, enquanto passava os dedinhos gordos e rosados pelo nome de sua mãe.

Respirei fundo e coloquei minha mão por cima da sua, assustando-me de início por me lembrar que se tratava de um espírito mas que ainda assim eu podia sentí-la, como se fosse um ser humano normal, vivo e sólido. Me afastei lentamente e tentei tirar aquilo da cabeça, também focando o olhar no túmulo da família Le'Clair.

– Eu quero fazer isso – eu disse baixinho, hesitante, e pude ver Abelle se agitar um pouco depois de tanto tempo imóvel e concentrada nos nomes gravados no mámore à nossa frente. – Quero saber o que aconteceu, quero poder ajudar você e todas as outras crianças. Quero acabar com esse pesadelo de uma vez, então ninguém nunca mais vai precisar se machucar.

Não houve resposta alguma por parte da menina e por um momento cheguei a pensar que ela havia me ignorado ou apenas desistido da ideia, pelo menos até vê-la se voltar para mim e levantar o rosto, mostrando os dois buracos negros que agora tomavam conta de seus olhos.

Me afastei com o susto em um gesto quase automático, engolindo em seco e sentindo minha pele gelar.

– Não tenha medo, eu... Eu já tive olhos lindos, assim como os seus – ela disse com certo pesar, o que fez com que eu me sentisse horrível pela minha reação. – Isso costumava me deixar triste, mas não me importo mais, eu só... eu só queria poder descansar.

– Sinto muito – respondi sentindo meu coração pesar, eu nem conseguia imaginar o tanto que aquela garotinha deveria ter sofrido nas mãos do pai enquanto estava viva e o tanto que ainda sofria mesmo depois de morta.

Ela apenas meneou a cabeça e pousou os dedos sobre as minhas têmporas, pressionando-as cada vez mais forte. No início era somente uma pressão comum e suportável, mas foi ficando cada vez pior, fazendo minha visão escurecer e minha cabeça doer como se recebesse marteladas.

Cerrei os olhos e gritei com a dor que parecia apenas aumentar a cada segundo. Fechei as mãos em volta dos braços de Abelle, tentando afastá-los completamente em vão, pois começava a ficar sem forças e cada vez mais tonta.

– Não... – murmurei quando Abelle finalmente me soltou e meu corpo fraco caiu na grama do cemitério.

Eu queria levantar, mas mal conseguia abrir os olhos e o chão parecia girar abaixo de mim enquanto eu me sentia cada vez mais distante da realidade.

A Casa de BonecasOù les histoires vivent. Découvrez maintenant