Fiz o que ele instruiu e segurei as lágrimas o máximo que podia. Não era fácil, com certeza não, mas eu sabia que Henri estava mais do que certo: eu jamais conseguiria encontrar meu irmão e dar um jeito naquela situação toda se me desesperasse a cada coisinha que dava errado ao longo do caminho.

– Nós vamos encontrar o seu irmão, tudo bem? Saiba que estou com você e não vou te deixar nem por um segundo, eu prometo que vou te ajudar a fazer tudo certo – ele disse com uma calma contagiante e secou uma lágrima solitária que ainda escorria pelo meu rosto com o polegar.

Ficamos em silêncio por mais alguns segundos até eu abrir os olhos e ele apertar suas mãos em volta das minhas.

– Está melhor? – Ele perguntou e eu assenti.

E tinha como não estar depois daquilo? Henri definitivamente sabia como tranquilizar alguém, chegava a ser estranho.

– Desculpe ter gritado com você, mas se eu não tivesse feito isso você nunca pararia de falar para prestar atenção em mim.

– Como...?

– Sabe o meu irmão? Bom, ele sofria... Não, ele sofre com ataques de pânico e muitas vezes eu precisava lidar com ele sozinho quando estávamos na escola ou fazendo algo fora de casa.

– Eu sinto muito – murmurei abaixando os olhos para meus pés inquietos, sem saber o que falar.

– Tudo bem, muita gente passa por isso e o Erick... Ele vai melhorar, assim como você vai encontrar o Eliel – Henri disse com um sorriso que teria feito meu coração derreter se eu não estivesse focada demais em outras coisas. Ele se levantou e me ajudou a fazer o mesmo, me puxando pela mão. – Vamos ver a minha avó.

– Isso vai me ajudar em algo?

– No momento ela está sendo a nossa última opção.

◈◇◈

Dona Emy parecia já saber de alguma forma que estávamos indo para lá, pois assim que chegamos ela já estava parada à frente do portão, com Biscoito sentado ao seu lado balançando seu rabo de uma forma quase frenética. Ele estava se preparando para se levantar e correr em nossa direção quando Dona Emy lhe lançou um olhar de repreensão que o animal pareceu entender muito bem, pois voltou a se acalmar e abaixou a cabeça.

– Vovó, nós...

– Ah querida, eu sinto muito – ela disse me abraçando de repente mas apenas aceitei e a abracei de volta, sabendo que eu precisava daquilo. – Lira me contou o que aconteceu.

Ah, então é isso? Pensei, entendendo o que Henri havia dito sobre sua avó ser nossa última opção.

– Então você sabe sobre... sobre... – eu murmurei sem conseguir terminar a frase pois uma pedra de gelo pareceu mais uma vez se prender em minha garganta.

– Sim, sim. Mas está frio aqui fora, não? Vamos entrar para poder falar sobre isso com calma – ela disse virando-se para dentro da casa e eu e a Henri a seguimos sem dizer mais uma palavra.

Ele apenas me encarou e encolheu os ombros como se dissesse "eu te falei, não falei?".

Assim que entramos na sala apenas me sentei no sofá e aguardei enquanto Dona Emy ia fazer algo na cozinha, como de costume. Henri sentou ao meu lado e apertou minha mão, como uma forma silenciosa de dizer que tudo ficaria bem, então apenas comprimi os lábios e apoiei minha cabeça em seu ombro.

Mesmo que o que eu sentia não fosse recíproco, já era mais que perfeito tê-lo como melhor amigo, e ter alguém para me aturar e me ajudar a manter a cabeça no lugar em momentos como aquele fazia tudo parecer um pouco melhor.

Me recompus assim que Dona Emy voltou à sala, carregando duas xícaras em suas mãos enrugadas e entregando uma a mim e outra à Henri. Senti cheiro de café e parei por um momento antes de levar a xícara à boca, me sentindo aliviada por estar misturado com leite.

– Olhe meu bem, sei que deve estar preocupada, qualquer um estaria se estivesse em seu lugar, mas...

– Eu ainda posso salvá-lo – eu disse sem tirar os olhos do chão. – Eu conversei com... com alguém que pode me ajudar, ela disse que...

– Os corpos, eu sei – Dona Emy disse e eu mal me espantei, já esperava que ela soubesse de tudo, afinal, ela sempre parecia saber. – Eu conversei com Lira, ela me disse muita coisa, só não me disse onde podem estar, eu sinto muito.

– O cemitério não seria a primeira opção? – Henri perguntou e eu quase ri do quão absurdo aquilo parecia ser diante do monte de loucuras que estavam envolvidas naquela história.

– Nenhuma criança jamais foi enterrada – a senhora disse e me voltei à ela na mesma hora.

– Espere, o quê?

– Você mora na casa das bonecas, não é? Eu deveria ter notado antes – ela disse como se se sentisse culpada e respirou fundo antes de continuar. – Desde que eu vim morar aqui eu escuto histórias sobre aquela casa, coisas ruins sempre acontecem lá. Na década de sessenta uma moça foi acusada de matar seu próprio marido e abortar seu bebê porque não havia mais ninguém na casa mas a questão é que não haviam quaisquer provas contra ela, era como se outra pessoa...

– É. Eu entendi, alguém que ninguém podia ver e que era quase como se não existisse mas ainda assim o responsável por tudo – completei e Dona Emy consentiu.

– Em oitenta outra família foi morar por lá, o filho mais novo desapareceu e o mais velho simplesmente surtou, dizendo coisas sem sentido sobre bonecas e corpos de crianças, inclusive do irmão, que nunca foi encontrado apesar de ter sido dado como morto depois de anos de busca.

Senti um peso enorme em minhas costas e um aperto desesperador no peito quando me dei conta de aquele poderia ser o meu futuro. Sequei as mãos úmidas de suor nos jeans e respirei fundo, tentando ao máximo não me apavorar novamente.

Você vai encontrá-lo, você vai encontrá-lo, você vai encontrá-lo... Vai dar tudo certo... repeti para mim mesma incontáveis vezes como um mantra ainda na tentativa de não surtar, quando Henri colocou a mão sobre o meu ombro e me chamou, fazendo-me voltar os olhos arregalados para o seu rosto calmo.

– Se acalma, você tá pirando de novo – ele disse e eu apenas concordei, engolindo a vontade de chorar que me perturbava de novo.

– Desculpe, eu...

– Você vai encontrá-lo, você já fez a escolha certa – Dona Emy disse com tanta certeza e convicção que uma expressão confusa tomou meu rosto mesmo que contra a minha vontade. – Eu vi na sua mão. Você escolheu ajudá-la, não é? Ao invés de fugir como os outros, você ficou e está tentando. Por ela.

Os dois caminhos. Eu me lembrava da primeira vez em que viera na casa de Dona Emy, ela havia lido minha mão e dito que eu havia duas escolhas, cada uma que levaria à um fim diferente.

Eu realmente já havia feito a escolha certa? Céus, eu esperava mesmo que sim.

– Ele descansa com os outros – Dona Emy disse de repente, ganhando minha atenção mais uma vez. – As informações já foram dadas onde você menos espera. Foi o que Lira me disse, eu não entendo mas ela parecia certa de que você entenderia.

Ah, não, eu não entendia nem um pouco, mas teria certeza de entender o quanto antes.

– Volto a votar no cemitério – Henri disse e quase revirei os olhos. – Onde os outros descansam. Com certeza não é um quarto, então... – Abri a boca para contestar mas parei assim que ele ergueu as sobrancelhas com teimosia. – Tem uma ideia melhor?

Eu rezei mentalmente para que alguma iluminasse minha mente naquele momento, porque o cemitério era de longe o lugar que eu menos queria visitar naquele momento, e só de me imaginar lá já sentia calafrios percorrendo o meu corpo.

Isso não é por você e nem por Abelle, é por Eliel, minha voz da consciência fez o favor de me lembrar e respirei fundo, tomando mais um gole do café com leite que ainda segurava.

– Eu quero estar fora daquele lugar antes das seis, por favor – disse baixinho e Henri assentiu, mais uma vez segurando minha mão para mostrar que estava ali.

Ah, e como eu queria que meu irmão também estivesse.

A Casa de BonecasWhere stories live. Discover now