Capítulo 30

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Tic-tac.

Tic-tac.

"Deixem-na descansar." Disse a voz calma e serena. "Ela passou por muita coisa."

Eu não vou conseguir descansar. A cama debaixo de mim parece mole demais, fofa demais, como se eu estivesse deitada num grande marshmellow. Eu havia me acostumado a dormir no chão duro e frio da prisão, mesmo numa cama quente ainda tenho calafrios.

Tic-tac. Tic-tac. Tic-tac.

O som do relógio parece a marcha de mil soldados. Eu quase os posso ver, marchando cegamente direto pra morte. Disciplinados. Quase fui um deles se bem me lembro. Mas parece ter sido há vidas atrás. Acho que hoje em dia nem consigo segurar uma arma, o tremor não deixa.

Meu guarda disse que só poderemos partir amanhã pela manhã, ele foi o único que vi até agora e isso me passa certa desconfiança.

A escuridão do quarto parece querer me envolver e me engolir. As paredes se tornam verdes, com uma camada de vidro. O frio me arrepia, bato os dentes e tremo com os calafrios. Eu não posso estar de volta. Não.

NÃO!

As paredes parecem se aproximar, prontas para me esmagar, me comprimir entre elas até não restar uma unha. Coloco a cabeça entre as mãos, sem conseguir respirar. Mais e mais ar entra nos meus pulmões mas não consigo expirar.

Eu sabia que era uma simulação. Não deveria ter acreditado!

De repente sinto uma picada no braço, alguma droga de efeito calmante entrando nas minhas veias, me deixando sonolenta e lerda. Minha visão fica turva e só então percebo que estava gritando.

Lince afasta a agulha de mim, não sei identificar a emoção no seu rosto. Choque? Preocupação?

Fecho os olhos. Caio diretamente num pesadelo macabro. Mas não preferia ficar acordada.

Acordada minha mente dá voltas e mais voltas. Eu não consigo mais distinguir a realidade. Não sei o que aconteceu antes da injeção, talvez uma alucinação.

Estou correndo numa plantação de lavanda, o cheiro entra pelas minhas narinas e eu inspiro fundo. Parece um sonho bom. O céu está limpo e o sol brilha alto, não está muito quente e a brisa do verão está fresca.

Tropeço em meus próprios pés e caio sobre a lavanda e a terra. Dou uma boa risada.

Então o céu escurece, paro de rir, nuvens negras avermelhadas se formam e cobrem o Sol, parece que já é noite. Vejo um gota de chuva pingar logo a minha frente.

Depois outra. E mais outra. E então percebo pelo cheiro que isso não é chuva. É sangue. Sangue vermelho caindo do céu, lavando a terra e manchando a lavanda.

Um pingo cai nas costas da minha mão, vermelho escuro, com cheiro de morte, ele escorre deixando um rastro reto e continuo. Ele arde. Mais e mais gotas caem em mim, ardendo como se estivessem desfazendo minha pele. Começo a correr novamente, fugindo da chuva ácida e sangrenta. Cada gota parece me corroer.

Não há lugar para se abrigar e a plantação parece ser infinita. Caio de joelhos no chão, coberta de sangue.

Acordo arfando e olhando para cima, esperando ter uma nuvem sangrenta. O tremor das minhas mãos parece pior e o meu coração o acompanha.

- Você sempre têm esses pesadelos? - a familiar voz grave e indiferente de Lince me faz virar tão rápido que quase quebro o pescoço.

- L-Lince. - gaguejo com o menor dos sorrisos. Ela sorri pra mim também, as pupilas felinas dilatadas.

- Você me deu um belo susto, Scarlett. - ela resmunga, eu sei que ela tenta esconder o quanto está feliz, mas não consegue.

- Senti saudade. - sussurro.

- Sabe de uma coisa, garota? - ela cruza os braços e se encosta na cadeira - Eu também. - sussurra como se fosse o mais obscuro segredo.

Dou um sorriso, apesar de ainda ter algumas imagens horríveis do sonho me rondando.

- Acho que é melhor eu ir agora. - ela começa a se levantar da cadeira mas eu seguro seu braço com uma força desmedida.

- Não! - me acalmo antes de continuar - Você é a única coisa que me lembra que isso é real. Fica. - quase imploro sem soltar seu braço.

Ela me observa com uma expressão mista entre compaixão, preocupação e desdém e senta na cadeira novamente. Eu me esforço para soltá-la. Me desagarrando antes que meu desespero a machuque.

Lince move os olhos felinos pelo meu rosto, me analisando.

- Estou com fome. Podemos sair daqui para comer algo? - murmuro quando meu estômago ronca.

- Não. Não podemos. - franzo a testa. Será possível que estou tão aprisionada quanto antes?

- Por quê? - resmungo faminta.

- Porque você ainda não olhou para os seus pulsos. - involuntariamente olho para eles. Meu tremor nas mãos para.

As algemas.

Um sorriso cresce no meu rosto. Algo meio estranho e disforme, empoeirado e aberto demais. As algemas sumiram.

Arregalo os olhos e uma sensação intensa me domina. Estou envolta numa camada de poder. Sinto meus olhos ficarem brancos.

Quando levanto o olhar, Lince está ao lado da porta. O olhar dela diz muito, ela sabia o que ia acontecer. Ela aperta um botão grande e vermelho. O quarto inteiro começa a piscar em vermelho, como um alarme. Eles se prepararam bem. As paredes são recobertas de ferro, ouço o barulho de engrenagens girando e correntes balançando, puxando as paredes metálicas pra cima, crescendo grades na janela.

Pra proteger a todos de mim.

Eu nem tento controlar. Senti tanto medo disso e agora só quero usar esse poder.

As fagulhas vermelhas de energia dançam na minha pele, subindo e descendo, explorando cada centímetro meu. E a sensação me faz suspirar.

Sorrio como se saboreasse um prato delicioso.

Sei que agora sou um barril de pólvora perto do fogo. Sinto um sabor fantasma de sangue na boca.

Os raios de energia brincam no quarto, nas paredes, nos móveis. O maldito relógio continua tiquetaqueando. Lanço um olhar para ele e observo quando ele explode em pedaços de madeira e metal. O cuco voa a centímetros do meu nariz.

A falta da pressão das algemas me faz ficar leve como uma pluma. Desço da cama e ponho os pés no chão, deixo pegadas de gelo com o perfeito formato dos meus pés.

Eu me sinto feita de energia. Cada respiração, cada batimento, o sangue que corre.

Meu poder real, herança de Alyah. É pura destruição, faço bom uso. Mato tudo que é vivo e destruo tudo que é matéria.

O quarto se esvazia. Um móvel de cada vez.

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ainda não é o último cap amores

Respirem e relaxem

Está sendo bem dificil fazer esse estado de insanidade da Ray. Se não estiver ficando bom por favor me avisem pra eu melhorar

Qual morte deixou vocês mais triste? Wei-Wei ou Kadash?

Rayrah Scarlett: O Coração Pulsante de Evbád [RETIRADA EM 25/10/22]Where stories live. Discover now