Capítulo 22

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Quando acordo, uma súbita dor de cabeça me faz arquejar de dor.

Não me lembro de nada além das mortes das pessoas mais importantes da minha vida em um intervalo de menos de duas horas.

Quando levanto a cabeça ouço:

- Você é extraordinária.

Procuro a origem da voz mas me sinto desorientada demais. Sei que estou deitada num chão frio e sinto cheiro de sangue.

- O-o quê? - a voz sai tão fraca como se estivesse sendo usada pela primeira vez.

- Eu estou simplesmente impressionado. - a voz parece suspirar. - Você quase matou todo mundo lá fora.

Quando finalmente encontro o dono da voz, sinto medo. A melodiosa voz que ouço não condiz com o homem que vejo. Parece ter aproximadamente vinte e cinco anos, pele negra e cabelos igualmente negros, olhos tão escuros que mal parecem ter pupilas, barba bem feita, ele tem traços fortes, uma beleza grosseira. Usa um uniforme, uma armadura de metal púrpura, na cintura uma espada longa e desembainhada e nas mãos uma flor branca.

Me levanto e me arrasto para longe ao perceber que estamos na mesma sala.

- Você era corajosa há alguns minutos. - ele ri baixo.

- O que houve há alguns minutos? - murmuro.

- Você não se lembra? De nada? - pergunta estupefato.

- Não depois de... - as imagens de Jenny jogando Wei-Wei de mais de 20 andares entra na minha mente. Mas não parece real, sinto como se ele fosse aparecer aqui, dizer que tudo vai ficar bem. Mas não vai, não vai acontecer, e Wei-Wei odeia, odiava, mentir. Nada vai ficar bem.

Kadash e Wei-Wei estão mortos. Na verdade, todos do castelo devem estar mortos agora. Eu também estou: por dentro.

- Não entendo como uma garota como você se transformou naquele tufão de energia. - o homem diz olhando para um ponto inexistente, maravilhado.

- Não sei do que você está falando. - digo à ele. Me deixe em paz com minha dor, é o que quero dizer, mas não o digo.

- Eu ainda estou admirado. Você viu seu amigo morrer, e do nada, você parou de gritar e se debater. Apenas parou, e olhou para a tenente. Tentei entender, você parecia ter congelado. De repente seu corpo começou a brilhar, seus olhos ficaram brancos, alguma força de dentro de você jogou todos os guardas para longe e você levantou.

"Cada passo que você dava o chão se partia, cada vez que você respirava eu podia sentir algo estranho, como se estivesse tendo minhas forças sugadas. Então você parou, eu esperei algo acontecer, e cinco raios vermelhos de energia voaram pelos ares como adagas e o sangue dos guardas manchou todas as paredes.

Você se virou para a porta e pisou firmemente no chão, rachaduras começaram a se abrir e de dentro delas saíram espinhos de gelo maiores que meu braço, as rachaduras atravessaram a porta e foram adiante enquanto você se virava para a tenente. Luzes começaram a piscar e eu comecei a ouvir os gritos do lado de fora.

Você não mexeu um músculo mas aparentemente sem motivo a tenente caiu no chão berrando de dor. Colocava as mãos na cabeça e implorava pra que parasse, chorava e suplicava por misericórdia. Todos os armários no quarto abriam as gavetas e as coisas pareciam ter enlouquecido.

Então você disse: 'Por que esta fazendo isso?' E a tenente parou de sentir dor, olhou pra você e disse: 'É meu propósito.' Eu não entendi nada do que estava acontecendo naquela sala, mas sabia que as pessoas estavam morrendo lá fora. 'Se lembre, Jennifer!' Então eu entendi. O nome da tenente era Jennifer. Você a conhecia, certo?"

A pergunta mais parece uma afirmação. Ainda não caiu a ficha do que fiz. Não posso ter feito isso, não me lembro disso. Há uma peça do quebra-cabeças fora do lugar.

- Isso não importa. Como você está vivo? Por que eu não tinha lhe visto na sala? - me sinto cada vez mais desconfiada e cansada. Cada palavra que sai pela minha boca dói, meus olhos parecem pesados.

- Sou um manipulador de luz. Posso manipular a luz do ambiente ao meu favor, posso fazer você me enxergar ou não. - aí está a peça do quebra-cabeças, de repente um raio de sol vindo de lugar algum passa pelo rosto dele e quando vai embora, há apenas o puff verde onde ele estava sentado.

Solto um "oh" surpresa e ele volta a aparecer.

- Então a tenente gritou: "Eu não consigo! Não há nada pra lembrar!" Eu pensei que a mataria, mas você saiu pela porta e eu te segui, ela ficou presa lá dentro, sem dor, apenas com os olhos desfocados. Você virou um tufão de energia, garota. Eu mal conseguia olhar para você, cada passo que você dava o chão explodia como se houvessem minas terrestres. Você olhava para os soldados e eles se contorciam de dor. Você derrama lágrimas ao mesmo tempo que derramava sangue. Nunca tinha visto um poder como o seu. Nunca havia visto tanto sangue na minha vida, e você sabe o que faço, garota? Sou um estrategista e soldado, eu ganho guerras. Meu dever é derramar sangue.

- Não. - balanço a cabeça. - Eu não seria capaz de matar - mais - alguém.

- Não foi isso que me pareceu lá fora. - ele olha pra mim com expectativa. - Uma pessoa com tanto poder quanto você... o que você é?

Engulo em seco, o ar começa a me faltar a medida que tudo parece ser verdade. O sangue nas minhas roupas, em meus cabelos, em minhas unhas. A exaustão. A falta de memória. Tudo faz sentido.

- Eu não sei. - voltei a pergunta inicial e a resposta inicial. O que eu sou? Não sou uma Skilled. Nunca fui o Coração e não sinto como se tivesse a herança da Família Real.

Sou apenas uma garota confusa e sozinha no mundo. Atormentada por fantasmas que deveriam estar mortos e ferida por aqueles que gostaria que estivessem vivos.

O que eu sou? Sou a única coisa que me resta: sou poder, habilidade, energia. É a única coisa que sobrou pra mim neste mundo lastimável.

Eu perdi tudo e a todos. Neste momento, o que sou não é nada.

- Como foi que eu vim parar aqui? - nesse momento noto uma ondulação na minha visão ao olhar para ele, há um vidro nos separando.

- Por mais maravilhado que eu estivesse, não podia deixar aquela carnificina acontecer. Manipulei a luz e te ceguei até que os guardas a prendessem. E agora... eu deveria dizer: bem vinda à Prisão de Vidro.



Esse daria um nome top pro próximo livro, mas os dias dela na prisão de vidro serão aqui mesmo.

Agora a coisa vai ficar melancólica.

Até o próximo capítulo

Rayrah Scarlett: O Coração Pulsante de Evbád [RETIRADA EM 25/10/22]Where stories live. Discover now