Capítulo 23

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Depois de ele ter dito aquilo meus olhos pesaram, minha cabeça latejava como se meu coração houvesse resolvido mudar de lugar. Tudo ficou escuro e eu dormi, ou melhor, desliguei.

Tuc, tuc, tuc.

Um barulho estranho me desperta.

Tuc, tuc, tuc.

Abro os olhos e vejo William bater num vidro a minha frente. Me encho de cólera e me levanto, se este vidro não nos separasse não sei o que faria.

- O que é que você quer? - rosno e me esforço para manter o choro no fundo da garganta. A voz de Harrington fala no meu pensamento: "não deixe que a vejam vulnerável." Onde será que meu mentor está agora?

- Eu sei que você não vai querer me perdoar.- o interrompo com uma longa e sarcástica risada.

- Eu perdoar? Você? - se este vidro não nos separasse eu cuspiria no seu olho - Por sua culpa dezenas de pessoas morreram. Incluindo as pessoas mais importantes da minha vida.

- Ray, eu- o interrompo novamente.

- Não ouse dizer o meu nome. - minha voz parece tão severa que não me reconheço - Você teve sorte eu não ter te encontrado quando me descontrolei.

- Por favor...

- Will - fecho os olhos trêmula de amargura - Foi tudo mentira? Aquela história de dar pena da sua vidinha? - ele nega - Duvido. Como posso acreditar em qualquer coisa que saia da sua boca agora? Eu acreditei em você. Eu ouvi você. Eu lutei pelo que você sugeriu. Eu começava a confiar em você. E veja aonde eu estou agora.

Um silêncio mortífero paira sobre nós. Aquele rostinho arrependido me dá vontade de estapeá-lo.

- Saia. - digo severa e ele não discute.

Quando ele vai embora me permito respirar. Sento no chão e aperto as mãos, como forma de me acalmar. Mordo o lábio inferior até sentir o gosto de sangue.

A Prisão de Vidro tem as paredes verde-musgo revestidas de algo que tenho certeza que não é vidro mas que simula ser um. E não há mais nada além disso para se ver: paredes verdes e vidro. Sem móveis, sem qualquer coisa a ser usada como cama. E sem uma porta visível.

O silêncio é tão arrebatador que me sinto surda. Só posso ouvir meus pensamentos, mas assim como tudo no meu corpo, pensar também dói.

Me sinto sobrecarregada como se algo sugasse minhas forças. Não estou falando emocionalmente, estas já se foram há muito, digo fisicamente, e não parece ser por causa dos hematomas e ferimentos.

Nas últimas horas meu primeiro amor morreu, minha mãe biológica e meu melhor amigo também. Sem falar de que não sei como estão meus amigos do palácio, todos devem estar mortos.

Não sei quem escapou da minha fúria cega, mas a assassina deles não o fez porque teve sorte. Quando olho pra ela, apesar daquele rosto parcialmente queimado, ela ainda é minha irmã, aquele olhar psicopata não é dela. Sei disso.

Alguém me tira de meus devaneios, o homem que estava aqui quando acordei e me contou tudo que havia acontecido. Ele usa um uniforme branco e roxo cintilante, grosso e fechado até a garganta, à prova de balas e de tudo o mais pelo que parece. As luvas tem um material que desconheço. A figura de uniforme me olha atentamente por longos segundos.

- Olhe para ela... - sua voz não é dirigida a mim mas a alguém do lado de fora. - Não precisa disso, o senhor acabou com ela. Ela não vai tentar nada.

Rosno para ele, como um animal enjaulado. É bem o que pareço.

A passos lentos e calculados, Maori entra na sala como se fosse bom demais para pisar no mesmo lugar que eu. Ele quer que eu sinta medo. Medo dele? Medo de morrer? Não o tenho. Encarei a morte vezes incontáveis, não é um falso rei em sua armadura de vingador que me fará temer.

Mas eu também sei que ele não vai me matar, teve oportunidades o bastante e não o fez. Por que ele criou um jogo? Ele quer medo, ele sabia que alguém se salvaria e assim passaria o medo a todo o povo. E com o jogo teria um motivo para dizer a tenente para não me matar.

Mas eu sei porquê não me matou. Eu sou um troféu. A filha da mulher que destruiu a sua vida. Uma lembrança da sua vingança. Um espólio de guerra.

- Ela poderia destruir esse lugar se quisesse. E você sabe disso. - ele diz calmamente.

Poderia? Sim, eu poderia, mas meu corpo ainda se recusa a mexer-se, cada fibra de meus músculos dói, como se eu tivesse sido mergulhada em uma piscina de gelo e em seguida afogada em lava. Respirar dói, manter os olhos abertos dói.

- E o senhor sabe que esta prisão foi projetada para impedir isso. - o soldado passa a mão delicadamente pelo vidro.

- Certamente. Mas eu não gostaria de arriscar. Muito menos perder a arma de destruição que temos em mãos. - um calafrio me sobe a espinha ao ouvir.

O soldado se aproxima de mim com um suspiro e dois braceletes pretos nas mãos. Levanto as mãos por instinto, as pontas dos dedos mudam de cor, pequenos pontos vermelhos como raios de eletricidade percorrem toda a extensão da mão.

Me preparo para me defender, mas uma descarga elétrica me atinge de lugar nenhum, tão ou mais forte que os robôs da prova da Elite. Mas eu já estou acostumada com os choques há um bom tempo.

- Vamos, olhe pra mim, você quer mesmo matar outra pessoa? - a frase me desestabiliza por completo, uma dor de cabeça me teleporta para o meu descontrole de algumas horas.

Estendo o braço. Sinto cada célula do meu corpo gritar, berrar e se debater dentro de mim. O vento ao meu redor movimenta meus cabelos sem nunca jogá-los contra meu rosto. Algo se move dentro de uma pequena veia do braço, como um verme debaixo da carne, se movimentando lentamente do ombro até a ponta do dedo indicador. Esfrego a ponta do dedo que coça, a carne se desfaz como se fosse areia, dando visão para o osso. Me abaixo e toco o chão, Uma areia negra com odor fétido se movimenta pelo chão, como se caçasse os guardas, assim que encontra um deles que corre e grita, ela o envolve como um redemoinho e os gritos agonizantes quase estouram meus tímpanos. A areia se esvai de sua vítima deixando apenas o esqueleto límpido. Caminho logo atrás da minha mortífera criação, pisando nos ossos frágeis no chão.

Quando minha cabeça para de doer uma sensação ainda pior me faz arquejar. É como estar sendo preensada, uma pressão tão forte como se eu estivesse no fundo do oceano, faz minha cabeça latejar e minha respiração ficar difícil, meus ombros se curvam como se eu tivesse adquirido cinquenta anos de idade.

Levanto o olhar. O soldado cruzou os braços e encostou na parede enquanto Maori sorri para mim satisfeito.

- Isso nos seus pulsos... - Maori começa com a voz preguiçosa e eu olho para os braceletes que colocaram em mim, quando os forço para tirar uma dor aguda no meu cérebro me faz parar - são algemas feitas especialmente pra Skilleds. Não tente tirá-las está conectadas a você, edta tecnologia foi encontrada com minha irmãzinha loira, apesar do exercíto deles, ela era preparada - Maori fita meus pulsos com desdém. - Anulam suas habilidades. Pode ser um pouquinho incômodo. - Ele sorri e se alonga como se estivesse bem mais relaxado agora. - É apenas isso, querida. Este é Sherinbew - o soldado de uniforme de proteção cumprimenta com a cabeça - Seu "segurança particular" apartir de agora.

Um fardo é colocado sobre mim. Não sei quanto tempo vou aguentar aqui, com essa pressão, esse cansaço, esse esgotamento. Talvez não haja um troféu a expor por muito tempo.

- O que vai fazer comigo? - murmuro e é como se minha boca estivesse costurada. - Me deixar mofando aqui?

Uma leve risada preenche o silêncio. - Não. Você vai ter com o que se ocupar. Quero dizer, se conseguir saber o que é real e... o que é a Prisão de Vidro.

Quando eu penso que nada poderia piorar: Eu estou errada.

A imagem de Sherinbew e Maori tremula no vidro a minha frente. Pequenos pixels alaranjados fazem uma nova imagem. Sou eu.

Imediatamente sou impulsionada a ficar de pé. Isso me causa tanta dor que apesar das algemas me forçarem meus joelhos fraquejam.

Meus movimentos se sincronizam com os da minha projeção. É como um espelho.

"(...) o que é real e... o que é a Prisão de Vidro."



QUE OS JOGOS COMECEM!

Rayrah Scarlett: O Coração Pulsante de Evbád [RETIRADA EM 25/10/22]Where stories live. Discover now