– O que foi o que? – Perguntei e ele riu.

– Não, é só que você fez uma cara estranha do nada.

Ah, aquilo.

– Não é nada, só estava lembrando de coisas não muito agradáveis – respondi e Eliel pareceu ler meus pensamentos, pois começou a rir feito um idiota.

– Chá de boldo da vovó Tina! – Ele disse e eu concordei, colocando a língua para fora num sinal de desgosto.

– Chá de boldo da vovó Tina – repeti e Henri me puxou pelo braço, arrastando-me para fora enquanto Eliel ainda ria, tentando explicar para Dona Emy, sem fôlego algum, a história do tal chá de boldo.

– Voltem antes da meia-noite e sem brincar de médico, querido! – Dona Emy gritou quando chegamos na porta da sala e Henri meneou a cabeça, abrindo um sorriso sem graça.

– Jesus...

– Não precisa se envergonhar, sua avó é legal – eu disse encolhendo os ombros enquanto o acompanhava até o portão. – Pelo menos ela não tem uns papos estranhos sobre conspirações do governo e como nunca deveríamos ter abandonado a natureza. Ah, e ela faz doces!

Estava tão distraída falando que, novamente, quase pulei de susto quando senti patas e unhas enormes nas minhas costas, que me empurraram para frente e quase me fizeram cair de cara no muro. Bom, ninguém mandou nascer com o tamanho de um cachorro.

Ah claro, isso tinha sido escolha minha, sim.

– Ei, você ainda não se tocou que você assusta ela? Bobão – Henri disse tirando Biscoito de cima de mim e eu sorri, fazendo carinho em sua cabeça enquanto ele tentava, sem sucesso, lamber meus dedos.

– Não, tá tudo bem. Já vi que ele não é do tipo que fica louco e sai mordendo as pessoas de uma hora para outra – respondi e puxei minha mão de volta com uma careta quando senti a língua de Biscoito passar por ela inteira. – Ew...

Enquanto Henri o colocava para dentro e fechava o portão, cheguei sorrateiramente por trás e limpei minha mão babada em seu casaco, fazendo-o se virar para mim com certa indignação e descrença.

– O que foi? O cachorro é seu.

– Ah, você não devia ter feito isso. Não é com qualquer um que você pode ser folgada assim, sabia?

– O quê...? – Murmurei confusa e de repente tudo girou e o mundo ficou de cabeça-para-baixo. – Ah meu Deus, ah meu Deus! Me coloca no chão, por favor! – Implorei fechando os olhos com força enquanto aquele idiota corria com nada mais, nada menos, que eu mesma pendurada em seu ombro. – Henri eu vou vomitar em cima de você...

– Você sabe que tá chamando a atenção gritando assim feito louca, não sabe?

– Cacete, estamos chamando a atenção de qualquer jeito, parece que você tá me sequestrando! – Gritei com mais irritação do que pretendia mas Henri não pareceu notar. Eu já estava sentindo minha cabeça formigar e eu não poderia estar mais tonta. – Henri, por favor!

Parei de gritar e, mesmo sem querer, comecei a chorar feito uma idiota. Não estava triste ou chateada, apenas com raiva e decepcionada por ser tão fraca a ponto de não poder fazer nada quando um ser aleatório resolvia sair me carregando de ponta cabeça por aí como se eu fosse só... Um saco cheio de ar. Eu poderia dizer boneca, mas aquela passara a ser uma palavra proibida em meu vocabulário, mesmo em momentos frustrantes como aquele.

– Ei, nossa, desculpa eu... – ouvi Henri dizer e senti meus pés trêmulos tocarem o chão enquanto, de forma quase que automática e desligada, eu o agredia sem conseguir parar de chorar.

A Casa de BonecasWhere stories live. Discover now