- E então? - sua voz adquiriu um tom calmo mas afiado. Prendo a respiração e me preparo.

- Eu quero saber quem é meu pai biológico.

Alyah arqueja surpresa e parece ter uma tontura, a ajudo a se sentar enquanto ela se recupera.

- Eu sabia que esse dia chegaria. - ela murmurou. - Uma hora você teria que saber.

- O que houve com ele, afinal? - gesticulo indignada - Por que ninguém quer falar sobre isso?!

- Porque ninguém quer se lembrar. - os olhos dela marejam e percebo que nunca a vi tão vulnerável.

- Mas eu preciso saber... - murmuro me abaixando até ficar com os olhos nos dela - Não é apenas curiosidade, é parte de minha história.

Os olhos amendoados dela fitam o chão demoradamente, por um segundo penso que ela está em choque e que é melhor eu não insistir, me viro para ir embora e de repente o murmúrio dela me faz me virar devagar:

- Faz tanto tempo... - as mãos dela seguram a barra da camiseta com força. - Ele era tão bonito... - ela divaga com a viz trêmula - Vocês têm os mesmos olhos. Brilhantes e verdes como esmeraldas.

Me sento no chão, aos seus pés, ouvindo.

- Quando o conheci, eu tinha pouco mais que a sua idade. Ele era um homem comum, fazia armas, ia ao palácio para fazer entregas e cada vez que nossos olhares se cruzavam eu me apaixonava. Dia após dia, nós começávamos a nos encontrar, escondidos é claro. - ela diz tristemente com os olhos fixos nas mãos. - Ele era tão doce, tão compreensivo e amável, Ray... - uma lágrima desce pelo rosto dela e mesmo que eu não a ame, me sinto impelida a enxugá-la. - Ele não merecia o fim que teve. - ela cai no choro, estremecendo e soluçando ruidosamente. - Foi tudo minha culpa!

Minhas mãos começam a tremer, não sei o que fazer ou o que dizer, não sei sequer como encará-la. O sentimento da culpa me é familiar e por questão a empatia me atinge e eu a abraço. Ela não se retrai mas também não me abraça.

- O nome dele era Racin e ele nunca pôde saber que você nasceu. - ela murmura perto da minha orelha, antes de se afastar tampando o rosto com as mãos. - Você pode achar que sim, mas não sou forte o suficiente pra isso.

Ela se levanta e sai correndo da sala de música, enquanto a acompanho com os olhos. Alyah pode não parecer, mas é humana, como eu, como todos os outros.

Vou para meu quarto e me deito na cama, as criadas já foram embora e apenas agora penso como fui rude com elas. Tanta coisa passa pela minha cabeça, sobre meu pai, sobre o que houve com ele, que acabo adormecendo.

O castelo estava desabando, o teto acima de mim rachava e tremia. Gritos estridentes estão por toda parte, vejo à minha frente Wei-Wei, Josh, Charslie, Rute e Kadash. Tento correr até eles mas me vejo presa ao trono de Alyah por correntes, pilastras caem e eles tentam correr. Meus pulsos ficam machucados pelas algemas. Vejo desesperada, pontas afiadas de uma pedra brilhante e negra como a do coração do meu colar, brotarem no chão cada vez mais perto dos meus amigos. Os seus rostos desesperados fazem brotar lágrimas nos meus olhos. Cada um deles fica imóvel na sua própria prisão de pedras afiadas. Grito a plenos pulmões quando parte do teto desaba sobre eles, levantando uma nuvem de poira cinzenta. Vejo uma única silhueta sair do meio da poeira: Will. Ele começa a dizer com voz amargurada "Cumpra seu destino. Independente dos que você ama."

Resfolego e vejo todo o quarto a levitar. E vejo Elena ajoelhada com os olhos saltados de desespero. Dou um salto da cama e tudo que antes levitava cai no chão, ouço coisas se quebrarem e Elena cair no chão sem inconsciente.

- Elena! - grito para a criada de tranças que tentava se rentabilizar. - Eu nunca te machucaria de propósito!

Ela se levanta com a mão no peito e a respiração entre cortada.

- E-eu tenho q-que ir. - tenta dizer.

- Elena espera! - ela saiu fo quarto sem pedir permissão, estava aterrorizada.

Viro a cabeça para os lados. Não foi apenas um pesadelo. Ouço batidas na porta e a voz de Alyah, vou ao banheiro me despertar com uma rajada de água no rosto.

Abro a porta e vejo Alyah me encarando determinada. Ela entra no quarto sem dizer nada e dispensa os guardas na porta.

- Você não sabe o quanto isso é difícil pra mim então apenas ouça. - ela fala com a voz embargada antes de começar a contar.

Assinto e me sento no divã cor-de-carmim enquanto Alyah se senta na cama com dossel.

- A família do seu pai foi convidada a morar no palácio, meu pai gostava muito dele, Racin era o único filho dos pais já idosos, seus avós. Eles morreram de tristeza depois que ele morreu.

Olho para o chão e suspiro. - Alyah... Você não precisa me contar, Harrigton pode me contar se voc-

- Eu preciso te contar isso. - ela respira fundo criando forças. - Eu só quero te mostrar que não sou tão abominável quanto pensa que sou. Eu fiz minhas escolhas e elas me levaram até aqui. Harrigton era o general do exército, foi o melhor amigo de seu pai e ficou do meu lado depois da morte dele. 

Balanço a cabeça incapaz de dizer qualquer coisa. Ela continua:

- Nos encontrávamos no palácio sempre que podíamos. Era um amor tão impossível mas tão grande, tão grande que meu noivado com o príncipe simbólico de Arnlev não podia inpedir. Eu amava Racin demais. Nós queríamos nos casar em segredo. Mas nada pode ser escondido por muito tempo. Meu pai, Sordet, descobriu. Me lembro exatamente das suas palavras como se as tivesse dito ontem: "Você é uma desonra pra nossa família. Desfez uma aliança, deitou-se com um plebeu, mentiu para seu reino e me traiu! Você deveria se envergonhar como eu me envergonho de ter te criado como minha filha!"

Gelo por dentro, qualquer palavra dura que já tenham direcionado à mim não era muita coisa comparado ao que Sordet tinha dito para a própria filha. Observo Alyah ranger os dentes.

- Racin tentou concertar as coisas, disse que a culpa era toda dele. Eu preferia que ele tivesse ficado calado! - uma lágrima cai de seu olho mas não escorre. - A cena ainda me atormenta à noite. Meu pai usou a herança real - habilidades dos sangue-azul - para destruí-lo na frente dos meus olhos. Ele o transformou numa estátua, usando telecinese para que pedaço por pedaço de pedra efervescente cobrissem a pele dele enquanto gritava e eu assistia o seu último suspiro. - ela tremia revivendo a cena perturbadora. Ela teve o amor de sua vida morto por sua culpa e ainda foi obrigada a assistir.

- Eu sinto muito. - digo.

- Não sinta. - me encara séria -Depois, eu fugi e pensei que jamais voltaria. Me refugiei com os Nômades e travei minha vingança, eles me mostraram a Pedra da Ascensão e eu fiz meu destino. Quando voltei, implorei o perdão de meu pai e fui aceita novamente. Mas eu estava cega de ódio e fiz a cabeça da minha irmã para envenenarmos o rei. Hill sempre teve conhecimentos de toxinas e venenos e ervas medicinais, ela sabia o que usar e ninguém descobriria que fomos nós. Fui eu que envenenei a cabeça dela contra meu pai, mas nós sempre quisemos o trono.

Minha cabeça girava. Alyah matou Sordet, o próprio pai! E Hill a ajudou! E foi tudo por vingança! Vingança!

- Alyah?! Como pôde?! - pergunto indignada.

- EU AMAVA RACIN!! - ela chora - E ele o matou! Não diminua a minha dor só porquê você não a compreende!

Então ela sai do quarto, me deixando para trás banhada em remorso e mergulhada em perguntas.



Menina Ray vai dormir com essa! Vixe

O que pensam da Alyah depois disso??

Rayrah Scarlett: O Coração Pulsante de Evbád [RETIRADA EM 25/10/22]Where stories live. Discover now