Loucos nós

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Ele machuca sem saber.

Quer dizer, ele não acredita em mim quando digo que machuca, quando digo que dói.

Tem uma frase que gosta de repetir: "Fiz só pra chatear."

Parece seu lema de vida.

Um dia, lá atrás, alguém reforçou esse comportamento e ele achou que era bom. E o adotou. E passou a repetir, repetir e repetir, como padrão de personalidade.

Introjetou no seu jeitão de ser. Em seu repertório comportamental.

Quem o convencerá de que não é bom o que faz?

...Faz com ar de inocente, de como quem não quer nada. Ou noutras vezes, com a maior convicção do mundo, justificando ser em nome do amor, cuidado, zelo.

Quem o convencerá de seu erro?

Quanto machucado emocional, tristeza e recolhimento para auto proteção serão ainda necessários para comunicar sua invasão, desrespeito, agressão?

Ele não entende Português.

Não se comunica pelo falar e ouvir.

Entende a língua da dor. Da dor na carne.

Só enxerga que machucou, quando vê o sangue. Do corpo e/ou da alma.

E esquece. Esquece rápido. E faz de novo.

Não relaciona aquela atitude que teve e machucou com as outras atitudes que pode ter e machucar.

Não tem memória. Não faz relações. E é tão inteligente, como pode?

Ou tem memória mas não a leva em conta, porque não tem interesse. Porque se compraz em machucar.

Aprendeu a gostar disso. Aprendeu que era normal.

A Psicologia diz que muitas vezes os que machucam, foram machucados também. E por isso aprenderam a se relacionar assim.

Esquecimento seletivo, do que interessa, do que não quer aprender?..

Só entende quando vê sangue. Sangue do corpo e/ou da alma.

E não tem fim.

Não se cansa.

Mas eu me canso.

E como faço?

Ninguém sai disso de uma hora pra outra.

Não sei nem se sai um dia. Porque se sai, a situação não sai de nós.

E pra sairmos disso..Estamos sempre desfacelados, vampirizados, acuados, adiantando terremotos, prevendo furacões, planejando como nos proteger, que estratégia usar dessa vez, de que forma garantir o bem estar de nossos dependentes...

Talvez chegue um dia...Talvez não chegue.

Há a chocante possibilidade de, se chegar o dia, passarmos a sentir falta disso.

Não sabemos viver de outro modo.

Que aprendamos.

Que queiramos saúde nos relacionamentos.

Mesmo quando não estamos acostumados ainda. Mesmo quando isso não parece tão interessante e tão  emocionante como a montanha russa desvairada que vivemos nas relações doentias.

Louca vida.

Loucos nós.

Pensando a vidaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora