Capítulo XIV

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Pulei e a encarei, vendo sua expressão preocupada. Demos um forte expiro e nadamos de volta ao lugar da luz, que estava ficando fraca. Sem dúvidas a noite se aproximava.

Évele entrou na abertura e nadou até desaparecer em meio a água. Dava para ver as rochas bem escuras que nos rodiava, era tudo muito lindo. Fui logo atrás, encontrando-a no meio do caminho que ficava cada vez mais largo. Eu estava ficando sem ar, não encontrávamos saída, aquele poderia ser nosso fim. Flutuávamos uma ao lado da outra nos olhando com um olhar esperançoso. Foi então que o buraco deu em um lugar maior que borbulhava por efeito da forte correnteza que caíra.

Certamente estávamos ao pé de uma grande cachoeira. Nossas mãos, que estavam dadas, se soltaram devido ao forte balanço do local. Eu tentava sempre nadar para cima. Tentei manter a calma após perder de vista Évele.

Dei um forte suspiro chegando á superfície, não enxerguei muita coisa, pois meus olhos estavam embaçados. Tentei nadar até a terra que estava um pouco longe de mim, mas com muito esforço consegui.

- Évele! - gritei a procurando.

Levantei-me do chão barrento da beira do rio e tentei vê-la. Nem reparei onde eu estava, apenas esticava meu pescoço a buscar alguma coisa.

- Évele! - repeti.

Ouvi alguém tossindo ao longe, ao reparar a longa borda do rio vi Évele tentando se retirar da água.

Corri até ela tentando não espetar meus pés ao longo dos espinhos que encontrei no caminho. Meu calçado havia ficado no cenote.

- Évele, você está bem? - indaguei preocupada ajudando a sair completamente da água.

Coloquei-a deitada em meu colo e ajudei-a a tirar a água que estava em sua boca. Ela tossia bastante, parecia ter engolido muita água.

- Consegue falar?

- Acho que sim! - ela respondeu vagarosamente.

- Venha, vamos sair daqui! - falei só então percebendo o lugar onde estávamos.

Uma queda d'água bem grande caía em nossa frente, parecia ter uns 40 metros de altura. O Cheiro de água doce dominava o lugar, o clima um pouco frio nos dava uma sensação de medo, as enormes árvores cercavam a cachoeira, era realmente muito lindo. Dava para avistar um pouco acima do buraco donde saímos, a água era meio esverdeada e a pedra atrás da cachoeira parecia muito lisa.

Levantei Évele colocando-a em meus ombros, eu estava com muito frio, não aguentaríamos muito tempo se ficássemos ali.

Entramos mata adentro com muito cuidado para não ser mordido por insetos ou cobras, e também não pisar em espinhos.

- Está escurecendo temos que parar pra descansar! - falei colocando Évele sentada em uma pedra após caminharmos bastante.

- Ok! - ela respondeu um pouco fraca.

- Coloque seu anel de asas! Ficara mais aquecida com as plumas.

Évele colocou a mão no bolso e puxou para fora o anel, que com um pouco de esforço conseguiu colocá-lo, transformando-a em uma anja belíssima.

Em seguida fiz o mesmo, Esticando minhas asas como se eu tivesse acabado de acordar.

- E agora? O que vamos fazer? Não podemos simplesmente deitar no chão e dormir. - retruquei.

- Eu sei! Vamos fazer uma cama suspensa. - argumentou se esforçando para falar.

- Se Miguel estivesse aqui ele saberia o que fazer! - falei cabisbaixa.

- Não pense nisso, nós vamos conseguir sobreviver. - falou se ajeitando na pedra.

- Vou pegar algumas madeiras e folhas para fazermos a cama. - falei observando o lugar que não tinha nada de interessante, apenas árvores.

- Vou com você! - retrucou se levantando da pedra.

- Nada disso, pode sentar aí e ficar bem quieta! - falei colocando-a sentada de novo.

Nossas roupas estavam secas graças à transformação, apenas o cabelo que estava um bagaço. Estávamos sem maquiagem, sem sapatos e sem o Miguel.

- Jhulia, eu não estou morta, consigo ajudar! - argumentou Évele se irritando.

- Tem certeza? - indaguei.

- Tenho!

Limpamos o lugar com um pedaço de pau seco, retirando as folhas úmidas do solo e os galhos.

Rodeamos o local e pegamos algumas varas verdes para fazer a estrutura da cabana, depois, pegamos folhas bem grandes, pareciam ser de taioba, mas não tinha tanta certeza. Cravamos as varas no chão e em seguida colocamos as folhas. A cabana ficou em formato do V de cabeça pra baixo.

- Jhulia, esquecemos de suspendê-la do chão, se ficarmos deitadas no solo, animais podem nos pegar. - argumentou Évele respirando forte devido ao cansaço.

Coloquei as mãos na cintura, suspirei e disse.

- Agora já é tarde! Acho que não há nenhum problema se ficarmos só um dia na terra, amanhã bem cedo nós seguimos o rio para chegar ao grande açude.

- Está bem! - concluiu Évele sentando na pedra para descansar.

A noite se aproximava rapidamente, não sabíamos fazer fogo e nem tínhamos comida, nossas coisas haviam sido largadas ao outro lado do rio quando o dragão apareceu na floresta. Tentávamos bater pedras com pedras, esfregávamos galhos e não saía nem se quer uma faísca. Por sorte, achamos uma nascente perto da cabana, o que nos permitiu não morrer de sede.

O lugar começara a ficar escuro em um piscar de olhos, apenas se ouvia o barulho dos insetos, ao longe a cachoeira e bem levemente uivos de lobos.

- Só espero que esses lobos não se aproximem! - falei ouvindo atentamente os sons a nossa volta.

- Deus te ouça! - retrucou Évele entrando na cabana que estava coberta por folhas secas no chão.

Fiz o mesmo, me acomodei de modo que ficasse confortável dormir com minha amiga. Portanto, não caberia nem mais uma pulga na cabana.
Cobrimo-nos com as asas, de modo que não sentíssemos frio de madrugada. A noite havia tomado o lugar, só era possível ver as sombras das enormes árvores, que formavam vultos assustadores com o auxilio do vento.

Já era tarde quando comecei a fechar os olhos, Évele já dormia a tempo, sem dúvidas estava muito cansada. Sua tosse começara a me incomodar, percebi que minha amiga estava prestes a enfrentar um forte resfriado, se não chegássemos a alguma civilização logo, poderia ser tarde de mais.

Enfim, eu adormeci, mas de uma maneira tão leve que até os grilos me acordavam.

(...)

- Évele, acorda! - sussurrei sacudindo-a.

- O que foi? - indagou sonolenta deixando escapar um tossido.

- Acho que os lobos estão se aproximando! - falei levantando-me e ficando sentada no chão.

- Ham? - retrucou coçando os olhos e sentando como eu.

- Os lobos! Eles estão se aproximando! - repeti trêmula.

Nossas asas continuavam enroladas em nosso corpo, de modo que só ficasse os pés para fora, o que causava certo desconforto.

Os lobos pareciam estar escondidos por entre as árvores que nos cercavam. Tínhamos que sair de pressa antes que virássemos comida de lobo.

Anjo BélicoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora