25. Como a vida trabalha

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A primeira providência que ele tomou ao recuperar-se foi acender uma pequena fogueira onde antes havia sido o cercado de Memê, ajuntando para isso alguns gravetos, e com as mangas da camisa arregaçadas, ele retirou de debaixo do braço o grande caderno com capa de couro no qual escrevia sobre ela, abrindo-o lentamente na primeira página, e observando sua letra elegante, Newt leu: "O Mais Fantástico dos Animais Fantásticos - Um estudo a vivo sobre os metamorphosusvelticcus - por Newt Scamander". E lentamente ele ergueu a mão ao topo da página, arrancando-a devagar, deixando-a em seguida cair no fogo, observando-a em silêncio incendiar-se. O mundo não estava pronto para saber que ainda existiam metamorphosusvelticcus vivos e, caso acontecesse algo com ele, era perigoso que houvessem registros escritos sobre isso; ele não podia arriscar a vida de sua família... Arrancando e deixando cair no fogo a próxima página, Newt suspirou tristemente. Conseguiria ele um dia deixar de pensar neles como sua família? Ele não acreditava nisso.

De qualquer forma, ele precisava preparar a comunidade científica bruxa e ampliar ao máximo seus esforços para que chegasse mesmo ao conhecimento dos trouxas que os metamorphosusvelticcus não deviam mais ser caçados porque não representavam mais risco - estavam, por assim dizer, "domesticados"; mas isso levaria tempo e, de qualquer forma, ele tinha tudo o que havia escrito naquele livro de cor em sua memória, tantas vezes que o havia lido e relido em segredo, sem nem mesmo que Memê soubesse. Ele testaria o terreno, veria primeiro onde estava pisando, para então, e só então, ver se havia como tentar mudar a imagem totalmente errônea que se tinha sobre os metamorphosusvelticcus. Afinal de contas, quem sabe, sua missão para com eles ainda não houvesse acabado. Talvez ainda houvesse mais isso a ser feito por ele antes do fim. Talvez tivesse sido por isso que ele tinha sobrevivido. Mas ele não podia saber; então, ele teve fé, e apenas fez o que pôde, da melhor forma possível o que era possível, e que a vida encarregasse-se do resto, pois, como Memê havia-lhe ensinado, era assim que a vida trabalhava.

E em silêncio Newt queimou todas as páginas, até o fim, e depois então tomou um banho e trocou de roupas, preparando em seguida para si mesmo uma beberagem de ervas para recuperar-se dos últimos acontecimentos, e deitou-se para dormir. E dormiu profundamente; o cheiro dos cabelos de Memê, ainda no seu travesseiro, embalando-o como uma doce lembrança ainda presente.

*

Doces lembranças que com o tempo foram ficando mais escondidas no fundo de sua alma conforme o tempo passava, até que um dia, muitos e muitos anos depois, Newt voltasse ao pedaço de mundo perdido onde Memê vivia, porque a saudade impeliu-o a isso de forma tão sedutora que ele não conseguiu conter-se, e eis que ele pela terceira vez esteve naquele lugar, e talvez fosse a última. Com as costas um pouco curvadas, Newt seguia pela trilha agora conhecida pelo meio da floresta, e quando chegou às bordas dela o sol estava pondo-se, quase, baixando-se no Oeste e tingindo os céus de laranja, e logo uma linda voz chegou aos seus ouvidos trazida pela brisa doce do final do verão. E estacando no lugar, Newt parou para ouvir, fechando os olhos ao redor dos quais as rugas estendiam-se em linhas retas em direção às suas têmporas grisalhas, e ele não teve dúvidas: Era a voz de Memê. Pura, clara, como se não houvesse passado um só dia, tão diferente da dele, que tornava-se a cada ano mais rouca com a idade, e ela cantava, e Newt não precisava ver para saber que ela era uma sereia:

"Existiu um rapaz

Um rapaz encantado e muito estranho.

Dizem que ele viajou por longe, muito longe,

pelas terras e pelo mar.

Um pouco tímido e de olhos tristes,

mas muito sábio ele era.

E então um dia,

um dia de sorte ele cruzou o meu caminho.

E nós falamos sobre muitas coisas,

Presa na Mala de Newt ScamanderWhere stories live. Discover now