3. Dentro da mala

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Assim que desviei os olhos para dentro do interior da mala que estava aberta bem diante de mim eu simplesmente parei de debater-me porque o susto causado pelo que eu via era ainda maior que o medo que eu sentira até há poucos instantes atrás de estar sendo presa: Inexplicavelmente, para dentro da mala aberta no chão, eu via uma escada que descia como que para dentro deste, e o espaço lá embaixo era enorme e claro como se abaixo da terra houvesse sol e fosse dia, mas subitamente compreendi que não estávamos indo para debaixo do chão, mas sim, inexplicavelmente, para dentro da mala, embora eu soubesse que isso não era em absoluto possível. E, sim, digo nós estávamos indo, porque Newt Scamander não simplesmente jogou-me para dentro da mala como eu julgara que faria, mas sim desceu as escadas ainda comigo no colo, antes de cuidadosamente erguer um braço para com a mão fechar a "porta" aberta, ou seja, a tampa da mala, antes de continuar a descer.

Completamente aturdida com o que via, deixei-me levar por ele sem lutar mais, olhando para tudo à minha volta em completa descrença: Não podia aquele lugar estar no interior de uma mala, não era absolutamente possível, pois aquele era um lugar enorme, realmente enorme, grande como uma fazenda. E não apenas grande como uma fazenda, mas também repleto de animais, exatamente como uma, e embora eu não conhecesse nenhum deles, eu sabia que eram todos Animais Fantásticos e de repente compreendi tudo muito claramente: Ele era um colecionador de Animais Fantásticos e, pelo jeito, eu era o seu mais novo e interessante troféu , a mais nova aquisição de seu zoológico bizarro de criaturas mágicas, e esse pensamento perturbou-me terrivelmente, fazendo-me voltar a debater-me em seus braços em pânico, porque mal conseguia pensar o que aconteceria comigo quando os humanos vissem-me assim que começasse a visitação. Eu seria certamente chacinada em muito breve e minha raça estaria extinta para sempre. Debati-me e guinchei então em verdadeiro pavor.

- Oh, ei, ei, oh, calminha, calminha - disse o bruxo com a voz estranhamente doce enquanto quase deixara-me cair de seus braços por um instante, mas segurando-me de modo firme e cuidadoso ao mesmo tempo logo em seguida - Por que esse medo todo? Aqui você está a salvo.

A salvo. A salvo até que alguém me visse, pensei. Nunca um metamorphosusvelticcus foi deixado vivo após ter sido visto depois que começou a perseguição à nossa raça, há bem mais de mil anos atrás. Continuei a debater-me e guinchar, dando-lhe patadinhas com meus pequenos cascos para que me soltasse, mas ele segurou-me enquanto continuava a andar pelos pequenos cercados de sua fazenda-zoológico, os outros animais olhando-nos com curiosidade enquanto passávamos por eles, até que chegássemos a um local apartado dos demais, com uma cerca baixa e dourada à qual eu pude claramente sentir que continha um feitiço, e guinchei ainda mais alto. Scamander, por sua vez, sorriu para mim enquanto me tomava novamente pelas orelhas, agachando-se ligeiramente para colocar-me na parte de dentro do cercadinho:

- Desculpe, coisa linda, mas aqui não vai adiantar de nada a sua capacidade de anular feitiços, porque aqui, dentro da minha mala, ela não funciona - e depositou-me no chão, colocando ambas as mãos na beirada da cerca enquanto continuava a falar, olhando-me muito amavelmente - E essa cerca tem um feitiço poderoso. Mesmo que você amanhã torne-se uma criatura enorme, não vai conseguir saltar por cima dela - olhei-o assustada e com pequenos saltos, afastei-me para longe, para olhá-lo de uma distância à qual eu me sentisse mais segura - Novamente me desculpe, mas isso foi necessário...devido às suas peculiaridades... Se é que me entende. Bem... Eu estive estudando a sua espécie por um longo tempo e...oh...bem...sei como vocês podem ser perigosos às vezes, embora sem intenção ou maldade - e assim dizendo pegou ligeiramente sobre o braço que eu havia-lhe ferido, e fez uma careta de dor por um instante, movimentando de leve o ombro antes de continuar falando - E, bem, tive uma prova prática de que isso é realmente verdade... Então, até que você compreenda que eu não quero fazer-lhe nenhum mal, pela minha segurança, pela dos demais animais que vivem aqui e pela sua própria, foi preciso que eu a prendesse com magia. Desculpe-me por isso.

Somente nesse instante permiti-me olhar em volta. Havia espaço suficiente dentro do cercado mágico para que eu tivesse conforto mesmo que me tornasse um dragão amanhã ao meio-dia e dez, bem como abrigos, das mais variadas formas e tamanhos, e todo o tipo de formação geográfica imaginável, para agradar a praticamente qualquer tipo de forma que eu assumisse. Havia um trecho de formação rochosa, um de bosque, um de terra gramada e mesmo um trecho desértico arenoso e, ao fundo, uma pequena lagoa. Mas tudo era cercado pela divisória dourada que me prendia. Tornei novamente os olhos para onde ele se encontrava, e notei que havia coxos de alimentação de vários tamanhos diferentes, para atender a praticamente qualquer tipo de necessidade, e realmente parecia que Newt Scamander havia mesmo pesquisado sobre minha espécie por longo tempo e pensado em praticamente tudo antes de iniciar a caçada a mim. Mas ainda havia algo que ele parecia não saber sobre mim, especificamente, e isso saltava aos olhos.

- Sabe? - disse ele de repente, e eu voltei-lhe o rosto e o olhar novamente - Eu há tanto tempo estou estudando sobre a sua raça... Na verdade, sempre fui fascinado pelos metamorphosusvelticcus mas, como o resto do mundo, acreditava que vocês estavam extintos... Consegue então imaginar a minha alegria quando eu por acaso te descobri? Era como um sonho tornado realidade bem diante de meus olhos! Eu mal podia acreditar neles! É muita felicidade para um só magizoologista! - ele sorria - E toda a dificuldade para conseguir que você esteja agora aqui valeu a pena. Não me arrependo de um só dia - retirou as mãos de sobre a cerca e de repente bateu-as sobre os bolsos da calça, respirando fundo - Bem, deve estar com fome e sede, não é? Vou providenciar isso para você, fique tranquila. Aqui não vai faltar-lhe nada, você será bem tratada. Procure um cantinho para descansar enquanto eu providencio o seu almoço. Você aqui será muito bem tratada, eu lhe prometo - e afastou-se rapidamente, andando de um jeito atrapalhado para longe. Olhei-o afastar-se da cerca dourada ainda por um bom tempo antes que tirasse dele os olhos para voltá-la para a cerca, que era, na verdade, as barras de minha prisão, e senti-me absolutamente desesperançada.

Eu poderia até mesmo ser bem tratada, mas nada disso mudaria o fato de que eu era prisioneira, e isso deprimia-me profundamente. Olhei em volta tristemente, sentindo os olhos úmidos, profundamente ressentida de ter sobrevivido à matança de minha raça e subsistir por mais de 500 anos para acabar como uma mera atração de zoológico, profundamente temerosa por saber que meus dias estavam contados, e eu não podia fazer quanto a isso absolutamente nada, por maior e mais perigosa que me tornasse agora.

De repente senti que toda a vida e toda a existência haviam perdido o sentido e quase arrependi-me de haver-me escondido por tanto tempo para sobreviver, acabando por vir a morrer neste lugar, de forma tão inglória e estranha... Exposta à visão e diversão do público e certamente abatida sem chance sequer de defesa; melhor seria ter terminado meus dias nos áureos tempos, em batalha, como todos os outros de minha raça... E recolhi-me a um canto, não para descansar, como o bruxo me aconselhara, mas sim para chorar baixinho, acreditando que eu havia feito tudo errado. Tudo. Desde o começo. E chorei, desejando que estivesse eu então morta, ao invés de presa na mala de Newt Scamander.

*

Notas Finais

Nossa criatura finalmente viu o interior da mágica e misteriosa mala do bruxo Newt Scamander...

Mas estará ela certa ao achar que ele é um mero colecionador de criaturas, que administra um zoológico?

Estará ela certa em seus receios quanto à sua vida? E qual segredo ela tem que mesmo ele desconhece?

Mostrará Newt para ela que ela está equivocada? E de que maneiras?

O próximo capítulo vem para contar algumas coisas novas.

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